RETRATOS COM HISTÓRIAS – JOSÉ CARDOSO PIRES – POR EDUARDO GAGEIRO

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José Cardoso Pires, 1984. “É uma fotografia de intimidade. Éramos grandes amigos”.

José Cardoso Pires cruzou-se muitas vezes comigo e tive numerosas ocasiões para o conhecer pessoalmente. Comíamos muitas vezes no mesmo restaurante – O Polícia – e até passei um mês de Agosto no mesmo edifício na Caparica – o Meia Proa – eu aluguei um apartamento e Cardoso Pires, segundo julgo saber, era proprietário de outro. Durante esse mês de Agosto de 1984, muitas vezes subimos juntos no elevador. Eu estava num andar mais abaixo. Parecia baldar-se à praia, tal como eu fazia muitas vezes, mas não parávamos no mesmo café. Às vezes, olhava com curiosidade evidente para os molhos de provas que eu sobraçava. Não sei se a foto de Eduardo Gageiro foi feita no Meia Proa – o ano coincide, o mês talvez não. E esta história que estou a contar e que parece nada ter de complicada, esconde uma daas ingratidões que mais me envergonham. Em 1968 fui preso sob  a acusação de abuso de liberdade de imprensa – como se pudesse abusar de algo que não existia! Menos castigado do que fora na prisão anterior, estive muito mais tempo encarcerado. O meu “abuso” fora um livro de poemas – A Voz e o Sangue – publicado em 1967. Quando saiu a 2ª edição, a PIDE apreendeu o livro e apreendeu-me a mim. Pois o José Cardoso Pires, meu consócio na extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, enviou-me, salvo erro, cinco dos seus livros na elegante edição da Arcádia. Belíssimas dedicatórias, datadas de Maio – estava eu ainda em Caxias, de onde só saí em Agosto. Os livros do José Cardoso Pires, misturados com o prazer do regresso à prisioneira liberdade desses tempos, foram das grandes alegrias que tive nesse mês em que Salazar teve o consabido acidente… Pois, não sendo de uma grande timidez, sempre que se me ofereceu o ensejo de lhe agradecer, arranjei uma desculpa para adiar. A última vez que o vi, foi no fim do Verão de 1998. Estava ele sozinho numa mesa de O Polícia. Eu estava num almoço de trabalho e essa foi a desculpa. Acabara de ler o seu De Profundis, Valsa Lenta, admirável testemunho do AVC que sofrera em 1997. Em Outubro de 1998, pouco depois do tal almoço, um novo AVC levou-o. Não precisei de mais desculpas para uma indesculpável ingratidão. (CL)

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