PENSAR DIFERENTE, IMPACTOS HUMANITÁRIOS DA CRISE ECONÓMICA NA EUROPA – UM RELATÓRIO DA CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL E DO CRESCENTE VERMELHO (EXCERTOS).

Selecção, tradução, organização e introdução por Júlio Marques Mota

IFRC-logo

Pensar diferente, impactos humanitários da crise económica na Europa

Um relatório da Cruz Vermelha Internacional e do Crescente Vermelho (excertos)

PARTE III
(CONTINUAÇÃO)

Donativos individuais e voluntariado

O quadro de financiamento é uma mistura de muitas fontes de financiamento. Algumas das organizações nacionais da Cruz Vermelha nos países mais gravemente atingidos conseguiram obter mais fundos de entidades privadas e do sector empresarial do que elas o tinham conseguido anteriormente, especialmente em países com uma tradição de angariação de fundos, doações individuais e parcerias empresariais. Outras entidades relatam-nos exactamente o inverso. Da mesma forma, a imagem geral é mista em termos de sentido de solidariedade na sociedade e de aumento/diminuição do número de voluntários.

As pessoas mais afectadas são aquelas que já são pobres: os reformados, os deficientes, as pessoas que vivem na base do Estado social .

Cruz Vermelha da Roménia

Para além dos «trabalhadores pobres» e dos idosos com pequenas pensões, temos registado um novo grupo de pessoas em situação de necessidade: trabalhadores que não receberam os seus salários durante meses e meses . Cruz Vermelha da Eslovénia.

A crise parece estar a reduzir o nível de solidariedade no seio da sociedade.

Cruz vermelha da Áustria

 

75 por cento das pessoas pedido por auxílio alimentar fazem-no porque de outra maneira não poderiam pagar o aluguer da casa.

Cruz Vermelha da França

  

Primeira grande tendência: Os pobres a ficarem cada vez mais pobres

Principais conclusões

1.A crise aumentou o número de pessoas que vivem na pobreza.

2.O fosso entre ricos e pobres está a aumentar.

3.Há mais pessoas a pedir ajuda alimentar, bem como outros tipos de assistência.

4.O impacto humanitário da crise está a ser sentido bem além de qualquer retoma económica que se venha a verificar.

Há cinco anos, teria sido inimaginável; tantos milhões de europeus em filas de espera a pedir alimentos em cozinhas de sopa para os pobres, a receberem pacotes de comida em casa ou a serem indicados como pessoas com direito a compras com enormes descontos (lojas onde eles podem comprar alimentos a preços muito reduzidos após terem sido encaminhados pelas autoridades sociais). Pessoas outrora pertentes à classe média moram agora em reboques, roulottes, em barracas, nas estações do caminho-de-ferro ou nos abrigos para os sem-abrigo, hesitando em ir à Cruz Vermelha e ao Crescente Vermelho ou a outras organizações pedir ajuda.

Quando as pessoas pedem ajuda, é muitas vezes como um último recurso. Elas estão a pedir comida ou medicamentos ou dinheiro para pagar os serviços públicos ou o aluguer de casa para não serem despejadas das suas casas. Milhões são afectadas pela pior crise desde há seis décadas; uma crise que tem visto as pessoas estarem a perder os seus empregos e as casas, e isto quando elas nunca tenham imaginado que alguma vez uma tal situação lhes poderia acontecer; uma crise que fez com que os pobres fiquem ainda mais pobres. ‘Crise’ era suposto significar dificuldades temporárias, um solavanco na estrada da vida e que iria, em breve, passar. Quem teria imaginado que isso duraria tanto tempo e que iria afectar tantas pessoas e em tão grande profundidade ? Actualmente existem mais de 18 milhões as pessoas que receberam ajuda alimentar financiada pela UE, 43 milhões que não recebem o suficiente para comer todos os dias e 120 milhões em risco de pobreza no conjunto dos países abrangidos pelo Eurostat. E enquanto isso, ainda esperamos que a crise vá acabar em breve, quando para muitos a crise apenas começou. Ou está ainda prestes a começar.

