AINDA SOBRE AS PRAXES, A DOS ESTUDANTES E A DO FMI, DO BUNDESBANK E DA TROIKA IGUALMENTE – por JÚLIO MARQUES MOTA

PARTE IV
(CONCLUSÃO) 

No blog A viagem dos Argonautas publicámos o seguinte texto:

A grande golpada: FMI e Bundesbank preparam o assalto às nossas poupanças

A bela ideia do FMI : uma sobre-taxa de 10% sobre as poupanças para reduzir as dívidas públicas

O Bundesbank fala em taxar os “ricos” e, fala desta forma para não assustar as populações. O FMI, é bem mais claro, fala em taxar claramente todas as poupanças, isto toda e qualquer família dispondo de um património líquido positivo. Afinal propõe-se nada mais nada menos que a primeira versão do assalto ao Chipre e pela mão do FMI!

O facto da semana: « A Alemanha evoca uma “super-taxa ” sobre os patrimónios dasfamílias para ajudar os Estados em dificuldades financeiras”.

Os Estados da zona euro, confrontados com uma dívida pública que se tornou insuportável, deveriam eles introduzir um imposto excepcional sobre as fortunas privadas dos seus cidadãos?

No seu relatório mensal do mês de Janeiro de 2014, o Banco Central alemão, pelo seu lado, encara a hipótese de se aplicar uma “tal super-taxa”para reembolsar as dívidas dos Estados insolventes.

Assim fazendo, o Banco alemão nada mais faz que retomar uma hipótese de trabalho mencionada em Outubro passado, pelo FMI na sua Assembleia anual de 2013, ou seja, o estabelecimento de “um imposto aplicado uma só vez sobre todo o capital”. A ideia não tem nada de novo: durante os últimos dois séculos foi constantemente posta em frente após cada guerra mundial. Quando os Estados-Membros estão confrontados com uma dívida de liquidação impossível, uma tal solução torna-se pensável, “os ricos” devem expressar a sua solidariedade, enquanto a população pagou o seu “imposto de sangue”. O Japão é um exemplo real disso, no rescaldo da segunda guerra mundial, e ele foi um dos poucos países a passar da hipótese aos actos.

Risco de fuga de capitais

Na sua argumentação, o Bundesbank explica que “um desendividamento real (do Estado) através de uma taxa de inflação elevada é excluída por causa do compromisso com a estabilidade de preços no sistema euro”. Com esta facilidade sendo excluída, e em situações extremas, seria possível reduzir a dívida através de uma imposição de «tirar e sair, uma só vez», de uma vez por todas. Uma tal solução poderia prever-se apenas para “um Estado em crise e em que se teriam esgotado todas as outras possibilidades” avisa o Bundesbank, que fala da ‘situação excepcional absoluta e da ameaça de insolvabilidade”

Os seus especialistas estão perfeitamente cientes de que a operação deve ser realizada “apenas uma vez”, pois que ela teria “um alto custo político” para o governo em causa, daí ter que se intervir rapidamente, especificamente para evitar fenómenos de fuga de capitais e de evasão fiscal. Este esforço excepcional, aplicado aos aforradores privados também seria mais “credível” se em paralelo fosse acompanhado por reformas estruturais.

Evidentemente, nenhum país é referido. A referida medida refere-se apenas aos Estados em situação de tal endividamento que se tornam insolventes. Para justificar o recurso a um imposto excepcional sobre o capital privado, o Bundesbank não deixa de sublinhar que os cidadãos de países na zona euro que tenham beneficiado de ajuda internacional nos últimos anos evidenciam níveis de património financeiro e imobiliário expressivamente superior aos dos Estados que os têm ajudado!

