PENSAR DIFERENTE, IMPACTOS HUMANITÁRIOS DA CRISE ECONÓMICA NA EUROPA – UM RELATÓRIO DA CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL E DO CRESCENTE VERMELHO (EXCERTOS).

Selecção, tradução, organização e introdução por Júlio Marques Mota

IFRC-logo

Pensar diferente, impactos humanitários da crise económica na Europa

Um relatório da Cruz Vermelha Internacional e do Crescente Vermelho (excertos)

PARTE XIII
(CONTINUAÇÃO)

Quinta grande tendência:

A dignidade no desemprego e o desespero

 Principais conclusões:

1.Todas as organizações nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho tem estado envolvidas e e de forma crescente nos programas de apoio às pessoas desempregadas.

– As potenciais consequências sociais das elevadas taxas de desemprego são uma preocupação crescente

– Algumas organizações nacionais da Cruz vermelha têm-se deparado com um grande aumento no número de voluntários para esse programa,

– alguns querem utilizar o seu tempo de forma cheia de sentido enquanto outros estão na esperança de ganhar formação própria para os ajudar a procurar um emprego.

Entre todas as histórias trágicas publicadas pelos media sobre suicídios ligados à crise económica, ao desemprego e aos despejos forçados, há duas que feriram especialmente a sensibilidade das pessoas em todo o mundo. A primeira foi a de um pensionista de 77 anos de idade que disparou sobre si-próprio mesmo em frente ao Parlamento grego depois de ter escrito uma carta sobre o seu suicídio, nela afirmando que iria acabar com a sua vida de uma forma que ele próprio descrevia como digna ao invés de andar a esgaravatar nos caixotes do lixo à procura de alimentos de latas de lixo e de se tornar um fardo para os seus filhos.

A segunda foi a de um casal duma cidade costeira tradicionalmente rica em Itália que se enforcou na garagem da sua casa, deixando um bilhete a pedir perdão, por não ser capaz de enfrentar a sua nova situação de vida, uma vida sem emprego e sem dinheiro. A complicar ainda mais os seus problemas foi a notícia de que a nova lei das reformas significava que o marido teria que pagar contribuições privadas por mais cinco ou seis anos, em vez de um a dois anos para ser elegível a uma pensão de reforma – dinheiro que não tinha.

Amigos e vizinhos descrevem o casal como um casal de gente digna mas em situação desesperada. O marido não queria caridade mas sim um emprego. O irmão desta esposa também se suicidou quando soube das notícias sobre a sua irmã e o seu cunhado.

Infelizmente, há muitas mais histórias como estas. A economia italiana contraiu-se em cerca de 1 por cento do PIB no último trimestre de 2012. Entre 100.000 e 150.000 pequenas e médias empresas fecharam as suas portas desde o início da crise e as taxas de desemprego subiram. Muitas pessoas que outrora tiveram um bom e confortável estilo de vida e que estavam ansiosas pela sua passagem à reforma enfrentam agora a ruina financeira e pessoal.

O desemprego de longo prazo está a crescer

Por trás de todas estes números estão estas histórias humanas de nos partir o coração. Trata-se de pessoas que sentem ter perdido a sua dignidade quando perderam o seu emprego e que precisam de pedir ajuda; outros, são jovens que perdem a sua autoconfiança quando não conseguem depois encontrar emprego, acabar a sua formação ou o ensino escolar; outros são pessoas de meia-idade que já não podem pagar as suas hipotecas ou ajudar financeiramente as suas famílias; outros são pessoas idosas que sabem que encontrar um novo emprego depois de terem passado dos 50 ou 60 anos é tarefa quase impossível.

França: O Serviço Cívico abre novas portas

Jovens franceses, de 16 a 25 anos de idade, estão autorizados a entrarem no programa Serviço Cívico e trabalhar voluntariamente para organizações sem fins lucrativos ou para entidades públicas, independentemente dos seus graus de ensino ou de formação técnica . O Serviço Cívico já existe desde 2010 e foi estabelecido por uma lei especial.

