Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Thomas Piketty mina os princípios consagrados do catecismo capitalista
Não somente o crescimento capitalista não reduz a desigualdade, como a aumenta.
Jeff Faux
Thomas Piketty Undermines the Hallowed Tenets of the Capitalist Catechism
The Nation, April 18, 2014
Parte I
Thomas Piketty (Reuters/Charles Platiau)
Thomas Piketty apenas acabou de lançar uma granada de mão, uma granada intelectual diríamos, no debate sobre a luta pela repartição na economia global. Antes da tradução inglesa do novo livro do economista francês, Capital in the Twenty-first Century, era já um sucesso de livraria, aplaudido, atacado e declarado um texto de leitura obrigatória por peritos, de esquerda, de direita e do centro. Por uma boa razão: desafia a hipótese fundamental da política americana e europeia que o crescimento económico continuará a desviar a ira popular sobre a distribuição desigual do rendimento e da riqueza
“Abundância”, observou o falecido sociólogo Daniel Bell foi “o substituto americano para o socialismo”. Como o bolo económico se expande, a fatia recebida por cada um aumentou.
O longo boom de três décadas que se seguiram à segunda guerra mundial parecia provar o ponto de vista de Bell, atirando com a previsão de Karl Marx sobre o colapso do capitalismo para o caixote do lixo da história.
Marx previu que tanto quanto os mercados se expandem , os lucros resultantes da inovação tecnológica gradualmente terão tendência a reduzirem-se, as depressões tornar-se-ão cada vez mais graves e os capitalistas apropriar-se-ão de grande parte do rendimento criado pois terão uma forte tendência nas economias industriais avançadas a colocar os salários de tal modo baixos que a revolução será inevitável.
Mas o capitalismo do século XX provou ser mais resistente do que o que pensava Marx. As novas tecnologias continuaram a gerar mais lucros e empregos, as políticas orçamentais e monetárias keynesianas impediram que as diminuições cíclicas da actividade económica provoquem depressões. E a classe dos investidores , ameaçados pelo espectro do comunismo, concordaram, relutantemente diga-se, cok a aplicação do modelo do NEW DEAL de sindicatos fortes, seguro social e outras políticas que os forçaram a partilhar os lucros do aumento da produtividade com os seus trabalhadores.
Nos Estados Unidos, a parte do rendimento que é apropriada pelos mais ricos caiu de mais de 45 por cento na década de 1920 para se situar abaixo dos 35 por cento na década de 1970. Entre 1959 e 1973 a percentagem de americanos que vivem na pobreza foi cortada por dois. Outros países industrializados seguiram o mesmo caminho.
Em última análise, foi o sistema comunista que entrou em colapso, incapaz de igualar o desempenho do capitalismo em fornecer ao proletariado uma casa, um carro e os outros totens de uma vida de classe média.
A ideia de que o capitalismo conduz naturalmente a uma situação de maior igualdade foi cunhada num estudo de Marco de 1955 pelo economista americano Simon Kuznets, cujos dados mostraram que após um período inicial de desigualdade crescente (por exemplo, a nossa idade de ouro do século XIX) a riqueza gerada pela economia de mercado passa a ser distribuída entre trabalho e capital de forma mais uniforme. Quando aumentou a produtividade dos trabalhadores assim aumentaram igualmente os seus salários. A “curva de Kuznets” rapidamente se tornou o saber convencional para os economistas e para os políticos que os primeiros aconselhavam. Como o náutico John F. Kennedy diz: “A maré levanta todos os barcos.”
A questão central para os economistas ocidentais tornou-se então a de saber como manter a maré de crescimento a subir. Os liberais favoreceram as intervenções governamentais mais activas, os conservadores mais incentivos para os investidores privados. A distribuição do rendimento e da riqueza — a questão que tinha preocupado tanto os economistas desde Adam Smith — foi reduzida aos estudos das características dos pobres (a sua raça, género, a sua vida sexual, etc.) que os impediram de subir com a maré. Quase ninguém estudou a evolução do rendimento e da riqueza nos ricos
Então, na década de 1970, inverteu-se a tendência para a igualdade. O produto por hora de trabalho continuou a subir, mas os seus salários e subsídios não seguiram a mesma evolução, reduziram-se relativamente. Quase todos os ganhos com o aumento da produtividade das últimas três décadas e meia foram para os investidores das grandes empresas e igualmente para os seus gestores de topo. A taxa de pobreza aumentou em cerca de um terço. E o sofrimento espalhou-se de forma continuada escada escada socioeconómica.
Os economistas do mainstream foram vergonhosamente lentos em responder a esta mudança histórica de quem recebe o quê. Quando Larry Mishel e os seus colegas no Instituto de Política Económica começaram a informar sobre o fosso crescente entre a produtividade dos trabalhadores e os seus salários, em meados da década de 1980, a primeira reacção dos economistas do sistema foi a de negar esta realidade. Quando eles já não podiam ignorar os dados, os economistas culparam então os próprios trabalhadores por não serem suficientemente formados para a nova era da informação.
Os principais políticos foram desde logo dando um sermão sobre a redução dos níveis dos americanos dizendo que eles devem ir para — ou voltar para — a faculdade. Então eles assim fizeram, em números recordes. Aumentou o nível de formação o que é crítico para o crescimento do bolo económico, o rendimento a repartir, mas a evidência — incluindo uma dúzia de anos de queda dos salários reais entre os novos licenciados da faculdade — mostra que a falta de escolaridade não é a razão pela qual as fatias dos super ricos estão crescendo muito mais rápido que todos os outros.
Não importa que os factos não se encaixem. É mais fácil para os economistas e políticos contar uma qualquer história sobre trabalhadores burros e chefes inteligentes do que abordar as causas mais óbvias da ascendente redistribuição da riqueza. Falar de empregos offshoring, da supressão dos sindicatos, da destruição da rede de segurança social e quebra dos impostos para os ricos faz com que as empresas contribuam para as carreiras académicas e para as campanhas políticas muito nervosas.
Para estarem seguros, os democratas aumentaram fortemente a sua retórica. Bill Clinton concorreu à Presidência em 1992 reclamando que os americanos deveriam “trabalhar mais por menos.” Mais tarde e ao longo de duas décadas, eles ainda são assim. Com cinco anos na sua Presidência, Barack Obama vem-nos agora dizer que a desigualdade é a “questão que caracteriza o nosso tempo”. Mas mesmo que o Congresso tenha aprovado a sua modesta agenda de um aumento em salários mínimos, os créditos de imposto para os pobres e um aumento marginal nos fundos para a educação e formação, seria apenas abrandar o curso ascendente da redistribuição da riqueza. Outras propostas de Obama, como mais comércio livre e austeridade orçamental continuada, irão acelerá-lo.
(continua)
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