LAMPEDUSA: UM MASSACRE SOB AS NOSSAS JANELAS, MAS O QUE É QUE SE PODE VERDADEIRAMENTE FAZER? Por BONIFACE MUSAVULI

Selecção, tradução e nota introdutória de Júlio Marques Mota

(conclusão)

Lidar com todos os problemas do mundo?

Gostaríamos que ela fosse capaz, ao ouvir os gritos de socorro das Associações de Apoio aos Náufragos, a cólera de populações do Sul da Itália, os gritos de desespero dos náufragos, os discursos voluntaristas dos dirigentes políticos que se reivindicam da corrente «humanista». Mas é necessário que nos questionemos como é que podem enfrentar este problema.

Porque se os europeus fossem capazes de resolver estas crises pela raiz e evitar o desastre sucessivamente repetido dos naufrágios eles tornar-se-iam, e justamente, culpados pela omissão ou indiferença para retomar a acusação formulada pelo Papa Francisco  durante uma visita aos migrantes, precisamente na ilha de Lampedusa, em 8 de Julho último.

Indiferença? Pois bem, falemos dela.. A indiferença do quem, verdadeiramente? Dos cidadãos europeus? Dos dirigentes europeus? Dos dirigentes dos países de origem? Um amplo debate.

A política dos seus meios

Na realidade e é isto o que há de mais desesperante na história, parece que só as acções caso a caso e as soluções de curto prazo são possíveis, dado o estado actual da capacidade política e económica da Europa e dada a disponibilidade das opiniões europeias. As soluções a longo prazo não são realistas, pois elas implicam que se associem os países de origem… Grande programa!

Em África, trata-se, por exemplo, de Estados que estão eles próprios em perigo (Somália, Mali,…) e cujos líderes apelam à comunidade internacional para que os ajudem para não caírem, no plano institucional. E quando esses Estados não estão em muito má situação (incapacidade política de governar, ditaduras, corrupção, decadência das instituições), eles estão nas mãos de líderes para quem o êxodo de seu povo é um ‘não-tema’ ou alternativamente é um “bom desembaraço”. E, tanto mais quanto  os exilados, depois de instalados na Europa ou América enviarão dinheiro para as suas famílias no país… É impossível encarar uma solução indo no sentido da gestão colectiva dos fluxos migratórios com dirigentes como estes.

Fazer aquilo que se pode fazer

A partir daí, só resta à Europa, a região de destino destes migrantes, ter que se encarregar deste problema com as soluções que ela pode mobilizar. Soluções que não podem ser, razoavelmente, senão soluções pontuais e de curto prazo. No entanto, estas devem se centrar sobre os valores que a Europa sempre defendeu. Por exemplo, não se deixa os seres humanos morrerem sobre barcos humanos em perigo de naufrágio  como o fizeram as forças da NATO em Maio de 2011 durante a campanha da Líbia. Os militares pura e simplesmente deixaram “morrer” cerca de sessenta dos migrantes, cujo barco se estava a afundar no mar Mediterrâneo. Os socorros devem ser sistemáticos.

Podemos-nos, além disso, esforçar por discutir as propostas mais recentes na Europa. Uma ideia surgiu desde o naufrágio. A ministra italiana da integração Cécile Karan apela para a introdução de “corredores humanitários para tornar essas travessias mais seguras”. Uma ideia cheia de humanismo, mas que corre o risco de não ser aceite

Os traficantes que operam nas costas do Magreb não irão nunca entrar com os seus barcos nesses “corredores humanitários” que naturalmente serão monitorizados pela guarda costeira europeia. Também há que pensar nas opiniões de europeus que não suportam a ideia de «uma grande avenida marítima» aberta aos imigrantes ilegais. A opinião pública europeia é já contra a ideia de imigração regular. Os partidos políticos hostis a todas as formas de imigração estão em clara progressão de umas eleições para as outras, desde o fim dos Trinta Gloriosos anos de crescimento.

Tudo isso sugere que no estado actual das coisas, o velho continente não é capaz de dar uma solução duradoura para a tragédia dos migrantes. À parte a obrigação moral e jurídica de socorrer os náufragos e de examinar humanamente os seus pedidos de asilo ou de residência, vê-se mal o que, na verdade, poderá a Europa fazer  hoje nesta tragédia que são os actuais fluxos migratórios.

Boniface MUSAVULI, Lampedusa: Une hécatombe sous nos fenêtres, mais que peut-on vraiment faire ?, Um texto disponível em : www.agoravox.fr

MUSAVULI, Jurista, auditor e militante dos Direitos do Homem.

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