COMO SE MATA UM PRESIDENTE -15- por José Brandão

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Em apenas três meses de actuação das novas autoridades sidonistas a repressão atinge proporções tão alarmantes que o jornal República arrisca fazer sair um editorial da autoria de António José de Almeida em que esta situação é publicamente denunciada.

Intitulava-se «Os presos políticos» e foi dado à estampa no dia 9 de Março de 1918:

«Há três meses que domina em Portugal, absoluta e olímpica, a República Nova do Sr. Sidónio Pais. O que se tem passado durante este afadigado, incerto e nevrótico consulado dava já para publicar volumes.

Actualmente, em Portugal, em matéria política contra os republicanos, não se permite a defesa. Nem sequer se julga. Nem mesmo se condena.

Prende-se ao alvedrio de quem prende, e manter-se-á a prisão perpetuamente, se for preciso, embora as penas perpétuas estejam expungidas de há muito da legislação portuguesa.

É isto maneira de governar? Não. Isto é só maneira de tudo subverter.»

É claro que bastou ao República dizer mais duas ou três gracinhas deste género para ver as suas instalações escaqueiradas por um bando de pistoleiros que assaltou a redacção, cerca da meia-noite do último domingo de Março.

Sidónio Pais tinha dito, dias antes, a 4 de Março, que, para resolver o problema da ordem pública, «o governo via-se na necessidade de pôr a sua espada e o seu revólver à cinta».

O bálsamo da concórdia, que tanto extasiara alguns devotos da nova fé sidonista, ia-se transformando, progressivamente, no perigoso veneno que aniquilava, dia a dia, a liberdade.

Roma Neto, um cronista da época, que escreveu em 1919 um pequeno trabalho com o título A Morte do Dr. Sidónio Pais e a Actual Situação Política, diz então que «os cárceres enchiam-se e as brigadas da Polícia faziam todos os dias farta colheita de indivíduos…

[…] O Governo, na previsão de sustar qualquer desacato à instituição da República Nova, ordenou buscas domiciliárias em massa a alguns quarteirões dos quatro bairros de Lisboa. Em algumas madrugadas os moradores viam-se sitiados e impossibilitados de sair de suas casas enquanto não se realizassem as devassas que eram executadas por forças do exército, guarda republicana e polícia.»

«Os ódios tomam freio nos dentes», diria igualmente Sousa Costa, «os republicanos coléricos esconjuram a asfixia que pesa sobre Portugal. Os jubilosos monárquicos celebram festas de aleluia — porque em Portugal já se respira.» (2)

Os «lacraus» e os «tachos», designações que cabiam, respectivamente, aos informadores e polícias do sidonismo e aos agentes da Polícia secreta, não paravam, na sua azáfama de atulhar as prisões, treinando-se já intensivamente para as futuras polícias do salazarismo, onde muitos deles se encontrarão mais tarde.

Era tanto o trabalho dos verdugos sidonistas que, para dar despacho a tudo, dentro dos prazos estabelecidos pela lei, o Governo teve de aumentar o tempo de prisão sem culpa formada, passando dos oito dias previstos no tempo de Afonso Costa para os sessenta dias impostos agora por Sidónio.

Aquando da sua visita ao Porto, foi feito um alarido monumental à volta de uns presos que Sidónio mandara soltar de uma prisão nortenha.

Falou-se numa espectacular libertação de muitos presos (ou, até, de todos os presos) das cadeias do Aljube e do Paço Episcopal do Porto e os louvaminhas do Presidente propagam aos sete ventos mais este feito presidencial.

Porém, será o próprio Sidónio a reduzir este acto à sua verdadeira significância ao declarar, publicamente, no jornal A Situação, de 28 de Maio de 1918, que apenas tinha concedido a liberdade a dois homens agredidos barbaramente na prisão.

No Porto, o terror era permanente, alimentado pela própria Polícia comandada por Sollari Allegro. Mesmo depois desta atitude do Presidente da República, a repressão não sofreu qualquer abrandamento, antes pelo contrário, aumentou de arrogância e de violência. Esta chegou até ao jornal sidonista A Voz Pública, que é obrigado a suspender a sua publicação por se ver ameaçado pelos caceteiros a soldo dos ultras do sidonismo.

«Os algozes mantêm a vara do mando. Os presos voltam às enxovias. Aparecem nas ruas os trauliteiros — à traulitada, a cavalo-marinho e a pau de marmeleiro, escadeirando democráticos.» Assim descrevia Sousa Costa (3) a situação vivida no Norte.

Entretanto, o segundo Governo de Sidónio começa a abanar pelos alicerces e em breve se verá abandonado por algumas das suas mais destacadas figuras.

O primeiro é o capitão Feliciano da Costa, companheiro de Sidónio desde a primeira hora e um dos seus mais influentes e dedicados colaboradores.

Feliciano da Costa não aceita a ideia da substituição dos ministros por secretários de Estado. E logo se demite do Ministério do Trabalho, não tardando a ver-se a caminho de Roma, para onde Sidónio o enviará como embaixador.

Ao mesmo tempo, no Porto, o delegado da Junta Revolucionária sidonista, Belchior de Figueiredo, declara-se contra o Governo, e Machado Santos, o eterno insatisfeito da I República, começa a pensar melhor a sua posição. Problemas originados por uma greve nos caminhos-de-ferro são o primeiro pretexto para que, no dia 14 de Junho, abandone também o Governo de Sidónio Pais.

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