ESTUDANTES DE ECONOMIA PEDEM UM NOVO CURRICULUM, MAIS ADEQUADO À REALIDADE, MAS AINDA É APENAS LÁ FORA – UMA REPORTAGEM DE HELENA OLIVEIRA.

Selecção de Júlio Marques Mota

Estudantes de economia pedem um novo curriculum, mais adequado à realidade, mas ainda é apenas lá fora… 6 dez 13

Reportagem é de Helena Oliveira, publicada no Jornal de Negócios, 22-11-2013.

Ver também: http://www.ver.pt/conteudos/verArtigo.aspx?id=1763&a=Responsabilidade

Com a devida vénia a Helena Oliveira, Portal Ver e Jornal de Negócios
Parte I

Protesto nas universidades por um outro ensino da economia

Até aqui, poderia ser chamada como uma “revolução silenciosa”. Um pouco por todo o mundo, grupos de estudantes de economia estão a organizar-se e a erguer a sua voz exigindo uma reforma nos programas curriculares da disciplina. Questionando a hegemonia da teoria neoclássica, a excessiva utilização dos modelos matemáticos e a desconexão entre “economia” e questões económicas reais, os estudantes em causa, apoiados por um número crescente de académicos e economistas de referência, divisaram estratégias variadas de ação e estão a começar a atingir sucessos reais. Depois de manifestos, movimentos e conferências, os media começaram a cobrir este grito de reforma e já há muita gente que o escuta, regista as suas frustrações e se prepara para agir. O Portal português VER conta a história de uma nova “Nova Economia” que, finalmente, parece estar a dar os primeiros passos em muitas instituições de ensino de referência.

 “Se desejam enforcar alguém por causa da crise, enforquem-me a mim, e aos meus colegas economistas”. A frase, indubitavelmente surpreendente, foi proferida por uma economista e acadêmica de Cambridge, Victoria Bateman, e deixou profundamente incomodados os demais acadêmicos e economistas reunidos, no final do mês de outubro, numa conferência que teve lugar em Downing College, Cambridge, a propósito da crise econômica.

No seu novo livro, Never Let a Serious Crisis Go to Waste, o economista norte-americano Philip Mirowsky conta a história de um colega seu, professor na Universidade de Notre Dame, ao qual foi pedido, pelos seus alunos, que fizesse um debate sobre a crise financeira. Dado que corria o ano de 2009 e o mundo financeiro estava a colapsar aos olhos de todos, os alunos pensaram que este seria um excelente tema para ser debatido na aula de macroeconomia. A resposta do professor: “Os estudantes foram laconicamente informados que o tema não constava do conteúdo programático da disciplina, nem era mencionado na bibliografia afixada e que, por isso, o professor não pretendia divergir da lição que estava planeada. E foi o que fez”.

Num artigo publicado no The New York Times, e também em 2009, o laureado com o Nobel da Economia e também professor em Princeton, Paul Krugman, escrevia: “tal como eu a vejo, a profissão de economista sofreu um profundo desaire porque os economistas, enquanto grupo, confundiram a beleza e a sofisticação da matemática com a verdade”.

O que têm estas três histórias em comum? À primeira vista, uma recusa em acreditar que o mundo mudou, que as lições decorrentes da crise financeira não foram debatidas, ou estudadas, e que a economia continua a ser uma disciplina que ignora as evidências empíricas que contradizem as teorias mainstream que, até agora, fazem parte dos seus conteúdos pragmáticos.

E é contra esta recusa cega e teimosamente persistente que muitos estudantes de economia, de diversas universidades e de vários cantos do mundo, se estão a organizar em movimentos estudantis, a angariar apoio acadêmico no geral, e de muitos economistas de renome em particular, e a publicar manifestos nos quais exigem que o estudo da economia reflita o mundo pós-Grande Recessão e que os modelos que sustentam a disciplina sejam mais pluralistas e menos dogmáticos.

Contra o autismo econômico

A 6 de abril último, um grupo de estudantes da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), uma das mais reconhecidas instituição de ensino de ciências sociais em França, realizou uma assembleia geral para discutir alternativas à ortodoxia corrente que caracteriza o ensino da economia no século XXI. Em setembro do ano passado, mais de 400 estudantes alemães participaram num “evento de alternativa pluralista” organizado pela Associação Econômica Alemã, com o objetivo de debaterem, num fórum organizado para o efeito, ideias econômicas fora do âmbito mainstream. Em finais de junho do corrente ano, estudantes, acadêmicos, profissionais e cidadãos juntaram-se em Londres para repensar a economia e o seu ensino enquanto disciplina na denominada Rethinking Economics Conference.

Estes são apenas alguns dos exemplos que, através de iniciativas aparentemente separadas, se estão a transformar num movimento global de estudantes – e também de professores – cujo objetivo principal é alterar a forma como se olha para a economia enquanto disciplina e enquanto ciência, não exata, mas antes plural e “humana”.

