MENTIRAS BEM PREGADAS – por José Roberto Teixeira Leite*

                                      

Imagem1 (3)                                       *Titular de História das Artes – Unicamp

                                                                                    

 Num de seus livros infantis, já nem me lembro qual, Monteiro Lobato põe na boca de Emília essa definição desconcertante:

– Verdade é uma mentira bem pregada.

Sábias palavras, de fato, tanto mais porque proferidas por uma simples boneca de pano transformada em pessoinha por artes de Tia Nastácia! O fato é que de mentiras bem pregadas o mundo anda cheio: elas estão na história, na literatura, na filosofia, nas artes, na política, na religião, nas manchetes dos jornais, em toda parte em suma: e o mais grave é que, repetidas há tanto tempo por tanta gente, talvez já nem seja possível desmistifica-las, sob pena de, os que ousarem faze-lo, passarem por grandíssimos mentirosos.

Tome-se a História do Brasil: ela está literalmente repleta de mentiras bem pregadas, a começar pelo “Descobrimento”, passando pela “Independência ou Morte” e culminando em nossos próprios dias: pois não nos é ensinado, desde o primário, que em 1808 desembarcaram no Rio de Janeiro, na comitiva do futuro Rei Dom João VI, nada menos de 15 mil pessoas? Pois bem: o historiador Nireu Cavalcanti demonstrou em O Rio de Janeiro Setecentista (publicado em 2004), a absoluta impossibilidade de toda essa multidão ter deixado Lisboa às carreiras para vir se aboletar no Rio e da noite para o dia desalojar um quarto da população da cidade, à época estimada em não mais de 60 mil habitantes: onde foram parar, indaga Nireu (que é também arquiteto), os 15 mil atingidos pelo célebre P.R. iniciais de Principe Regente que o povão logo interpretou como Ponha-se na Rua? Evaporaram, dissolveram-se no ar? Calculou além do mais Nireu, levando em conta a limitada capacidade de acomodação dos navios da época, de em média 80 passageiros fora a tripulação, que teriam sido necessárias cerca de 200 embarcações para transportar de Portugal para o Brasil aquelas 15 mil pessoas. E descobriu enfim, após consultar a relação de navios aportados ao Rio de Janeiro procedentes de Lisboa entre 1808 e 1809, que arribaram à cidade não mais de 444 pessoas, das quais 60 eram membros da família real e da alta nobreza lusitana. Assim, a fragata Minerva trouxe 78 passageiros, o bergantim Voador 39 e o Lebre 40, na nau Princesa do Brasil vieram a Rainha Dona Maria, o Príncipe Regente Dom João e seus filhos, e assim por diante; quanto aos moradores despejados por conta do famigerado P. R., não teriam passado de 120.

Outro caso notável de mentira bem pregada, e por isso mesmo aceita até hoje como a mais pura das verdades, é a tal frase heroica que o almirante holandês Adriaen Pater teria proferido em 1631, ao optar por afundar com seu navio, posto a pique na batalha naval dos Abrolhos:

– O oceano é o único túmulo digno de um almirante batavo.

Mentira e das grossas, repetida por incontáveis estudiosos embora desmascarada já em 1629 por Alfredo de Carvalho, que revelou ter sido a tal frase inventada por Frei Giuseppe di Santa Teresa na sua Istoria delle Guerre del Regno del Brasile, de 1698. A verdade verdadeira, que nada tem de heroica, é que o almirante fez de tudo para salvar a pele – que ninguém é de ferro -, mas, depois de horas dependurado numa verga do capitânia em chamas, despencou no mar e morreu afogado. Aliás, os poetas, que sabem das coisas, chegariam à mesma conclusão, e por isso um deles, e dos maiores – Murilo Mendes -, num poema do seu divertido livro História do Brasil, deixa no ar essa pergunta certeira:

Como é que poderia                                                                                             

Aquele almirante holandês

Na atrapalhação da hora da morte

Gritar abraçado com as ondas,

E, pior, alguém ouvir:

“O oceano é a única sepultura digna de um almirante baravo?

         Não se pense porém que tais lorotas sejam exclusividade nossa: elas existiram desde sempre, desde pelo menos aquele Que grande artista o mundo vai perder, que Suetônio pôs na boca de Nero, até ao Elementar, meu caro Watson, frase que não ocorre em nenhum dos livros de Conan Doyle, inventada que foi em 1915 por um jornalista, passando pelo Tu venceste, Galileu, que o imperador romano Juliano, dito o Apóstata por ter recebido o batismo e depois abjurado o Cristianismo, supostamente exclamou ao morrer em batalha, ferido ao que se diz (outra mentira) por um soldado cristão.

Querem mais mentiras? – Baixem a cortina, a comédia terminou”, palavras pretensamente ditas no leito de morte por François Rabelais, mais tarde atribuídas também a Beethoven (como essa turma dizia coisa na hora da morte!); L´Etat c´est moi, que Luiz XIV teria dito em 1655 perante o Parlamento francês; a tantas vezes repetida Não concordo com o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de o dizer, que Voltaire jamais disse, invenção de uma sua biógrafa em livro de 1907; ou mesmo, mais perto de nós e para terminar, Esse jovem começa por onde eu termino, que, vaidosíssimo como era e cioso da própria glória, Verdi jamais endereçaria ao jovem e desconhecido Carlos Gomes.

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