DE PRISÃO A BIBLIOTECA – UM BOM CAMINHO? por clara castilho

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Quis falar sobre bibliotecas. Procurei iniciativas, dado que informam que é o dia internacional das bibliotecas. Não que isso interesse para alguma coisa, mas habitualmente é pretexto para organização de uma qualquer iniciativa. Pois nada encontrei. Já tinha “em carteira” falar de uma Biblioteca em S. Paulo, construída onde existiu um presídio.

Presídio que história triste. A primeira sensação será elogiar esta mudança mas seria preciso ter a certeza que não se tratou de uma mera “mudança de residência” e que os métodos também teriam mudado…

massacre

A construção da Penitenciária do Estado de S.Paulo iniciou-se no ano de 1911, para “conter” o aumento da criminalidade, resultante do avanço tecnológico que se fazia sentir e aumento da população, e tentando ser um estabelecimento prisional modelo com um “caracter de casa correccional e regeneratoria, com officinas próprias, de forma que o encarcerado possa ser acompanhado e educado até a sua rehabilitação moral” e corresponder a nova visão de jurisprudência. Começando a funcionar em 1920, foi sendo ampliado e englobou em 1956 a Casa de Detenção, sendo considerada uma das prisões mais seguras do mundo. No entanto, em fermos de objsectivos e funcionamento, quase meio século após sua inauguração, a penitenciária modelo era apenas uma sombra da instituição que foi, devido ao excesso de população carcerária, falta de matéria-prima para o funcionamento das oficinas de trabalho, maquinário deficiente e desgastado pelo uso. Verificava-se superlotação, fugas em massa, violentas rebeliões, tratamento desumano de presos, agentes penitenciários corruptos e a crescente infiltração do crime organizado no sistema prisional. Construído para abrigar 3,5 mil presos chegou a abrigar mais de 9 mil presos

Em Outubro de 1992,  o pavilhão 9 foi invadido pela tropa de choque da Polícia Militar. O que sucedeu ficou conhecido como massacre do Carandiru, resultando, segundo a versão oficial, na morte de 111 detidos. O dos ordenantes da “matança”, o coronel Ubiratan – falecido em 2006 – foi a julgamento, sendo condenado a 632 anos de prisão em regime fechado. Presos de então, como é o caso de Sidney Sales, um dos poucos sobreviventes, dizem: “111 que tinham pai, mãe e advogado. Quem recorreu. Várias pessoas não tinham família […] Eu creio que aproximadamente morreram uns 250.”

biblioteca

Após um longo processo de desativação, em 2002 o presídio foi desactivado. Para surgir com novo rosto: O Parque da Juventude e a Biblioteca. Que tem dos maiores recursos e até equipamentos para transformar livros normais em áudio ou braile. As mesas serão reguláveis – para se adaptar a qualquer tamanho de cadeira de rodas – e serão disponibilizados folheadores automáticos de páginas para quem tem restrições motoras.

Uma nova biblioteca é sempre bom. Falta saber das cadeias existentes… ou até, do que se faz para se evitar que haja necessidade de ter tantas pessoas presas…


2 Comments

  1. A Biblioteca está feita e ativa, é uma delícia visitá-la. Belas condições, boa visão e boa gestão, de ampla percepção do que é a diversidade de funções numa biblioteca pública democrática, inclusiva e empenhada na cultura. Embora de vínculo precário, em permanente instabilidade laboral, o pessoal é motivado, preparado e simpático. Muito utilizada, por vizinhos e não só – fica perto de uma estação de metro – é um sinal luminoso de um futuro diferente. No parque, resta a memória da prisão, num muro usado para desportos radicais. Nas mesas encontrei (2012) alguns leitores furiosos que eram antigos moradores do presídio. No ar, perfumes de luta e liberdade.

  2. Obrigada pelo seu contributo, com a fescura do conhecimento “in loco” e com a agradável surpresa de nos vermos lidos aí tão perto! Desejos que os “perfumes de luta e liberdade” continuem no bom caminho.

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