CRÓNICA DE DOMINGO – Feminismo e folclore – por Carlos Loures

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Num artigo publicado na Edição que dedicámos à condição feminina, em 14 de Outubro de 2013, sob o título “A História não paga dividendos” e que pode ser consultado em http://aviagemdosargonautas.net/2013/10/14/a-historia-nao-paga-dividendos-por-carlos-loures/chamava a atenção para os perigos que um certo fundamentalismo feminista acarreta para o desprestígio de uma causa que todos os democratas têm o dever de apoiar – a causa da igualdade de direitos entre todos os seres humanos, independentemente do sexo, etnia, condição social… Porém, em muitos documentos feministas considera-se  os seres humanos do sexo masculino como responsáveis pela discriminação de género. Não é justo, não é correcto, não é inteligente.

Considerar inimigos os homens, todos os homens, não faz sentido. O sexismo é uma doença social e não uma deficiência exclusivamente masculina.Nas comunidades mais tradicionais, as mulheres partilham preconceitos e apoiam discriminações contra asmulheres. Nas nas sociedades islâmicas, encontramos mulheres entre os apedrejadores de adúlteras e mães exigindo que as filhas sejam, tal como elas foram, sujeitas à excisão genital.

A luta pela igualdade entre os sexos só tem sentido inserida no quadro da luta de classes. Uma activista burguesa não está a lutar pela igualdade plena – está a querer, dentro da sua classe social, não ser discriminada relativamente aos homens desse extracto. Não se preocupa, ou não parece preocupar-se com o facto de ter privilégios que milhões de seres humanos – crianças, mulheres e homens – não alcançam. A Carta Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, diz nos seus primeiros artigos:

Artigo 1º daTodos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. Artigo 2.º – Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania. Artigo 3.º – Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 4.ºNinguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos. Artigo 5.º- Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Artigo 6.º– Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento em todos os lugares da sua personalidade jurídica. Artigo 7.ºTodos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Nestes primeiros sete artigos deste documento estão contidos os antídotos contra todas as discriminações. Lutar pela aplicação total e sem excepções desta Carta, implicaria a neutralização do capitalismo, baseado na exploração da força de trabalho, a aniquilação do sexismo e também a destruição do fundamentalismo religioso. Uma feminista islâmica, cristã ou judaica, constitui uma contradição – pois as três religiões de Abraão reservam à mulher um papel secundário. Uma feminista burguesa não luta pela igualdade, mas pela sua ascensão dentro de uma escala social injusta. Estas contradições ferem uma parte do feminismo e convertem algumas lutas em mero folclore.

As mulheres são metade da espécie. Sem elas, a espécie acabaria (tal como sem os homens). Dar a um sexo direitos que o outro não tem é uma injustiça inqualificável. No entanto, não menos grave é o aceitar-se que pertencer a uma dada classe social determina que se tenha mais ou menos direitos.

Ridícula é a aliança entre feministas e movimentos de lésbicas e de gays. A orientação sexual é uma decisão de cada um e não devem ser discriminados socialmente os que optam por uma via que não é a normal. Já sei que a palavra «normal» é contestada – refiro-me à norma que a natureza impõe. O não ser normal não significa que seja condenável. E ainda menos que seja aconselhável. Homossexuais e lésbicas não devem ser discriminados. Mas é uma luta que nada tem a ver, em magnitude e em dimensão ética, com a luta da igualdade entre todos os seres humanos.

3 Comments

  1. A Carta dos Direitos Humanos fala de razão e não, como devia, de pensamento dialéctico. Nesse contexto, que julgo menos certo, utilizar o conceito de luta de classes para explicar o que tem sido chamado como feminismo parece-me algo de idealismo, logo dum impasse a querer impor-se aos esforços,, pontuais que sejam, para todas as tentativas de libertação que tantas Mulheres tentam levar a cabo. É um tanto desesperante não querer dar apoio imediato e entusiástico a quaisquer lutas de Libertação pelo facto da solução final – dizem muitos autores – passar pela resolução – aliás completamente impossível – das consequências maléficas das opressões sociais.CLV

    1. Pois a mim, Caro Leça da Veiga, afigura-se-me que na luta contra o sistema capitalista há que privilegiar o que é prioritário e não misturar questões fundamentais com outras de menor importãncia. Não se contesta o direito à diferença de comportamentos, nomeadamente de opções na orientação sexual – o proselitismo, sim, é condenável e, sobretudo, é condenável colocá-lo no mesmo plano ético em que se situa a luta pela igualdade de direitos entre todos os seres humanos.

  2. O problema é que há seres humanos em piores circunstâncias que outros e que, por isso mesmo, quando as condições estão a seu favor, não ficam à espera da carruagem passar e. pelo contrário, actuam. A Revolução de Outubro foi isso mesmo, pena foi que o seu esquema de actuação – o centralismo democrático – não tivesse percebido – ou não quisesse perceber – que tomado o poder a organização política não podia ficar à responsabilidade duma estrutura construída, substancialmente, para enfrentar e derrotar a força armada do czarismo..Abração do CLV

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