Introdução ao texto da IFRC (Federação Internacional das associações da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho)
Júlio Marques Mota
PARTE IV
(CONCLUSÃO)
…
Tudo isto vem a propósito desta nossa Europa e do texto da Cruz Vermelha. Neste texto da Cruz Vermelha temos ecos da mesma realidade e de um discurso tão sério como a da minha generala, imigrante russa, por acaso encontrada e conhecida numa rua de Faro há dois anos. Com um detalhe importante, a “minha generala” fala dos netos, a Maria Miteva fala à Cruz Vermelha dos seus filhos. Ambas com uma certeza, a de que o futuro deles passavava pela educação e formação que lhes conseguissem dar. Ou seja, pensam para eles o contrário do que o governo português, verdadeiro funcionário aos erviço de Bruxelas, está a impor aos nossos filhos em geral.
Com efeito o texto da Cruz Vermelha relata-nos uma situação na Bulgária. Basta transcrever:
“O meu nome é Maria Miteva Tenev-Tropolova e tenho 47 anos de idade . Eu tenho três crianças adultas de um casamento anterior. Eu casei pela segunda vez em 1993 e nós temos quatro crianças, a mais nova nascida em 2011. Tenho trabalhado como uma auxiliar de jardim de infância durante oito anos, mas eu estou actualmente em licenças de parto. Contudo quando eu puder trabalhar, limparei casas desde muito cedo, desde quase de madrugada, de modo que eu possa acabar e levar os meus filhos ao jardim de infância e à escola.
O meu marido trabalha como electricista e trabalha sempre que tenha serviço para fazer, mas nós não podemos viver sem os meus rendimentos extra.
Nós na verdade sentimos a crise durante os dois anos passados com os preços do aluguer da casa, da alimentação e do aquecimento a subiram, a subiram. Nós pagamos mensalmente cerca de 1.000 lev búlgaros (500 euros) pelo nosso aluguer e serviços públicos associados e então não nos fica nada para viver. A Cruz Vermelha búlgara ajudou-nos, e nós estamos-lhe muito gratos à directora de um dos centros sociais, que é uma mulher excepcional. Esta conseguiu arranjar-nos alguma ajuda financeira, mas deu-nos igualmente o apoio moral e psicossocial durante uma época em que o nosso filho mais novo esteve muito doente e nós não tínhamos nenhum dinheiro. Nós realmente precisávamos de alguém para conversar, estávamos a passar por um momento muito difícil.
Ivan, o nosso filho mais novo, tem agora dois anos de idade e está à espera de ir para o infantário. Nicola, que tem cinco anos de idade anda no jardim de infância, Nevena estará no segundo ano da primária e Paul estará na quarta classe no próximo ano. Os nossos filhos mais velhos saíram da Bulgária em 2010, quando a situação se agravou e o desemprego aumentou. Estão agora em Itália e completamente independentes financeiramente. Todos os meus filhos são uns bons filhos – desejados e amados.
Nós, de toda a maneira, lidamos com a situação graças a amigos que nos dão roupas para os nossos filhos e assim por diante, e eu não gosto de me andar a queixar. No entanto, se alguém nos der uma mão, nós provavelmente deixaremos a Bulgária – toda a família, todos nós o faríamos.
É o pior para as crianças. Eu quero-os a ler livros, a fazer desporto e a desenvolverem os seus talentos. Eu não espero muito e eu sei que os dias de festa e descanso são apenas um sonho distante para nós, mas faço por acreditar que não devemos privar as crianças de ler um bom livro. Deve haver mais que fazer na vida do que apenas andar a sobreviver .
Eu ensino os meus filhos a não separar as pessoas de acordo com a raça, religião ou estatutos. Eles devem acreditar no bem e devem ter uma atitude positiva para com todos. Mas é difícil para eles viver entre no meio de outras crianças que não sejam ‘socialmente fracas’. Eu tento incutir-lhes auto-confiança e explicar-lhes que mesmo se eles são socialmente fracos , isso não faz com que eles sejam diferentes ou piores que os outros.
Eu realmente gostaria que a Bulgária se tornasse um país melhor para aqui vivermos. Tudo o que precisamos é de boa saúde e de um emprego. Eu quero que os meus filhos sejam educados. Nevena desenha muito bem, ela tem talento. No entanto, não tenho a coragem de pensar sobre o futuro, porque quando eu penso e as coisas não acontecem como espero, fico decepcionada.”
