FRATERNIZAR -Que Portugal, o do 10 de Junho? – por Mário de Oliveira

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Que Portugal, o do 10 de Junho? A pergunta justifica-se, depois do que, mais uma vez, nos foi dado ver e ouvir neste de 2014. As populações que são o Portugal real, não passam, nestes dias oficiais, de mera paisagem, simples figurantes duma tragédia à escala nacional, Regiões Autónomas, incluídas, para as filmagens e os directos das tvs. Não têm voz nem vez. E, se a têm, é sempre à revelia do guião oficial e institucional. Seja na cidade da Guarda, ou na de Lisboa, ou na do Porto, quem tem a palavra, para cúmulo, num excesso de discursos cheios de retórica, nenhuma boa notícia, é o PR. Pode abrir, e abre, os seus discursos com o curial apelativo, “Portugueses”, mas depois é aos líderes dos partidos políticos, com representação parlamentar, que se dirige, e aos chefes do Governo e das Forças Armadas. As populações, só são bem-vindas, nesses actos oficiais, para ajudarem a brilhar ainda mais as cúpulas do Estado. As mesmas que, no Governo, as devoram com impostos e lhes roubam os direitos que lutas políticas de gerações anteriores haviam conseguido ver reconhecidos e realizados. A cada cúpula, o seu galho, conforme o grau de poder de que desfrutam na pirâmide/ hierarquia do Estado. Já as populações, o País real, fica sempre lá longe e lá ao fundo. A esturricar ao sol, como em Fátima, para onde, nesse mesmo dia, são transportadas milhares de crianças, cujos pais, abdicam das suas responsabilidades a favor dos eclesiásticos que as manipulam e tentam transformá-las em outras tantas Jacintas e Lúcias, em outros tantos Franciscos. Uma vergonha e um crime, mascarados, uma e outro, de “peregrinação” e de “devoção à virgem” cega, surda e muda, fabricada por um artesão santeiro do norte de Portugal.

 Desta vez, o PR, manifestamente irritado pela reiterada palavra de ordem, “Governo para a rua!”, para cúmulo, sublinhada por inúmeros cartazes para tvs mostrarem ao país e à Europa, com os quais essa mesma palavra de ordem gritada em uníssono invadia, não só os seus ouvidos, mas também os seus olhos presidenciais, não conseguiu levar ao fim, sem interrupções, o primeiro discurso do dia. A um dado momento, percebe-se pelo directo das tvs que o PR deixou de poder articular as palavras escritas, certamente, por algum dos seus inúmeros assessores políticos (para alguma coisa a sua presidência é uma das mais dispendiosas da União Europeia!), e teve de ser de imediato amparado por membros da sua comitiva, antes que se estatelasse, desamparado, no chão. Os gritos de protesto e a palavra de ordem, “Governo para a rua!”, sobrepunham-se manifestamente ao seu discurso, apesar da amplificação sonora com que se dirigia aos “Portugueses”, que já não suportam mais ouvi-lo. Nem sequer a destacada presença do chefe das Forças Armadas, fardado a rigor, conteve as populações que se manifestavam e protestavam. Pelo contrário. E percebe-se porquê. Ele era, ali, a representação maior do Estado armado que temos permanentemente em cima de nós. E não se pense que o Estado é armado para proteger as populações do País. É armado para proteger as cúpulas do Estado, inclusive, contra as próprias populações, se necessário for. Só não sabe que é assim, quem não quer saber.

 As populações que são o Portugal real, não precisam de Forças Armadas. As cúpulas do Estado, sim, precisam e muito. Por isso, investem nelas e nos respectivos equipamentos e meios de defesa-ataque, porque sabem que só dessa maneira conseguem ter mão nas populações com fome e sede de verdade, de justiça, de dignidade, de Política praticada, de cuidados médicos e hospitalares à altura, de salários justos, de escolas-parteira, de cultura e de arte, nas suas mais diversas manifestações. “Uma ligeira indisposição”, veio informar, algum tempo depois, o próprio chefe das Forças Armadas. Porém, não foi tão ligeira assim, uma vez que a interrupção do discurso presidencial durou bem meia-hora. E só meia hora, porque valeu ao PR a imediata intervenção de pessoal especializado, que às cúpulas do Estado nunca falta nada. Como não falta nada aos craques do futebol dos milhões que integram a chamada Selecção nacional do dito. Já as populações que são o País real, que se arranjem e se desunhem, na sua apagada e vil tristeza. E que morram, por falta de assistência atempada. Que ninguém dará por nada.

 E não é que o PR, uma vez refeito da “indisposição”, retomou o seu discurso, como se nada se tivesse passado com ele? Onde já se viu? As populações que são o País real, não mereciam, na hora, uma palavra, extra-discurso escrito, dele próprio? Nem ao menos um formal pedido de desculpa pelo interregno, já para não dizer uma palavra pessoal de esclarecimento às populações presentes e a todas as outras que, porventura, o seguiam em suas casas pelas tvs?! Pois é, a verdade é que nem uma palavra do PR. Sinal de que ele estava furioso com a reiterada palavra de ordem, “Governo para a rua!”, que as populações presentes, ininterruptamente lhe dirigiam. Onde já se viu – deve ter pensado lá com os seus botões, o PR Aníbal – populações dominadas pelo Estado armado darem ordens ao chefe desse Estado? Mas então as populações não existem para acatar as ordens emanadas do Estado, de cada uma das suas cúpulas, a começar pela do PR, o comandante supremo das Forças Armadas? Daí, o absoluto desprezo do PR, pelas populações que não se revêem nele, nem neste tipo de dia de Portugal, e por isso, aproveitam a ocasião, e politicamente bem, para o fazerem. Contra as cúpulas do Estado bem repimpadas nas suas fardas de cerimónia e nos seus fatos de tecido fino, sentadas na tribuna e resguardadas do sol, enquanto elas, lá longe e lá ao fundo, como cães perdidos e abandonados, uns sem-abrigo sem nome, têm de penar e calar.

 Dia de Portugal? Que Portugal, o do 10 de Junho de cada ano? Tenham um mínimo de pudor político, senhores das cúpulas do Estado. Porque as populações podem ser e são subjugadas e humilhadas por vocês, mas, com isso, fica bem claro quão cruéis e cínicos vocês são! Não sabiam?!

 

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