Desde então, cerca de 42.000 jovens tem aproveitado a oportunidade e feito o seu serviço cívico com uma das 4.460 organizações envolvidas no programa. Aproximadamente 600 voluntários escolheram trabalhar com a Cruz Vermelha francesa.

A todos aqueles que tomem parte no programa é garantido pelo menos 24 horas de trabalho por semana, durante um período que varia de seis a doze meses. O serviço voluntário escolhido pode ser realizado em França ou no exterior.

Durante o tempo do seu serviço cívico cada voluntário recebe uma compensação de 571 euros por mês. Deste montante, 467 euro são pagos pelo governo francês e 106 euros a partir da organização de acolhimento. Se o indivíduo em questão estiver a enfrentar graves dificuldades sociais e financeiras, pode-lhe ser atribuído um valor adicional de 106 euros.

Os voluntários também são cobertos pela Segurança Nacional de França em caso de doença, e os seus rendimentos são integrados no seu esquema de pensão de reforma.

A Cruz Vermelha francesa incluiu o Serviço Cívico na sua estratégia de 2015. “Através de voluntariado, a Cruz Vermelha francesa oferece aos jovens uma nova forma de trabalho comunitário que se estende às áreas de interesse público,” afirma o documento. “Nós oferecemos aos jovens uma oportunidade para dedicarem uma etapa da sua vida a servir a Comunidade, de modo a poder ajudá-los para a sua integração social e profissional.”

Até agora, um total de 200 filiais regionais e locais da Cruz Vermelha francesa, juntamente com os seus serviços de cuidados de saúde e de equipamento social, implementaram um ou mais dos quatro projectos alternativos de referência criados para o efeito.

Há um conjunto de critérios para estes quatro projectos. Cada um deve produzir benefícios para a sociedade e ao mesmo tempo deve incluir um valor educativo adicional para os próprios voluntários. Os projectos devem ser orientados para a acção e permitir o contacto com o público em geral e/ou com aqueles que são apoiados através dos serviços. Todas as actividades devem ser complementares, mas sempre ligadas ao que ‘regularmente’ os voluntários e os funcionários da Cruz Vermelha francesa fazem habitualmente.

“Lembro-me de um dos nossos primeiros voluntários no Serviço Cívico, a Marjorie,”, diz Caroline Soublie, chefe do departamento de voluntariado e da juventude da Cruz Vermelha francesa. “Por acaso, ela encontrou um funcionário de um dos nossos lares de idosos, localizado na mesma rua em que ela viveu como um vagabunda, e eles discutiram a ideia de lhe oferecer uma situação de voluntária na casa. Marjorie empenhou-se na sua nova actividade de voluntária, ajudando e acompanhando os idosos na sua vida do dia a dia e começou a propor-lhes actividades culturais e recreativas. Ela também começou a descobrir novas faces de si mesma, recebendo muitas manifestações de agradecimento e sorrisos dos idosos e ela, depois disso, iniciou a sua formação na área de serviços de cuidados domiciliários.”

Após a ‘graduação’ a partir do Serviço Cívico, os voluntários da Cruz Vermelha francesa foram encorajados a entrarem nalguma forma de formação profissional ou outra.

“Até agora, a maioria dos voluntários do Serviço Cívico da Cruz Vermelha francesa têm aproveitado a oportunidade que lhes é oferecida e estão assim a ser formados ara se tornarem enfermeiras, assistentes sociais ou para empregados de infantários ” diz Lucie Bodet, coordenadora do programa na Cruz Vermelha francesa.

De acordo com a OIT, as pessoas que andam à procura de emprego consideram que é cada vez mais difícil a obtenção de emprego, dado o número limitado de postos de trabalho criados no contexto actual. Como resultado, o desemprego de longo prazo (os desempregados há de um ano) está a aumentar . A partir do terceiro trimestre de 2012, há já mais de 11 milhões de desempregados só na UE . Estes valores significam cerca de 1,3 milhões a mais que no ano anterior e 5,2 milhões de desempregados a mais do que em 2008. Os dados quase que duplicaram . Na maioria dos países da UE, mais de 40 por cento dos desempregados está sem trabalho há mais de um ano.

