Novas Viagens na Minha Terra – Série II – Capítulo 134 – por Manuela Degerine

Áurea mediania

Caminho lentamente, bastante inquieta, bastante indecisa, avaliando a opção, não me sinto cansada, é certo, por haver dormido nove horas, por percorrer a etapa lentamente, por hoje pouco atentar no caminho… (Será que apenas os quilómetros gravados na consciência cansam?) Almoço à beira de um riacho, posso retornar ao albergue. Avanço? Recuo?

O sol ilumina os verdes e os amarelos. Embora a companhia de Pieter e Angelika me seja muito simpática, aprecio igualmente os chilreios, a brisa nos arbustos, os reflexos na água… A massa, que me soube ontem superlativamente, não menos me agrada neste poiso verde. Qual as trutas na ribeira, os melros nas sebes: faço aqui parte da paisagem. Quando estou em Paris, quando estou em Lisboa, sinto a falta deste jardim inventado para sustento dos corpos mas não só, pois a arte de bem trabalhar não admite um rego torto ou uma árvore mal podada: associa o bom e o belo. Os romanos eram sensíveis à paisagem – vêmo-lo nos frescos de Pompeia; os portugueses do século XVI igualmente – lêmo-lo em Camões. Hoje admiramos as serras, as pedras, as praias, os vulcões, as falésias, uma natureza áspera que eles não valorizavam, em contrapartida o ideal de “aurea mediocritas”, que tanto seduziu os latinos como os poetas do Renascimento, poderá ainda servir-nos… De outra maneira. Saturámo-nos das cidades, sua poluição, seus arrumadores de carros, seu solitário andar por entre a gente e, onde quer que estejamos, a Internet põe-nos no centro do mundo, poderemos inventar outra maneira de estar no campo, uma casa, uma horta, um pomar, uma estante, um computador, a família, os vizinhos, a caminhada… De imediato a imaginação me queima o bucolismo num incêndio; os leitores não liguem. Ou liguem e vigiem e combatam e organizem-se. A atribuição de um subsídio complementar aos que cultivam e limpam os terrenos, como o proprietário que cortava as árvores invasoras, deverá ser a retribuição do Estado pelo bem coletivo a que chamamos “paisagem”; e a diminuição dos fogos compensará a despesa.

Abílio Taurino, o meu bom professor do Liceu Nacional de Queluz, traduzia a expressão horaciana através de um oxímoro: a “áurea mediania”. Descobri na Internet outra tradução – “mediania sensata” – mas mantenho-me fiel ao oxímoro; a estética é o sal da nossa vida.

Quarto dia de caminhada, talvez o da tendinite… Ou do lumbago. Ou de ambos os males. Não estarei a repetir os erros do ano passado?

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