A ESTUPIDEZ É UM CÃO FIEL – 61 – por Sérgio Madeira

imagem163[1]Capítulo sessenta e um

 

Quando entraram na sala que o hotel cedeu para a reunião, Alfredo Nunes que, sentado, lia o jornal, ergueu-se, cumprimentou todos e abraçou efusivamente Norberto, «Parece que a nossa missão está a chegar ao fim», dissera. «Parece que sim, mosqueteiro», respondera Norberto com uma gargalhada rouca.

António e Cecília estavam verdadeiramente surpreendidos com a presença do médico. António deu voz à curiosidade:

– Então não tinhas de estar em Lisboa? – Alfredo sorriu:

– Pois tinha. Mas quando fui daqui, o avião fez escala no Funchal e apareceu o inspector Ramos a convocar-me para esta reunião.

O inspector, quando todos se sentaram, tomou a palavra:

– Agradeço a vossa presença e esclareço que não convoquei a reunião. Segundo julgo saber, o Ministério dos Negócios Estrangeiros recebeu da Embaixada da República de Moçambique em Lisboa o pedido de serem concedidos meios ao professor Norberto de Sousa, da Universidade Eduardo Mondlane, para conduzir uma investigação, digamos, histórica. Excluindo o senhor tenente Paulo Fragoso, as senhoras, os Drs .Alfredo Nunes e António Amaral, podem sair quando quiserem, embora lhes peça em meu nome e em nome do professor Sousa o favor de ficarem.

Alfredo quis quebrar o tom frio em que a reunião estava a começar. Piscou o olho a António, mas dirigiu-se ao inspector e a Norberto;

– Fico com todo o gosto. Aliás, só perdia esta reunião se me pusessem na rua. Vou beber um café. – e para António – e tu, ó pseudo cardíaco, também podes beber.

E encheu as chávenas que lhe foram sendo estendidas. António resolveu colaborar no desanuviamento:

– Parece que vamos ter um desfecho à Agatha Christie, embora não estejamos num barco ou num comboio…

– Nem eu sou Hercule Poirot.… Ramos sorria, olhando de soslaio para António – houve já quem me comparasse a um agente da PIDE…

– Não estamos num barco nem num comboio, mas uma ilha é um espaço isolado…

Paulo Fragoso  falou num tom cortante:

– Já que sou o único que estou aqui, com carácter oficial, agradeço que terminem com as referências literárias e comecem a reunião.

Ramos abandonou o sorriso:

– Tem toda a razão. Vou passar a palavra ao professor Sousa.

O tenente ergueu o braço:

– Posso pedir um esclarecimento?

– Faça o favor.

– Por que se impõe ao comandante da Capitania do Porto, a presença numa reunião relacionada com uma investigação histórica da Universidade Eduardo Mondlane?

Norberto ia a falar, mas Ramos antecipou-se:

– O senhor não está aqui na qualidade de comandante da Capitania…

– Então…

– O senhor está por ser o filho do inspector Câncio, da PIDE/DGS – e perante  tenente pálido e visivelmente nervoso – disse para os outros . O nome completo do nosso tenente é Paulo Miguel Fragoso Câncio.

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