O desemprego não conduz automaticamente à ruína e à depressão, ao desespero, aos maus tratos, às drogas, ao álcool, à ruina, mas para a maioria das pessoas não significa apenas a perda de rendimento, mas também a perda de dignidade e de autoconfiança. Um estudo realizado por um psiquiatra, de um centro de reabilitação de drogas na Grécia mostrou que um aumento de um por cento de desemprego pode levar ao aumento do uso de drogas e de álcool e a um maior número de pessoas a sofrerem de depressão e a cometerem suicídio.

Alterações significativas nos mercados de trabalho, tendências

Embora a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho não estejam normalmente envolvidas em questões do mercado de trabalho e do emprego, as consequências sociais das elevadas taxas de desemprego são uma enorme preocupação para os indivíduos, para as comunidades e para a sociedade como um todo.

Muitas organizações nacionais da Cruz Vermelha relatam que um número crescente de desempregados as têm contactado a solicitar apoio e ajuda, até para o preenchimento de formulários para a obtenção de benefícios sociais. Outras têm estado a ter um grande aumento do número de voluntários, alguns deles a quererem aplicar o seu tempo de forma útil , outros à espera de ganharem formação ou qualificações para um emprego. Um número de organizações nacionais avançaram com diferentes tipos de projectos para ajudar os desempregados tais com consultoria ou formação, entre eles a Finlândia, França, Islândia e Espanha através dos seus centros de juventude.

As sociedades nacionais, também observaram e relatam algumas das mudanças no mercado de trabalho. Na Alemanha quase metade (45 por cento) dos novos contratos oferecidos desde 2008, são chamados ‘mini-empregos’ – ou seja, contratos a curto prazo. Considerando que os minijobs é melhor que não ter nenhum trabalho e também tem a vantagem de apresentar alguma flexibilidade, este tipo de empregos em muitas das vezes existe sem qualquer segurança social. Um quarto das pessoas que trabalham na Alemanha ganham baixos salários, e o número de trabalhadores independentes que não podem viver dos seus rendimentos está constantemente a aumentar. Em Agosto de 2012 quase 600.000 alemães com segurança social tinham de pedir subsídios adicionais e 1,33 milhões de pessoas com trabalho não ganham o suficiente para viverem dos seus próprios rendimentos. Isso está a acontecer num país que não é frequentemente associado com a crise e um dos cinco países da UE, que apresenta a sua taxa de emprego mais elevada do que antes da crise.

Noutros lugares, as taxas de desemprego estão a disparar e a atingir níveis alarmantes. Ao mesmo tempo que a IFRC estava a realizar o seu levantamento a partir das organizações nacionais da Cruz vermelha e do Crescente Vermelho no início 2013, as taxas de desemprego juvenil estavam já situadas em mais de 30 por cento. Alguns meses mais tarde estas tinham atingido valores superiores a 50 – 60 por cento em alguns países.

De acordo com a OIT, mais de 26,3 milhões dos europeus estavam desempregados em Fevereiro de 2013, ou seja 10,2 milhões a mais do que em 2008. Importante, enquanto a degradação da situação do emprego parece ter encontrado uma situação de pausa durante 2010, esta passou de novo a aumentar desde o ano passado.

A partir de Fevereiro de 2013, a taxa de desemprego da UE era de 10,9 por cento. Isso significa que continua a ser 4,1 pontos percentuais acima da taxa de pré-crise (Fevereiro de 2008). A taxa de desemprego na zona euro aumentou ainda mais rapidamente, atingindo uma alta histórica de 12 por cento em Fevereiro de 2013.

(continua)

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Para ler a parte XII deste trabalho, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá:

PENSAR DIFERENTE, IMPACTOS HUMANITÁRIOS DA CRISE ECONÓMICA NA EUROPA – UM RELATÓRIO DA CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL E DO CRESCENTE VERMELHO (EXCERTOS).

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