O GOVERNO DE OBAMA ESTÁ PARALISADO E À BEIRA DE UMA SITUAÇÃO DE INCUMPRIMENTO – Por JÚLIO MARQUES MOTA

Primeira Parte

O governo de Obama está paralisado e à beira de uma situação de incumprimento. Estamos a falar da maior economia do mundo e por isso podemos dizer que estamos à beira de uma crise económica possivelmente mais violenta ainda que a disparada em 2008, mas agora claramente por maldade de um conjunto de rufias, os eleitos pela Tea Party, que até tornam prisioneiros na sua própria loucura as principais personalidades do Great Old Party, o Partido Republicano, agora um partido bem pequeno na sua capacidade de construção da América e bem grande na sua capacidade de a destruir. O governo,  prisioneiro do tecto da dívida,  centenas de milhares de homens, mulheres e crianças sem subsídios, milhares e milhares de desempregados a ficaram sem o seu ordenado mensal, tudo isto, para dar força aos mercados e levar a que os ricos não paguem mais impostos e continuem com as benesses que lhes  foram dados por Bush. E os mercados financeiros possivelmente à espera. Mas a força de uns, a rendimento dado, significa agora e sempre,  a fraqueza dos outros, quando não estamos perante mecanismos de cooperação mas sim de luta de classes, como é o caso actualmente.

Curiosamente o drama dos Estados Unidos é o mesmo que na Europa com a diferença de que nos Estados Unidos existe um Presidente, demasiado conciliador face a uma direita sem escrúpulos, mas que agora talvez tenha despertado, porque essa mesma direita queria destruir o que está feito e que ainda resta das promessas de Obama, o Obamacare, o sistema de saúde e de segurança social em que é ele que esteve na sua base e do princípio até ao fim, à aprovação.

Lá como cá, o problema de fundo é o mesmo, os défices elevados, a dívida elevada. Em período de crise Obama quis sempre uma política expansionista, os republicanos, liderados no fundo por um bando de rufias pretende políticas contraccionistas e com a defesa acérrima dos grandes rendimentos. No fundo, são os dados do problema europeu. Lá como cá, a caça aos direitos de quem trabalha ou já trabalhou não para, lá como cá, a caça ao direito à saúde também não para, lá como cá a caça  aos direitos de apoios na velhice não param, lá como cá, a extensão do período de vida activa não para igualmente, lá como cá,  a caça aos bolsos dos pequenos rendimentos não param e pelas múltiplas vias admissíveis pelas leis criadas para esse efeito, legalizando-se assim o roubo pelo governo, lá como cá,  o único princípio a salvaguardar é a defesa dos mais ricos mesmo que para isso até a Constituição possa ser pisada. Obama  anteriormente foi obrigado a ceder em não aumentar a tributação sobre os mais ricos em troca da manutenção do subsídio de desemprego aos desempregados de longa duração, e agora a direita pretende como moeda de troca para a cedência do tecto da dívida a eliminação do programa Obamacare e com a condição de não mexer nos mais ricos! Não é pois on tecto  que está em discussão. Aqui faz-se a mesma coisa mas de forma ligeiramente diferente. Inventou-se a TSU que significa roubar aos trabalhadores para dar aos patrões. E isto era para ser feito e com o apoio da Troika. Ora, na Troika está o FMI e o curioso é que, num documento saído na mesma altura, os peritos do FMI punham em questão a operacionalidade e a eficácia da dita TSU! Porém como agora com os multiplicadores, uma coisa são os estudos feitos pelos teóricos do FMI, uma outra coisa é o que o FMI faz ou impõe que os governos façam. Contudo, o povo na rua não a deixou passar. Mas Passos Coelho voltou à carga de forma diferente: aumentou o IRS sobre a maioria das famílias e agora prepara-se para baixar o IRC para as empresas. A TSU aplicada de uma forma, mas a TSU, sempre!

Na América e na Europa a luta que se trava hoje é exactamente a mesma, a dos povos contra as oligarquias, com a diferença de que nos Estados Unidos há um Presidente que quer estar ao lado do seu povo, enquanto que na Europa nem líder há e se o há, está então ao serviço de interesses claramente não declarados, não escrutinados. Claramente não.

