CONTOS & CRÓNICAS – Ele há coisas…!!! – por Adão Cruz

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Quem se tenha dado ao trabalho de ir lendo as historietas que por aqui se escrevem, lembrar-se-á, porventura, da Geraldina, a moça roliça que morreu de amores pelo Isabelino.

Pouco tempo depois da sua morte, a mãe apareceu no café, o mesmo café da loura descaída dos anos e do corpo, o café em que a vida do Isabelino se fez tragédia, como foi relatado, chorando amargamente a perda da filha. Mas depois levou sumiço e nunca mais apareceu.Imagem1

Apareceu ontem, sete semanas depois, com alguns quilos a menos. Meia a sorrir, meia a chorar, tinha os olhos mais papudos e pisados, sempre molhados, reflectindo amargura e tristeza.

Até a velha Torre dos Clérigos, espetada num céu de chumbo, parecia mais escura e mais cansada da sua erecta posição de séculos.

– Ela gostava muito de subir lá acima, quando fazia anos. Dizia que dali via o futuro. Que Deus a tenha em descanso.

A mãe da Geraldina falava com a Tininha da Cantareira, a quem contava que andava na módialse. A módialse é uma coisa triste, mas nem tudo é mau, pois já tinha perdido peso e estava muito melhor das barizas. Tinha as pernas mais lisinhas.

E em surdina, lá foi dizendo à Tininha que havia um bruxo que não era bem bruxo, ali para os lados de Campanhã, que era capaz de a pôr a falar com a sua filhinha. Falar… falar… , não era bem falar como as pessoas falam, era um falar assim a modos que por sinais, por meio de uns trupos numa mesa, que só ele entendia e depois dizia de maneira a gente perceber. Dizem que é spritismo.

A Tininha estava de boca aberta, mas disse que já ouvira falar nesse bruxo, e mais, disse que a Fatinha lhe dissera que essas falas com o além só se podiam fazer com mortos que não foram atopsiados.

– Qual atopsa qual carapuça. A minha filhinha nunca foi atopsiada, pois o mal dela não era mal de corpo, era mal de amor, e os males que não são do corpo não são atopsiados.

– Isso é verdade.

– Só há uma coisa Tininha, que me faz cá uma comichão dos diabos! É que a Lurdinhas, a que mora ali nos Caldeireiros, também já falou com a mãe, que morreu na páscoa do ano passado, mas ficou chateada porque lhe pereceu tudo uma aldrabice. Diz ela que não entendeu patavina daquela lenga-lenga e só gastou dinheiro. Houve, no entanto, uma coisa que a impressionou muito! Foi quando o spritista lhe disse que a mãe lhe pedira umas papas de sarrabulho. Ela agarrou-me os braços com toda a força e cravou-me os olhos arregalados: – Porra!!! A minha mãe era louca por papas de sarrabulho, mulher…!!! Ele há coisas…!!!

Ilustração – Reprodução de quadro de Adão Cruz

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