Selecção, tradução, organização e introdução por Júlio Marques Mota
Pensar diferente, impactos humanitários da crise económica na Europa
Um relatório da Cruz Vermelha Internacional e do Crescente Vermelho (excertos)
PARTE IX
(CONTINUAÇÃO)
…
Terceira Tendência:
A redução do papel dos sistemas nacionais de saúde – os cortes podem vir a saírem bem caros
“Como é que a crise económica afectou as necessidades na acção humanitária no seu país?”
Foi uma das perguntas feitas aquando do levantamento das respostas das diferentes organizações nacionais da Cruz Vermelha à crise económica europeia e que foi realizado no início de 2013. Na Grécia, a Cruz Vermelha afirma:
A actual crise económica teve um sério impacto na saúde pública, uma vez que está ligada à desnutrição e às condições de vida insalubres, ao aumento do desemprego, à depressão, ao aumento das taxas de suicídios, aos problemas de saúde para as crianças e para os adolescentes, à violência, à toxicodependência, aos problemas ambientais e muitas vezes à inacessibilidade às Instituições de saúde e de ajuda social . O aumento significativo dos níveis de pobreza e exclusão social, a redução dos Orçamentos sociais e a transferência da responsabilidade pela saúde e prestação de assistência social do Estado para as organizações privadas, comunidades e famílias, levantou dificuldades enormes para se poder lidar com as novas circunstâncias.”
A crise da saúde na Grécia tem sido bem documentada como uma das consequências não intencionais das medidas de austeridade e dos cortes orçamentais. Aos pacientes é-lhes pedido que paguem em dinheiro os medicamentos e eles devem trazer as suas próprias seringas quando são admitidos num hospital público. Por outro lado, o sistema de saúde pública, que está parcialmente disfuncional,0 tornou-se inacessível para muitos cidadãos gregos.
Mais da metade dos desempregados gregos já não têm seguro de saúde, e muitos estão agora a serem apoiados por organizações e por grupos de médicos ‘underground’ apropriadamente chamados de Robim dos Bosques ‘Robin Hood’, sentindo-se o imperativo humanitário para fazer alguma coisa e ajudar os outros.
De acordo com o Ministério da Saúde, as taxas de suicídio na Grécia têm crescido dramaticamente e à volta de 40 por cento entre Janeiro e Maio de 2011 em comparação ao mesmo período em 2010, em que se verificou uma subida de cinquenta por cento. As taxas de suicídio entre as mulheres mais que dobraram. Antes da crise, a Grécia era um país com excepcionalmente poucas pessoas a dar cabo das suas vidas e ainda há muito estigma ligado com isso nos sectores ortodoxos da sociedade, o que significa que é provável que haja um número de suicídios a mais e que não é declarado. Dado que podem haver situações de 15 – 20 tentativas como acontece em muitos suicídios reais, o número de pessoas a gritar por ajuda é alarmante.
Muitos dos países europeus afectados pela crise também têm também tido um aumento no número de suicídios e de tentativas de suicídio, desde 2008, após um longo período em que estas taxas estiveram em franca diminuição. Este é um sinal claro de que o número de pessoas que sofrem de depressão e de outros problemas de saúde mental também está em forte ascensão.
Várias organizações nacionais da Cruz Vermelha dizem-nos que eles têm assistido a um aumento drástico de apoio psicossocial em pessoas que dele necessitam, além de que estas pessoas têm muita dificuldade em lidar com a crise. Surgem problemas de súbita mudança na situação de vida, de dignidade, de exclusão social e em que se está perante um sentimento de fracasso ou incerteza – um dos piores e mais difíceis estados psicológicos para que um ser humano se possa ser enquanto tal encontrar- como, por exemplo, quando não podemos imaginar sequer o que nos pode vir a acontecer imediatamente a seguir ou ainda quando não somos capazes de saber como podemos influenciar e mudar a nossa situação.
Os filhos da recessão
O Centro de apoio psicossocial da IFRC tem estado a ajudar um largo número de organizações nacionais da Cruz Vermelha e das sociedades do Crescente Vermelho, fornecendo kits de treino e formação sobre apoio psicossocial e aconselhamento das pessoas. O apoio psicossocial da Cruz Vermelha de cada país é fornecido através do contacto diário com as pessoas afectadas, durante a distribuição de alimentos, nas compras sociais, nos centros sociais e através de clínicas e centros de saúde.
O Instituto Nacional de saúde e Previdência da Finlândia (Finnish National Institute for Health and Welfare) acompanhou de forma sistemática ao longo do tempo as crianças finlandesas desde o momento em que nasceram em 1987 até os 21 anos em 2008. Estes são referidos como sendo os ‘filhos de recessão’ por causa da grave crise económica que a Finlândia atravessou na década de 1990.
De acordo com o estudo, uma em cada cinco crianças receberam tratamento psiquiátrico ou consumiram fármacos para tratar transtornos mentais, ansiedade ou comportamentos anormais. Eles também têm também mostrado sintomas retardados da angústia dos pais a fazerem face à queda da economia finlandesa há já vinte anos.
O estudo revela que certos factores negativos – a falta de ensino assim como problemas de saúde mental ou de desemprego – transportam um risco elevado de ser transmitidos de pais para filhos quando as famílias passam por extremas dificuldades na vida.
A recessão na década de 90 na Finlândia foi tratada através de medidas rigorosas de austeridade. A explosão de desemprego e o facto de se tornando disfuncionais os orçamentos familiares vieram a colidir com um conjunto de profundos cortes nos serviços públicos de base . O que está a acontecer hoje em alguns dos países europeus espelha bem a abordagem aplicada pela Finlândia para sair da crise económica na época.
A juventude parece ser mais dividida e há um fenómeno inquietante que é o de estarmos perante um número crescente de jovens com dificuldades para conseguirem alcançar uma formação para além da de base ou o emprego depois de terminarem a sua formação de base. Cruz Vermelha finlandesa |
(continua)
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Para ler a parte VIII deste trabalho sobre o relatório da IFRC, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
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