Os «eurobonds» estão fora de hipótese

Na França, por exemplo, a riqueza das famílias totalizou 13 milhões de milhões de euros, cerca de 7 vezes o montante da dívida que é actualmente de 1,9 milhão de milhões de euros. Esta situação, pelo menos paradoxal, tinha sido realçada por um estudo realizado pelo BCE, que mostrou que, apesar da falência da ilha, os cipriotas eram ricos, inclusive, mais ricos até mesmo os alemães (…)

Aqui novamente o Bundesbank não nomeia ninguém, contentando-se em referir o estudo do BCE, onde a classificação dos países de acordo com a riqueza privada dos seus nacionais coloca a Alemanha em último lugar.

Ao mesmo tempo que sublinhava os riscos políticos de um tal imposto sobre o capital, com todos os perigos técnicos da sua aplicação, o Bundesbank pretende fazer compreender que cada Estado deve recorrer primeiramente às soluções nacionais junto dos seus próprios cidadãos, antes de apelar para a solidariedade dos seus vizinhos da zona euro. Um argumento adicional para dizer que os ‘Eurobonds’, permitindo mutualizar o financiamentodos governos nacionais, decididamente não são para agora.

O salvamento dos bancos cipriotas no início do ano passado foi seguido de um processo similar. Em 15 de Março, os dirigentes da ilha anunciaram a sua intenção de taxar os depósitos. A punção será finalmente de 47,5% para todas as contas com mais de 100.000 euros enquanto que para depósitos de menos de 100.000 euros a taxa de 6,75% foi abandonada.

Claro, esta hipótese de tributação pontual de uma só vez não é para o FMI mais do que uma reflexão. Isto não é uma proposta e, muito menos uma recomendação. A abordagem é, no entanto, muito surpreendente. Tanto mais que ela significa salvar os bancos e o sistema financeiro com o dinheiro dos aforradores sem qualquer contrapartida para os estabelecimentos que participaram, contudo, fortemente na degradação da situação económica e financeira. Neste caso, os credores não ficariam com nenhuma perda, enquanto que eles financiaram os Estados incapazes de reembolsarem a dívida a longo prazo. E antes de passar a ir à carteira dos aforradores pareceria mais lógico que os accionistas e os credores assumissem primeiramente a sua contribuição. Finalmente, as vantagens e as desvantagens desta medida devem ser comparadas com os de duas outras soluções: inflação ou a reestruturação geral das dívidas.”

Acefalia, eis o que tem sido aceitar a política a que degenera nestes resultados, nestas práticas. Mas tem sido aceite, os governos não caem e os que se propõem mudar o rumo das coisas chegam ao poder e fazem exactamente o inverso daquilo que inicialmente propunham, ou seja, submetem-se à ordem da acefalia. Uma verdadeira violência sobre todos nós. E tudo isto passa em silêncio nos nossos media, como em silêncio passam as múltiplas violências da praxe, seja em Coimbra, seja em Braga, seja no Algarve. Ou esquecem-se do que por lá se fazia ou ainda se faz? E será que a violência das propostas, por agora apenas, enunciadas pelo Bundesbank, pelo FMI, o comportamento da Troika no Chipre, em Espanha (onde é suposto não estar), em Portugal, na Irlanda (onde é suposto já ter saído), destruindo Democracias que aparecem confiscadas e submetidas a ordens não escrutinadas, impondo a violência de forma institucional sobre povos inteiros, não é ela equivalente, no plano dos princípios, à violência exercida sobre os caloiros (as praxes), o motivo que me levou a escrever este texto, com a diferença de que esta se exerce sobre nações inteiras agora espezinhadas, humilhadas, silenciadas igualmente pela precariedade instalada? Haverá mesmo diferença?

Coimbra, 4 de Fevereiro de 2014.

Júlio Marques Mota

______

Para ler a Parte III deste texto de Júlio Marques Mota, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá:

AINDA SOBRE AS PRAXES, A DOS ESTUDANTES E A DO FMI, DO BUNDESBANK E DA TROIKA IGUALMENTE – por JÚLIO MARQUES MOTA

Leave a Reply