Manuel fez um sinal para o empregado de mesa que veio tomar nota dos pedidos. Um chocolate quente para Cecília, uma água tónica para António, um uísque novo e sem gelo para o pianista.
– Vejo que se têm adaptado bem à vida de Porto Santo…
– Pior vai ser readaptar-nos à vida de Lisboa – gracejou Cecília – Manuel sorriu:
– É verdade, isto é muito calmo – e acrescentou voltando-se para António – quando não há crimes. O Alfredo telefonou-me há coisa de uma hora – tinha registada uma chamada vossa, mas tinha o telemóvel desligado, pois estava a dar uma aula. Tentou ligar-vos…
– Pois foi, deixámos os telemóveis no quarto…
– Pediu para ligarem, seja a que horas for.
– Logo que chegarmos ao quarto, ligaremos.
Cecília perguntou:
– Conhece o Alfredo há muito tempo?
– Vai para 40 anos – e logo acrescentou – Conhecemo-nos em Moçambique.
– Na tropa? – perguntou António.
– Ele na tropa, alferes médico; eu era civil – e esclareceu – não sou português. Ele, eu, o Francisco Costa e a Maria, formávamos um grupo…
– Os três mosqueteiros… disse António.
Manuel pareceu surpreendido:
– O Alfredo contou-lhe?
António fez um sorriso que podia ser tomado por uma aquiescência e lançou outra carta:
– Há crimes que não podem ficar impunes…
Era a frase com que Alfredo começara a conversa no «hospital». Conversa que Arnaldo interrompera e que, apesar das tentativas de António, o médico nunca quisera reatar. Manuel, ainda com um ar de surpresa a pairar no rosto, respondeu, quase murmurando:
– É verdade. Há crimes que não podem ficar impunes…