Entre um referendo e outro (1988 e 2007) chamamos a atenção para alguns acontecimentos que vieram alteração o pensamento da opinião pública. Focar-nos-emos numa série de julgamentos de mulheres acusadas de terem feito abortos e de técnicos acusados de as terem ajudado e no caso do “Borndiep”.
O primeiro foi em 2001, em Maia, com o julgamento de dezassete mulheres. Pessoas de profissões consideradas “menores”, costureiras, recepcionistas, domésticas, cozinheiras, empregadas de balcão e outras mesmo desempregadas. De comum, as carências económicas.
Estas acusações trouxeram as suas vidas a público, com invasão da privacidade. Paradoxalmente, quem teve a força de se manter calado, – 15 das 17 mulheres – acabou por ser absolvido. Condenados: uma enfermeira – oito anos e meio de prisão; um assistente social; duas das acusadas, uma a quatro meses de prisão, a outra devido ao “crime” ter sido tinha prescrito não foi penalizada.
Dois anos depois, foi a vez de, no tribunal de Aveiro, sete mulheres serem acusadas de terem praticado aborto. Mas com uma particularidade, um “requinte”- os familiares que as acompanharam no acto do aborto foram considerados “cúmplices”! Desta vez , todos as pessoas envolvidas foram absolvidas.
Logo no ano seguinte, em 2004, foi a vez de a justiça de Setúbal, ajustar contas num caso que tinha ocorrido em 1999. Aqui, uma enfermeira tinha sido apanhada em “flagrante deleito”, assim como duas jovem, uma trabalhadora rural dos arredores de Setúbal. Acabaram absolvidas, mas o caso continuar com processo relativo à parteira.
No mesmo ano, em Lisboa, foi a vez de ter que se apresentar a tribunal uma jovem de 18 anos, desempregada, a viver com a mãe numa barraca na Quinta das Lajes, um subúrbio da Brandoa. Qual o crime? Ingestão de um medicamento para o estômago que se dizia ter efeitos abortivos. As hemorragias que lhe causaram obrigaram-na a ter que recorrer ao Hospital Amadora Sintra. E desta vez, não foi a solidariedade que a salvou, mas a denúncia de um enfermeiro. Mas, por outro lado um magistrado do Ministério Público pediu a absolvição, tendo-a uma juíza ilibado. E porquê? Porque não havia prova de que os comprimidos tinham sido ingeridos com o fim de abortar!
Estes julgamentos tornaram claro que a criminalização das mulheres que decidiram interromper uma gravidez que não desejavam não era uma situação possível no novo milénio, num país da União Europeia. Um abaixo assinado, que atingiu 120 mil assinaturas em todo o país, pedindo um novo referendo acabou por ficar na gaveta, devido a acordo pré-eleitoral entre o PSD e CDS/PP – que, na altura, detinham a maioria na Assembleia da República, em que se comprometiam a não alterar a lei do aborto até ao fim da legislatura, em 2006.
À porta do tribunal, outras mulheres mostraram às que estavam sob a mira dos média e da justiça, que não estavam sós.