Saltam as rolhas do caro champagne em Lisboa porque a crise acabou, disparam-se os primeiros tiros de bazuca a partir dos mercados financeiros porque a crise se intensificou
Júlio Marques Mota
Parte I
Estes malandros que são os especuladores à vista, ou seja, a descoberto (short selling), voltam a ter o descaramento de colocarem questões críticas e embaraçosas sobre o projecto europeu. Desta vez o ataque vem de Nova Iorque, vem do fundo Tortus Capital (um Hedge fund), ou seja, um fundo altamente especulativo e que diz ter um “plano” para reabilitar Portugal, no actual contexto da crise, com uma União Europeia afundada na recessão pelas políticas de austeridade que não quer dispensar a este nem à escala europeia.
Mas antes da reabilitação de Portugal, contudo, tem que haver aceitação, e Tortus está “numa posição a descoberto quanto a determinados “títulos soberanos portugueses” porque não pensa que a situação seja sustentável e possivelmente deve ter feito vendas massivas sobre títulos da dívida portuguesa.
Não obstante, o Hedge fund — dirigido por David Salanic, um antigo aluno da legalista Fir Tree que provaram a sua “esperteza” acerca de anteriores aspectos da crise europeia, — pensa que a melhor opção para o caso em questão é a participação do sector privado (PSI) através de uma troca de dívida, ou seja, a melhor solução é a de os credores assumirem a perda de uma parte dos seus créditos [ diz-se ainda bail-in] trocando títulos antigos por títulos novos de menor valor, sendo a diferença a depreciação da dívida, a tesourada como agora se fala.
Mas antes de chegarmos ao “tratamento médico” é necessário fazer-se o diagnóstico quanto á doença de que supõe estar a sofrer . No entanto, o texto de Tortus de largas dezenas de páginas, Powerpoint a Powerpoint, expressa esse mesmo diagnóstico. A carga da dívida portuguesa cifra-se em 128% do PIB (ou 147% se estivermos a incluir a dívida das empresas estatais, das parcerias público-privadas, etc.) e tem vindo a crescer com as políticas de austeridade. Esta é pois excessiva e financiada pelo exterior. Portugal, diz Tortus, não pode nem liquidar a sua dívida nem desvalorizá-la. Mas na nossa opinião o texto falha exactamente aqui em não analisar a estreita relação entre os défices públicos e os défices na balança corrente. Por aqui se veria que as responsabilidades são múltiplas, pois estes dois duplos défices representam exactamente que Portugal, por culpa própria e analogamente pela União Europeia, falhou a sua inserção no mercado único europeu. Esta é uma questão que o texto não analisa, porque o seu objectivo não é esse. Há apenas uma referência simbólica, a bandeira da China, como veremos abaixo. O texto interessa-se sobretudo por uma análise financeira, servindo-se desta para dar uma resposta à crise, porque o seu interesse é procurar desestabilizar os mercados, procurando criar um rumor, mas para isso exige-se que o texto seja sério. E é um texto sério, genericamente. Um rumor credível, é o que ele pretende instalar. E é pena, porque pela análise do texto feita de uma outra maneira e com os mesmos gráficos, torna-se visível a monstruosidade da situação europeia, torna-se uma monstruosidade maior ainda a cegueira dos nossos dirigentes, nacionais e regionais, em quererem prosseguir com a mesma política absurda: a austeridade absurda e à escala europeia.
De acordo com a Figura I, Portugal tem uma dívida global (sector público e privado), altamente financiado pelo exterior, pelos estrangeiros…
Figura I – Divida Pública e Privada de Portugal e da Zona Euro
A dívida do sector público e privado (sociedades não financeiras e famílias) da economia portuguesa tem aumentado significativamente mais rápido do que na zona euro. Note-se que Portugal está agora cerca de 50% mais endividado do que a zona euro.
Figura II – Posição Liquida de Investimento Internacional (PIB) de alguns países da zona euro
Na Figura II observa-se que:
• A economia portuguesa depara-se de uma forma anormalmente grave, endividada face ao exterior;
• A posição desta em termos de investimento líquido internacional é a pior na área Euro (em -120% do PIB);
Já na Figura III, verifica-se que com um excedente da balança corrente em 2013 de 0,9% do PIB, levar-se-ia 128 anos para a economia voltar à posição de equilíbrio. Quando ao crescimento, via imediata para a solução da crise, os desenvolvimentos prendem-se por:
• A economia registou em 4 dos últimos 6 anos taxas de crescimento real negativas;
• Na esfera do crescimento económico, este tem sido mais baixo comparativamente ao dos Estados Unidos na fase em que se encontrava mergulhado na Grande Depressão e até relativamente ao crescimento económico do Japão durante a década perdida.
Figura III – Crescimento Real
Vejamos assente na visualização da Figura IV a solução da resolução da dívida pela inflação:
Figura IV – Inflação
• As forças deflacionistas são o resultado dos esforços feitos dos sectores público e privado no seu processo de desalavancagem
• As taxas de inflação têm sido muito baixas e deve-se, ainda neste caso, ter em conta os crescentes aumentos dos impostos.
Abstraiamo-nos por momentos da esfera do Hedge fund o olhemos para os dados de agora mesmo sobre as taxas de inflação publicados pela União europeia. E isto porquê? Porque contrariamente ao que nos é dito pelo o nosso Hedge fund, as tendências deflacionistas não estão presentes apenas em Portugal. O último flash do Eurostat sobre o assunto diz-nos:
“ A inflação anual na zona euro deverá ser de 0,8% em Dezembro de 2013, abaixo de 0,9% em Novembro, de acordo com um flash de estimativa da Eurostat, o serviço de estatísticas da União Europeia.
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