Novas Viagens na Minha Terra – Série II – Capítulo 183 – por Manuela Degerine

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João para quê?

Um dos matosinhenses chama-se Joaquim, é filho de um Joaquim, neto de um Joaquim, mas não gosta do nome – apresenta-se como o último Quim. Encarno através de Sardinheiro o papel de António Variações. Deixa que eu te diga… Esse teu nome eu sei que não é um espanto, mas é cá dos nossos e tem muito encanto, mais do que Pedro ou Aníbal não duvides, do que nas telenovelas os heróis, do que campeões, turistas e cow-boys… (Mas não consigo convencê-lo.)

Os nomes indicam o sexo, a nacionalidade, sugerem o meio social, cultural a que pertencemos; alguns referem mesmo a nossa idade. Todas as sociedades têm marcadores – e o nome é um deles. Acompanha-nos pela vida, às vezes até nos precede… Num currículo, por exemplo.

A expressão francesa “se faire un nom” – literalmente: “criar um apelido” – significa tornar-se famoso. Ora quando o filho de um famoso se torna famoso pelos seus próprios talentos diz-se que ele conseguiu “se faire un prénom”: “criar um nome”. (Jacinto Lucas Pires é um de “filho de” que pode servir aqui de exemplo.)

Os franceses da classe média para cima escolhem nomes tradicionais, o que os distingue dos estrangeiros e dos franceses incultos, os quais se inspiram nos filmes americanos e na onomástica marciana… Chamar-se Claire, Hadrien, Julien, Thomas, Louise, Jeanne vale tanto como os resultados escolares – e quase tanto como o apelido. Em contrapartida os jovens dos bairros sociais chamam-se Jaison, Bruce, Cynthia, Meddi, Mohamed, Malika; ou carregam com a fantasia dos pais, invenções ocas, quase sempre, falsamente originais… O resultado é agora muitos Kevin – por exemplo – fazerem pedidos de mudança deste nome que lhes travará a carreira profissional.

No nosso país a classe média também se diferencia através de nomes tradicionais, se bem que recorrendo a uma onomástica muito pobre e reduzida. Para quê multiplicar João ou Catarina? Há tantos outros nomes plenos de lembranças familiares, culturais, históricas… Albano, Alzira, Bárbara, Bernardo, Celso, Celeste, Dinis, Dora, Egas, Eufémia, Félix, Florinda, Glória, Gustavo, Helena, Henrique, Ilda, Ivo, Julião, Justa, Laura, Lúcio, Marta, Macário, Nicolau, Noémia, Olgário, Olívia, Perpétua, Porfírio, Quirino, Quitéria, Raul, Rute, Sílvia, Simão, Telmo, Tomé, Ulisses, Urbano, Vasco, Vera, Xavier, Ximenes, Zeferino, Zélia…

Não lhes veio à memória um tio, um avô, uma figura, um escritor, uma personagem? Os nomes podem chegar cheios de história, pois cada indivíduo lhe acrescenta um rosto, uma voz, uma personalidade singular – José Sócrates bem o percebeu e melhor o fez. Mas também somos quem somos por termos o nome que temos… Onésimo era um santo muito vago antes de Onésimo Teotónio Almeira o reinventar, agora vem de um arquipélago com águas e nomes apaladados, coloriu-se com o azul das hortências, predispõe-nos – com um sorriso – à leitura de crónicas… E se em vez de Onésimo os pais lhe tivessem chamado João?

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