A minha generala mandou os netos para a Rússia, para aprenderem como deve ser. Quer-lhes preparar o futuro, e para isso, é necessário garantir a sua devida formação. Formação cívica e técnica.
Encontramos aqui o mesmo discurso, os filhos mais novos a serem vistos do prisma da educação, da formação técnica e cívica, enquanto os mais velhos desta “nossa” búlgara estão em Itália, financeiramente independentes mas sem dinheiro para ajudar os pais e os irmãos, estão como está a mãe dos netos da minha generala russa, sem dinheiro. Se alguém lhes dar uma mãozinha, uma ajuda financeira diríamos, vão todos embora, como o meu amigo se quer agora ir embora também, se lhe derem a mãozinha de que ele precisa. E todos, numa Europa que temos, se querem ir embora para uma Europa que não temos, e vão para uma Europa afinal onde andam milhões a querer ir embora, de um lado e do outro, é só gente a somar, gente que não está bem, que quer ir fazer de tudo, concorrentes uns contra os outros, gente que quer ir embora. O exemplo de que se fala no texto da Cruz Vermelha a propósito de Itália, onde os não-italianos são mal vistos, é disto um bom exemplo. Para onde ir , afinal? Para onde deve o meu amigo emigrar para as linhas da vida voltar a encontrar? Face ao que se passa na Europa, esta é uma pergunta a que não sei responderComo se assinala no texto da Cruz Vermelha:
“Tendo de enfrentar o impacto da crise económica, muitos europeus estão actualmente a serem deixados para trás; inactivos, desempregados, dependentes, excluídos e sem quaisquer recursos”, sem nada, ou ainda:
“Como uma organização, estamos empenhados em ajudar as pessoas quer nas situações imediatas, as de curto prazo, quer nas situações de longo prazo, e estamos continuamente a rever como é que nos podemos ajustar e adaptar a nossa assistência às necessidades novas e emergentes, continuando ainda a ajudar aqueles que já estavam em necessidade antes da crise.
Ao mesmo tempo, vemos o perigo de se transformarem milhões de pessoas em destinatários passivos da ajuda; estamos empenhados em desempenhar um papel na prevenção desse fenómeno e estamos a envolver pessoas mais activamente na procura de soluções para esta situação.
Para fazer isso, em primeiro lugar precisamos de pensar de forma diferente – e então devemos actuar de forma diferente. Há uma necessidade para todos nós em examinarmos se as nossas sociedades estão adaptadas para resolver a situação presente ou então como é que nos podemos ajustar face à necessidade de implementar novas iniciativas, para implementar novas intervenções preventivas ou ainda para alcançar uma melhor cooperação assim como para criar novas abordagens, mais flexíveis e holísticas. (…)
Afim de agir de forma diferente devemos então e primeiro que tudo pensar de forma diferente. Obter melhor compreensão de como é que os indivíduos, famílias, sociedade civil e instituições se podem adaptar às realidades de hoje e reforçar a sua resiliência é uma necessidade de partida. O Governo nacional e local, as grandes empresas, incluindo o sector bancário, os cidadãos e as organizações humanitárias devem pensar em formas inovadoras para encontrar soluções viáveis, sustentáveis e de longo prazo, para se mitigarem os impactos humanitários desta crise económica.”
Se assim não for, se assim não fizermos, manter-se-á a mesma trajectória de desgraça escolhida pelas Instituições Europeias e como se assinala no texto que temos vindo a citar:
“Enquanto outros continentes com sucesso reduzem a pobreza, a Europa [com sucesso] aumenta-a.”
É de tudo isto que nos fala o texto da Cruz Vermelha cuja leitura recomendamos e garantidamente o meu amigo passa por todo ele. Seguramente verdade.
Júlio Marques Mota
______
Para ler a Parte III desta introdução de Júlio Marques Mota ao trabalho que elaborou sobre o relatório da IFRC, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
FALEMOS DE ECONOMIA, FALEMOS ENTÃO DE POLÍTICA – INTRODUÇÃO AO TEXTO DA IFRC
Para ler o trabalho propriamente dito, clique na etiqueta ifrc, e aparecerão no ecrã as 19 partes em que foi publicado, mais esta introdução, que por sua vez sairá em quatro partes.