Reduzir para metade a pobreza global até 2015 era um dos principais objectivos do ambicioso programa das Nações Unidas (ONU) para o desenvolvimento (Millennium Development Goals (MDGs). A definição de pobreza da ONU é estar-se a viver com em menos de 1,25 dólares por dia, e esse objectivo já foi alcançado em 2010.

Na maioria dos países europeus, no entanto, a pobreza é definida como sendo a situação em que pessoa vive com menos de 60 por cento do rendimento mediano nacional em termos de agregado familiar. Usando esta medida, a pobreza está então generalizada na Europa. Dos 52 países incluídos no exercício de mapear a situação de crise e que foi realizado pela IFRC, 34 registam números de dois dígitos, como sendo a proporção de pessoas pobres nos seus países, enquanto 9 países não tem dispõem de nenhuns dados para publicar.

E a situação continua a piorar …

A agência de estatísticas da União Europeia (UE), Eurostat, publicou dados sobre a quantidade de pessoas em risco de pobreza ou de exclusão social. Em 2011, um quarto da população da UE estava em situação de risco de pobreza, tendo aumentado em 6 milhões desde 2009 para 120 milhões no total. Enquanto outros continentes com sucesso reduzem a pobreza, a Europa [com sucesso] aumenta-a…

Quase metade da população da Bulgária estava em risco em 2011. Dezassete países da UE registam mais de um quinto da sua população como sendo pobres ou excluídos. Isto inclui quase um terço da população do mais recente novo Estado-membro, a Croácia.

Apenas sete dos países da UE registam uma percentagem que é decrescente, embora seja de decrescimento muito modesto. A Roménia apresentou uma redução de 2.8 por cento mas ainda tem 40,3 por cento de sua população em risco.

Surpreendentemente, nenhum dos países mais frequentemente associados com a crise – Espanha, Itália e Grécia – estão entre os cinco primeiros de entre aqueles com a maior população em risco de pobreza.

A distância social está a crescer

A pobreza está a aumentar na França, Roménia, Espanha, Suécia e em muitos outros países, conforme relatam as organizações nacionais da Cruz vermelha e da Sociedade do Crescente Vermelho, através do exercício de levantamento da situação efectuado pela IFRC no início 2013. Não só há mais pessoas a cair na situação de pobreza, mas com os pobres estão a ficar ainda mais pobres, e a sensação é de que a distância entre os ricos e os pobres tem estado a crescer . Isto significa que a “distância social” como necessária a percorrer para subir e alcançar o modo de vida havido antes da crise rebentar tem estado a crescer…

Estamos a tentar ajustarmo-nos à nova situação, mas é extremamente difícil encontrar financiamento .

Cruz Vermelha da Croácia

 cruz vermelha II

Esta distância social, combinada com os novos grupos de pobres que estão a aparecer, tem estimulado a metade das organizações nacionais da Cruz Vermelha da Europa a aumentarem as suas actividades sociais ou mesmo a começarem outras. Outras entidades da Cruz Vermelha estão em diálogo com as autoridades e parceiros sobre o que podem e devem fazer.

Mesmo as entidades da Cruz Vermelha tradicionalmente fortes e em países não severamente afectados pela crise estão a adaptarem-se, a mudarem. Por exemplo, a Cruz Vermelha Dinamarquesa está actualmente a administrar bolsas individuais de um fundo social e a Cruz Vermelha de Luxemburgo está a gerir e a utilizar compras sociais e igualmente está a considerar a melhor forma de responder ao crescente desemprego juvenil.

(continua)

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Para ler a Parte II deste trabalho de Júlio Marques Mota sobre o relatório da IFRC, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2014/01/06/pensar-diferente-impactos-humanitarios-da-crise-economica-na-europa-um-relatorio-da-cruz-vermelha-internacional-e-do-crescente-vermelho-excertos/

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