EDITORIAL – Trair a Pátria? O que é e de quem é a Pátria?

Imagem2«A Pátria é a terra onde se criam os nossos pais, os galos e os nossos irmãos. A Pátria é uma terra enorme e tem lá muitas igrejas, capelinhas e tabernas e vive lá muita gente como na serra da Estrela. Eu nunca fui à Pátria». Este era, nos anos 60, um conceito de Pátria expresso numa redacção de uma criança, um aluno da «instrução primária», os quatro anos de ensino obrigatório que vigoravam na pátria de Salazar. Interpretação infantil, que exprime a dificuldade que os professores tinham para explicar e definir de forma clara o conceito de Pátria. No seu Dicionário Etimológico José Pedro Machado define o substantivo como oriundo do latim Patria – o país natal, o solo natal. Num artigo de O Dia, Miguel Torga diz: uma pátria é o espaço telúrico e moral, cultural e afectivo, onde cada natural se cumpre humana e civicamente. Só nele a sua respiração é plena, o seu instinto sossega, a sua inteligência fulgura, o seu passado tem sentido e o seu presente tem futuro.

Parece estar prestes a subir à cena política um caso que remonta ao período da Guerra Colonial e da ditadura corporativista de Salazar e Caetano – em Janeiro de 2011, quando Manuel Alegre se candidatou à presidência da República, o semanário O Diabo publicou um artigo (da autoria de Miguel Teixeira) em que, designando o candidato como «desertor» lhe atribuía o desiderato expresso na candidatura de ser o chefe supremo das Forças Armadas. Também no âmbito da campanha, um tenente-coronel da Força Aérea, na reserva, escreveu em blogues monárquicos que Manuel Alegre ajudou objectivamente as forças de guerrilha que nos territórios coloniais emboscavam as tropas portuguesas – o que configurava um crime de «traição à pátria».

Manuel Alegre, através do seu advogado, levanta um processo por difamação. Entramos num labirinto de conceitos do qual não é fácil sair. A Pátria e os seus interesses são respeitados quando um grupo, uma oligarquia, tomam de assalto o poder? Ou seja, quando bandos que não visam proteger o povo, mas sim defender interesses privados, atingem e dominam os poderes instituídos, lutar contra essa gente significa trair a pátria? Formalmente, a resposta é sim. Patrioticamente, a resposta é não. Juridicamente, a resposta depende de um pormenor – de quem está no poder – traidores ou patriotas.

Talvez no decurso deste processo se ventile o tema de um homem que foi fiel à pátria salazarista – um presidente da República que, ao que tudo indica (por motivos académicos) foi colaborador da PIDE.

2 Comments

  1. A verdade é que o Alegre nunca desertou. Foi posto fora do Exercito por razões de perseguição política quando, ainda, estava em Angola. O editorial não devia precipitar-se sem ter falado com quem conhece os factos.CLV

  2. Caro Leça da Veiga, em parte alguma do editorial se diz que Manuel Alegre desertou. Eis o que dizemos: «em Janeiro de 2011, quando Manuel Alegre se candidatou à presidência da República, o semanário O Diabo publicou um artigo (da autoria de Miguel Teixeira) em que, designando o candidato como «desertor» lhe atribuía o desiderato expresso na candidatura de ser o chefe supremo das Forças Armadas». Esse esclarecimento, que agradecemos, reforça a razão de Manuel Alegre, mas o que o levou a instaurar o processo terá sido a insinuação de «traição à pátria» por auxílio às forças de libertação. Não pretendemos esgotar o tema – apenas questionar o conceito de «Pátria».

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