Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Os tratados europeus limitam fortemente a liberdade de acção dos políticos
André Grjebine (Directeur de recherche à Sciences Po, Centre d’Etudes et de Recherches Internationales)
LE MONDE, 8 de Maio de 2014, « Les traités européens ont corseté la liberté d’action des politiques »
Um dos desafios principais das próximas eleições europeias é sem dúvida fazer sair a União europeia (UE), e singularmente a zona euro, do bloqueio dogmático no qual ela se tem profundamente afundado. Isso somente será possível com o restabelecimento da liberdade de acção que tem feito a força das sociedades capitalistas, só assim é que a construção europeia poderá de novo reaparecer como uma esperança em vez de continuar a ser um forte constrangimento responsável pela crise.
A UE devia reforçar o poder de acção das democracias europeias, em vez de se centrar nas regras de gestão que foram introduzidas nos tratados fundadores da união monetária e que lhes fizeram perder o que fazia a sua força: a liberdade de acção. O capitalismo não é um sistema bloqueado que assenta sobre um conjunto de dogmas, mas uma orientação susceptível de se adaptar às circunstâncias. Foi por isso que tornou possível, não somente a revolução industrial e a existência dos “trinta gloriosos”, mas igualmente a eclosão das democracias liberais. Desde Adam Smith e Tocqueville, o capitalismo tem sido profundamente analisado mas não conheceu até hoje livros sagrados, nem pais fundadores, que teria sido obrigatório tomar como referência. Daí a margem de manobra dos dirigentes destes países e a sua capacidade em se adaptarem às situações com que se confrontaram e fizeram face seguindo, por vezes, vias muito diferentes.
NUNCA A PARALISIA
Os sociais-democratas escandinavos, assim como a senhora Thatcher agiram, uns e outros, neste quadro aberto. Alguns dirigentes foram mal inspirados. Muitos deles pecaram por demagogia para seduzir os seus eleitores. Mas eles raramente ficaram paralisados pelo medo de transgredir ordens intangíveis e de servirem assim como alvo aos seus concorrentes como é o caso nas empresas sujeitas a uma teocracia ou a uma ideologia.
Os tratados fundadores da zona euro, incluindo os Maastricht, de Lisboa e o Pacto Orçamental europeu, introduziram mecanismos coercivos que bloqueiam a acção dos governos, por pequeno que seja o seu desvio relativamente às regras estabelecidos. Em geral, as Constituições definem as regras do jogo. Os tratados que vinculam os Estados-membros da zona euro pretendem eles próprios determinar as políticas a aplicar.
As políticas orçamentais e monetárias têm, portanto, sido fortemente condicionadas por um espartilho legal inspirado por uma ideologia altamente questionável, que já demonstrou os efeitos fortemente nocivos durante a grande depressão de 1929. A questão já não é a de saber se uma medida ou uma política é ou não oportuna e se ela se pode afirmar como eficaz mas sim se ela respeita os critérios de Maastricht e outros que foram entretanto impostos a partir daí.
MANIQUEÍSMO
O reformismo, que é a essência das democracias liberais, já deixou de ser necessário. O sistema é percebido como um todo: ou é aplicado sem discutir ou então sai-se do sistema. A opinião de que apenas um retorno às moedas nacionais pode salvar países europeus já não é um argumento dos extremos, de direita ou de esquerda. Esta ideia espalha-se por todas as esferas da sociedade. A multiplicação dos livros que defendem uma saída do euro é significativa desta evolução que ameaça a sobrevivência da ideia Europeia.
Os líderes políticos são os primeiros agentes e as primeiras vítimas desta evolução. É sem dúvida esta realidade que explica o desespero de alguns e o cinismo de outros, preocupados apenas em tirar as suas castanhas do lume sem se interessar pelas opções para se poder sair da crise. As contradições do governo francês e os erros duvidosos da oposição incitam ao cepticismo se não mesmo ao desprezo. Como ficar-se espantado se os eleitores não se interessem sequer por um debate político que nem sequer existe, quando eles se resolverem a votar pelos extremos que se posicionam a ocupar o vazio deixado pelos partidos do governo?
UM PARLAMENTO MUITO TÍMIDO
A implosão da zona euro pode provavelmente ser evitada se e só se aceitarmos relativizar e contornar os critérios excessivamente restritivos, especialmente para permitir ao Banco Central Europeu monetizar as dívidas públicas. Dir-nos-ão que a complexidade de uma revisão dos tratados neste sentido torna esta medida pelo menos muito problemática..
Mas o Tratado de Lisboa não contém uma possibilidade de libertação dos constrangimentos que ele, aliás, reitera? Desde este texto, os chefes de Estado e de governo propõem, de facto, com uma maioria qualificada (e não mais por unanimidade) no Parlamento europeu um candidato à Presidência da Comissão. Depois, o candidato deve ser aprovado por uma maioria dos membros do Parlamento.
A eleição de um Parlamento menos ortodoxo e menos tímido não poderá ser o factor decisivo que permitiria à Comissão e aos governos europeus superar as suas inibições para se aventurarem em medidas fora dos caminhos conhecidos, em vez de aceitar que os outros o façam por eles? Ainda será necessário que todos aqueles que rejeitam o status quo europeu sem quererem com isso estar a querer minar a ideia europeia vão votar no 25 de Mãoaio. Nem Angela Merkel nem Marine Le Pen.
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Ver:
http://www.lemonde.fr/europeennes-2014/article/2014/05/08/les-traites-europeens-ont-corsete-la-liberte-d-action-des-politiques_4413425_4350146.html