CONTOS & CRÓNICAS – “Maria Inês ” – um conto de Margarida Ruivaco

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No alto do seu metro e dezasseis, a cabecinha não parava de dar esticões: era preciso descobrir o modo certo de o fazer. Tinha de ser audaz, rápida, e esperar pelo momento exacto.

De certo modo, a mistura de heresia e sacrilégio, e o risco de proscrição e anátema, quatro palavras cujo significado desconhece, mas que tolheriam pensamentos e movimentos a muito boa gente, afiguravam-se como a mistura explosiva, que lhe abriria a porta.

Seria o crime dos crimes, um pecado de todo o tamanho. Um crime e um pecado juntos, eram muito piores que uma maldade.

Esperou pelo minuto em que ninguém estivesse por perto, aproximou-se do altar, a pequena capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que de tempos a tempos a vizinha lá ia deixar a casa, fechou-lhe a porta, apagou a vela, e virou-a para a parede. Deixou Nossa Senhora às escuras, de castigo, junto à parede fria, no seu manto azul estrelado, com o Menino ao colo, na companhia das flores de plástico. Rodou o ferrolho, para que a portinha não abrisse, nem uma nesga.

De coração a bater, voltou para o sofá, e descontraiu, numa maratona de Phineas e Ferb.

Depois contou à irmã, precisaria de alguém que lhe atestasse o  feito. Garantindo, assim entrada e liderança automática do clube.

A avó entrou em casa, com o cesto da roupa acabada de apanhar, olhou para a arca de madeira, abanou a cabeça, e pouco depois repôs a situação.

E se a desbocada não tivesse contado à avó, como retaliação numa disputa, ainda hoje a senhora estaria a pensar como é que se podia ter esquecido de compor e alumiar o altar, ficando por  salvar, sabe-se lá quantas, as almas do purgatório, durante o tempo aquilo  assim esteve.

O estafermo da garota, de seis anos, safou-se, pela ousadia. O clube dos Reguilas ganhou mais um membro. O reinado foi breve, porque contaram à mãe, e ela cortou-lhe as vazas…

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