O início deste movimento teve lugar em França, no já longínquo ano 2000, quando ainda não se sonhava com o escândalo da Enron e, muito menos, com o pesadelo de Wall Street e as sequelas que se lhe seguiram e que afetaram o mundo financeiro e econômico global como o conhecíamos. Na altura, um grupo de estudantes franceses publicou um manifesto no qual exigiam o fim “do autismo no ensino da economia” enquanto disciplina.

Em particular, os estudantes criticavam a utilização “descontrolada” da matemática no ensino da economia, como se a primeira fosse “um fim em si mesma”, o fracasso do seu envolvimento com a economia real, o dogmatismo reinante e a inexistência de um pluralismo intelectual no ensino da disciplina em causa, o qual não deixava espaço algum para o pensamento crítico em geral e para abordagens alternativas à economia em particular. Na altura, o manifesto estudantil deu rapidamente origem a uma petição por parte dos professores de economia franceses, que apoiavam o conteúdo do mesmo, o que acabou por ter um eco substancial não só na imprensa como também ao nível político, tendo sido instituído, pelo então ministro da Cultura francês, um comité para investigar as “queixas” levadas a cabo por estudantes e professores.

Treze anos passados e as questões colocadas por este grupo de estudantes continuam por resolver. Mas e apesar do rótulo da necessidade de uma “economia pós-autismo” ter desaparecido, os movimentos de estudantes estão em crescendo, multiplicando-se as iniciativas, bem como as vozes concordantes que clamam por uma nova abordagem da economia. Como se pode ler na página do movimento Rethinking Economy, os estudantes alemães que participaram no evento acima referido vêem agora a sua “alternativa” a ser replicada em várias universidades alemãs, numa rede intitulada Rede Alemã para uma Economia Plural, o mesmo acontecendo com estudantes no Canadá ou no Chile.

O reputado Institute of New Economic Thinking , sedeado em Nova Iorque, lançou a Young Scholars Initiative que “apoia a nova geração de pensadores da nova economia” e, na mesma linha, a World Economics Association – que reúne mais de 12 mil economistas de todo o mundo – fundou também a Young Economists Network.

Mais recentemente, a Universidade de Manchester lançou a The Post-Crash Economics Society, colocando online uma petição para alterar os conteúdos programáticos com base num manifesto que, entre outras coisas, sublinha a ideia que a economia é muito mais que crescimento e PIB e que a expansão do pensamento econômico é vital para os líderes do futuro. Numa carta aberta publicada pelo jornal britânico The Guardian, os membros desta “sociedade” têm vindo a ganhar uma visibilidade crescente ao longo deste mês de Novembro – com uma excelente ajuda por parte do próprio jornal – depois de um conjunto de acadêmicos ter enviado também uma carta ao mesmo na qual “afirmam compreender a frustração dos jovens com a forma como a economia é ensinada na maioria das instituições no Reino Unido”.

Para este conjunto de professores, que fazem parte do Post Keynesian Economics Study Group, a economia contemporânea continua a ser moldada pela abordagem neoclássica [em que a ciência econômica é vista como “pura”, identificando-se com o mercado, ou concorrência, em particular sobre a forma de concorrência perfeita, em que os sujeitos econômicos agem racionalmente em termos de maximizadores ou minimizadores de qualquer coisa, sejam utilidades, lucros, custos, etc. e são dotados de idêntico poder]. Para estes acadêmicos, esta abordagem tem apenas em consideração os “microfundamentos” que se baseiam nos indivíduos racionais e egoístas em detrimento de uma qualquer plausibilidade empírica. “Este compromisso dogmático contrasta significativamente com a abertura do ensino em outras ciências sociais as quais, de forma rotineira, apresentam paradigmas concorrentes”, escrevem, acrescentando que “os estudantes podem hoje terminar a sua licenciatura em economia sem nunca terem sido expostos às teorias de Keynes, Marx ou Minsky e sem nunca terem ouvido falar da Grande Depressão”.

Ou, em suma, e regressando às questões pioneiras levantadas pelos estudantes franceses em 2000, o cenário parece não ter mudado: o ensino da economia continua a ser dogmático e “estreito”, os modelos matemáticos continuam a estar no seu centro, os humanos são tratados como se de máquinas calculadoras se tratassem e a maioria dos acadêmicos continua a ter muito pouco a dizer sobre os acontecimentos que vão caracterizando a economia real. Mais importante ainda é o facto de a crise financeira e econômica de 2008 ter demonstrado, de forma dolorosa, que os modelos macroeconômicos ortodoxos são manifestamente inadequados e que a economia mainstream não ajudou os economistas a prever a crise nem permite, tal como está, que se evitem recessões intermináveis.

(continua)

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