MARIA LAMAS – UMA PORTUGUESA NO SÉCULO XX por João Machado

Imagem1 (4)Maria Lamas, nascida Maria da Conceição Vassalo e Silva, nasceu em 1893, e faleceu em 1983. É das raras pessoas que poderia dizer que dedicou a sua vida a uma causa e viu as transformações na sociedade obtidas a partir das lutas por essa mesma causa, tendo delas sido uma participante activa e destacada. Para se ter uma ideia do que foram essas mudanças, tenha-se em conta que em 1900, o analfabetismo feminino em Portugal rondava os 85 %, e em 1930 era de quase 75%, enquanto a taxa conjunta na mesma data era de 68 %. Em 1956, o decreto-lei n.º 40.964, de 31 de Dezembro de 1956, alargou a obrigatoriedade do ensino escolar até à 4.ª classe, só para o sexo masculino, situação degradante que só foi corrigida anos depois. Mas hoje em dia há mais mulheres que homens a frequentar o ensino superior. Quanto aos direitos políticos, a igualdade dos sexos só foi alcançada em Portugal após o 25 de Abril de 1974. Segundo vários testemunhos, Maria Lamas festejou esta data com grande alegria, pois sentiu que estava a ver os frutos do seu trabalho.

Oriunda de uma família instruída, Maria Lamas teve educação religiosa, mas nunca enveredou pelo misticismo.

Maria Lamas por Júlio Pomar – 1952 “Digitalização do prospecto cedida pelo MNR” Cota: Arquivo Gráfico - G1/ 45/ Cx. 17

                                       Maria Lamas, por Júlio Pomar, 1952

                                         “Digitalização de um prospecto cedido pelo MNR”

                                             Cota Arquivo Gráfico – G1/45/Cx.17

 Mulher assumida, casou pela primeira vez aos dezoito anos, o primeiro casamento civil em Torres Novas, sua terra natal. Aos vinte e um já tinha os seus escritos publicados na imprensa regional. Aos trinta anos, em 1923, já tinha casado pela segunda vez, era mãe de três filhas, trabalhava para ganhar a sua vida e a dos seus, e conseguira publicar o seu primeiro livro, Humildes, um livro de poesias dedicado às suas filhas. Começou entretanto a trabalhar no Século, onde se manteve até 1947, altura em que foi obrigada a optar entre o seu trabalho bem remunerado à frente da revista Modas & Bordados e a direcção do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, após a realização na Sociedade Nacional de Belas Artes da exposição Livros Escritos por Mulheres. O Governo Civil, após proibir esta exposição, em que figuravam três mil livros de mil e quatrocentas autoras de todo o mundo, encerrou o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas. No ano seguinte sai o primeiro fascículo de As Mulheres do meu País, a obra mais relevante de Maria Lamas, em termos de contributo para o conhecimento da condição das mulheres portuguesas. Apoia então a candidatura de Norton de Matos à Presidência da República, proferindo durante a campanha um discurso denunciando a política do Estado Novo no que respeitava a protecção da mulher e da família. No ano seguinte sofre a primeira de várias prisões. Os anos seguintes são de exílio e de luta, até ao 25 de Abril. Correu o mundo, pugnando pelos direitos das mulheres e pela paz, já depois dos sessenta anos, sem medo e incansável.

Maria Lamas sabia que os problemas que afectam as mulheres, também afectam os homens, mas numa escala muito maior. Enfrentou a desigualdade, não só na sociedade em abstracto, mas também na sua vivência pessoal. Poderia ter ocupado posições de relevo dentro do regime político vigente até ao 25 de Abril de 1974, mas afastou-se dele decididamente, quando se apercebeu da barreira intransponível de preconceitos e de princípios retrógrados a obstruir o caminho do progresso e da igualdade, e que a subjugação da mulher era uma das pedras fundamentais da ideologia do Estado Novo. Em 1934 foi condecorada com a ordem de Santiago da Espada pelo então Presidente da República, Óscar Carmona, por mérito cultural na acção em prol das mulheres. Em 1936 adere à Associação Feminina Portuguesa para a Paz e ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, onde fica responsável do sector de educação. Assim se pode confirmar como o seu valor era reconhecido pelos vários quadrantes da vida portuguesa, tanto pelo poder instituído, como por organizações que a ele se opunham, e que por isso acabaram por ele dissolvidas.

Maria Lamas foi escritora, jornalista, tradutora, e sobretudo activista e cidadã a tempo inteiro. Foi mulher e mãe. Como Maria Archer, Sara Beirão, Elina Guimarães, Maria Veleda, Adelaide Cabete e outras, lutou contra a opressão, pelas mulheres, pela família, pelas crianças, e pelos homens também. Mas a luta das mulheres continua, apesar de todos os avanços verificados. Com certeza que se Maria Lamas ainda estivesse connosco, não estaria nada contente com o presente social e político, mas que iria para a frente novamente. Também por isso, devemos recordá-la.

 

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