Em 2010 sobre a Europa e a América e num trabalho de conjunto, publicado pela revista brasileira Indicadores Económicos, escrevemos :

Nestes últimos anos, de toda a política económica social europeia tem resultado uma desconstrução sucessiva do Estado-Providência. A situação a que se está a assistir será, talvez, o ataque mais profundo que a este esteja a ser feito. Até agora, a concorrência promovida entre os Estados-membros, que se iniciou já com a realização do mercado único europeu, a existência de paraísos fiscais, que são factores determinantes na diminuição de receitas possíveis dos estados, a EEE, a Estratégia de Lisboa, tinham feito já o seu caminho nesse sentido. Mas nunca se evidenciou como agora a soberania absoluta dos mercados, dos mercados financeiros em detrimento da política pública, do nível de vida dos cidadãos, de grandes projectos nacionais de matriz económica e social. Deixa-se, assim, que a União Europeia e os Estados-membros fiquem presos nas malhas tecidas por esses mercados, como se se tornassem simples activos financeiros dos especuladores. Os governos parecem ser agentes operacionais da mais violenta apropriação legal do excedente económico criado de que se tem memória. Desloca-se o conflito da repartição do rendimento para um outro de consequências sociais muito mais nefastas, o conflito entre quem trabalha por conta de outrem e os investidores modernos, o capital financeiro.

É uma clara inversão de papéis: em vez de serem os governos a regular os mercados, como seria obrigação em regimes democráticos, são antes os mercados que regulam os governos, impondo-lhes as regras do que deve ser feito em política económica e social, em nome do pagamento da dívida soberana e de acordo com os seus interesses. Enfim, é a própria democracia que está a ser posta em causa, com o silêncio dos responsáveis europeus.

Se, no passado, se tivesse lançado um programa de médio e de longo prazo, de alterações estruturais no tecido produtivo, que garantisse o crescimento económico capaz de manter de forma sustentada uma política orçamental expansionista, se não se tivesse direccionado a política apenas para um objectivo nominal, se se tivesse promovido uma regulação capaz do sistema financeiro, a inversão de papéis não existiria provavelmente. Mas, tendo sido o que foi, ganham os mercados financeiros, perde a Europa, agora e a prazo[1].

Mas será só na Europa que existe essa forma de ver o Estado e a política económica? Nos Estados Unidos, um conjunto de instituições e programas conduz uma forte campanha contra a política económica de expansão do Presidente Obama, e são todos eles defensores da austeridade orçamental. O discurso dessas instituições pode ser resumido por um excerto dos seus textos, onde se afirma:

“Do ponto de vista financeiro, os Estados Unidos têm de convencer os mercados financeiros que estão a ser sérios quando dizem que vão diminuir o ratio da dívida relativamente ao PIB. Os mercados globais aceitam mais provavelmente um plano se o objectivo tiver credibilidade internacional. O objectivo limite de 60% é agora um padrão internacional. Na União Europeia, sob as exigências do Tratado de Maastricht (ou da União Europeia) e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, os Estados-membros devem satisfazer a taxa de referência de 60% da dívida pública e de 3% do défice público relativamente ao PIB. Da mesma maneira, o FMI considera 60% como um objectivo de referência. Dados os riscos significativos de um valor elevado para a dívida, um objectivo menos agressivo pode ser insuficiente para acalmar os mercados (Peterson-Pew Commission on Budget Reform, 2009, p. 15).”[2]

(continua)

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[1] Como sublinhou recentemente Lionel Stoleru, antigo Secretário de Estado para a Indústria em França, os problemas da Europa e da América vêm mais da China do que da Grécia, o que, nesse contexto, significa que vêm mais da economia real do que da economia financeira. Curiosamente, a crise da dívida soberana grega, cujos contornos têm a sua própria especificidade, mas que resultam eles também do modelo da economia global, aqui levado ao seu limite, criou a oportunidade à China para instalar literalmente uma porta de entrada para a Europa. Com efeito, a China Ocean Shipping (Cosco), depois de ter comprado uma parte do porto de Pireu (o porto principal da Grécia) em 2009, quer agora comprar os portos de Tessalônica, Kavala e Alexandroupolis, no norte do País.

[2] Júlio Mota, Luís Lopes, Margarida Antunes,   A economia global e a crise da dívida soberana na União Europeia: a situação de Portugal e Espanha, Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 38, n. 2, p. 83-98, 2010.

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