Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Probabilidade e modo de gestão da próxima crise financeira
Jean-Claude Werrebrouck
Blog La crise des années 2010
27 de Janeiro de 2014
Texto enviado por Phillipe Murer a quem ficamos muito reconhecidos.
Parte I
Uma próxima crise financeira pode vir a ter o seu epicentro fora da zona euro e a sua força devastadora terá como principal teatro a zona euro. A razão é porque se trata da região mais frágil do globo. As suas consequências será claro planetárias.
Face à crise potencial, as ferramentas são inadequadas ou improváveis.
Os instrumentos criados para proteger a zona euro agravam a situação (política orçamental) [1], ou não permitem o rearranjo institucional, também desejado (MEE, LTRO, União Bancária, etc).
As transformações imaginadas são elas próprias irrealistas (emissão de dívida pública à escala de toda a zona euro ) ou com base em suposições insuficientemente robustas.
Entre estas últimas poder-se-á citar a que foi imaginada por pessoas próximas dos meios bancários [2] que propõem transferências para o sul a partir dos fundos de poupança subscritos pelos investidores no norte, principalmente alemães, com garantias do governo alemão. Trata-se de uma maneira de escapar às transferências directamente públicas e, portanto, inaceitáveis do ponto de vista alemão [3].
Este esquema não é convincente. Ele pressupõe que, na verdade, as dívidas sejam convertidas em capital produtivo, permitindo o alinhamento gradual da produtividade do Sul pelo do Norte (privatizações em melhores condições do que aquelas previstas pelas estruturas de acantonamento).
No entanto, esta hipótese corresponde também a uma satelização económica do Sul (subcontratação). Além disso, é errado imaginar que, do ponto de vista do contribuinte alemão, a exportação de capital que se seguiria iria reduzir os riscos sobre as posições no sistema Target2. Parece de facto óbvio que as posições credoras no TARGET2 iriam ser inteiramente reembolsadas pelo BCE – e até mesmo pelo Banco Central alemão – em caso de explosão da zona [4].
Também dificilmente robusta é a posição tomada pelos peritos do Instituto de Veblen [5]. Estes propõem que o BCE emita obrigações em nome da dívida de cada Estado para um máximo de 60% do PIB correspondente. Simultaneamente o mesmo BCE emitiria títulos com a finalidade de colaborar com o BEI no financiamento de um programa massivo de investimento em infra-estruturas europeias.
A priori, a ideia é interessante e deveria permitir taxas muito baixas sobre as dívidas compreendidas no limite de 60% desde que os titulares de valores mobiliários BCE beneficiassem da garantia em caso de incumprimento, o que se reconhece em qualquer Banco Central. Com isto estaríamos mais próximos do velho modo de financiamento directo dos Tesouros pelo Instituto de emissão . No entanto, não é certo que com ele não se caia na proibição legal de financiamento directo dos Estados. Além disso, é claro que as dívidas situando-se além dos 60% seriam muito mais visíveis no mercado… e obviamente muito expostas ao risco de incumprimento com o diferencial de taxa correspondente.
Nem é preciso insistir também nos 4 grandes princípios-chave identificados pelo grupo de Glienicke [6], que levam à negociação de um futuro Tratado… consumidor de tempo enquanto a crise se continua fortemente a aprofundar.
Gravidade e origem da erupção de dívidas
Porque o verdadeiro problema é o do agravamento contínuo da dívida que ainda vai continuar a aumentar, depois de 400 mil milhões de euros adicionais em 2013 e de – de acordo com várias previsões – mais 50 a 250 mil milhões de euros em 2014. Isto significa que em 2014, será necessário fazer “rolar” a dívida e sobre montantes cada vez maiores se tivermos o cuidado de retirar as receitas excepcionais das privatizações. Assim, só a Itália deve continuar a renovar uma dívida que aumentou ainda cerca de 6% do PIB somente em 2013 .. [7]
E o verdadeiro problema não é mais do que o reflexo de um outro: a crise de superprodução geral inerente à escolha de uma muito mal construída globalização. Enquanto que, num contexto de estado-nação, existe sempre uma potencial regulação para equilibrar a oferta agregada e a procura agregada (o que alguns chamaram o Regulação fordista [8]), numa globalização não concertada, em que a oferta nacional pode parcialmente dispensar uma procura nacional, dada a procura mundial a que quer responder. Como resultado, os salários pagos já não têm a vocação imperativa de alimentar a procura interna e devem antes baixar a fim de permitir que às empresas fiquem ou continuem a ficar bem colocadas na corrida para a competitividade internacional. A oferta mundial crescente de um lado e a compressão da procura por outro desenvolvem um excesso de produção à escala de todo o planeta. Como resultado, há uma diferença, que pode ser artificialmente preenchida com uma dívida crescente. Assim, podemos observar que historicamente é necessário que o crescimento da dívida seja cada vez mais forte para que haja crescimento económico e com este a ser cada vez mais modesto. Então basta pegar no caso dos ingleses que se orgulham de uma saída da crise mas deve-se notar que, em 2013, 35 mil milhões de euros de PIB suplementares foram obtidos com um défice criado de 130 mil milhões de euros.
Durante décadas, a superprodução chinesa é absorvida pela enorme dívida dos EUA, que permite, também, financiar um défice público americano que alimenta uma oferta interna ela própria excedentária relativamente aos rendimentos distribuídos. No total, a dívida pública e privada global deve crescer ao ritmo de abertura da diferença crescente entre a oferta planetária e a procura planetária . O que faz com que hoje a China tenha entrado no clube das Nações endividadas (58% do PIB só para a dívida pública) [9].
Assim, globalmente, o crescimento da dívida – pública e privada – é a condição necessária para o crescimento económico. Mas o crescimento da primeira também pode ser muito maior do que o da segunda porque parte da dívida privada também é gerada para fins especulativos e não alimentando a procura, o que acontece sempre se houver um mecanismo jurídico que para o efeito autorize a especulação. Neste último caso, o desenvolvimento da economia real é regulado pelo seu custo de oportunidade: os ganhos obtidos com a especulação são superiores ou inferiores aos permitidos pela actividade económica real? Esta é uma pergunta que nunca é feita nestes termos pelos reguladores dos mercados financeiros.[10]
No início do ano 2014 a zona euro vive no quadro de um contexto estranho.
(continua)
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[1] As perdas em receitas fiscais foi para a França de 14,3 mil milhões de euros em 2013 e o défice público de 74,9 mil milhões, foi de 2,7 vezes superior ao que era esperado .
[2] Olivier Garnier, Daniel Gros e Thomas Mayer que se exprimiram no jornal Les Echos em 8 de Janeiro : « é necessário converter as dívidas da zona euro em capital ».
[3] Esta inaceitabilidade foi recentemente reforçada com os debates sobre a pobreza dos alemães. Cf. em particular:veja em especial: : http://www.lejdd.fr/Chroniques/Axel-de-Tarle/Les-Allemands-les-plus-pauvres-d-Europe-601864
[4] Cf as conclusões do presente texto.
[5] James K.Galbraith, Stuart Holland et Yanis Varoufakis que acabam de publicar um pequeno livro : « Modeste proposition pour résoudre la crise de la zone euro », Les Petits Matins, 2014.
[6] Grupo de 11 alemães envolvidos na reflexão económica, política e social. Os quatro princípios são a preferência por “bail-in”, a solidariedade, através de, nomeadamente, uma democracia europeia, extensão do seguro-desemprego a nível europeu e o fortalecimento da disponibilidade dos bens comuns
[7] As últimas notícias da Eurostats relativas a uma diminuição da dívida (22 de Janeiro de 2014) para alguns países não devem enganar: eles correspondem a compras de dívida autorizadas pela baixa das taxas, uma redução na Tesouraria dos Tesouros correspondentes e resultado também de receitas excepcionais. Para além disto, a carga da dívida de acordo em função das capacidades contributivas aumenta em todos os lados.
[8] Ponto de vista da escola que se chama ainda a escola – muito francês – da Regulação
[9] 215% adicionando a dívida privada, dívida de que Jean Luc Gréau, como sempre, gosta de nos lembrar a sua importância para a compreensão da crise de dívida.. Cf. http://forumdemocratique.fr/2014/01/17/pays-bas-nouveau-domino-europeen-par-jean-luc-greau/
[10] Sabemos que todos têm a mão a tremer quando se trata de limitar as actividades especulativas. Sabemos que no seu universo microeconómico o medo de regular resulta da ideia de que há um risco de diminuição da liquidez com consequências nefastas sobre a economia real. Veja, por exemplo, os recentes debates em Bruxelas relativamente à Directiva sobre os instrumentos financeiros (Mifid)