Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Thomas Piketty e os jovens marxistas sobre o disparar da desigualdade
Timothy Shenk | The Nation | 5 de Maio de 2014
Thomas Piketty and Millennial Marxists on the Scourge of Inequality
Parte V
(CONTINUAÇÃO)
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Enquanto as tácticas são claras, as questões próximas e distantes permanecem sem resposta. De onde por exemplo, supostamente se considera que vêm os novos simpatizantes e militantes? O movimento Occupy forneceu cobertura para esta frente até 2012. Mas como as perspectivas do seu regresso têm diminuído, aparentemente por nada, então tem-se a plausibilidade de uma dramática reordenação da política. Isto deixa os marxistas com a perspectiva de uma coligação com os membros eventuais que sitiaram os socialistas americanos e que eles têm cortejado desde há décadas: um movimento de trabalhadores, deixando de lado alguns pontos brilhantes, que parece prisioneiro num perpétuo declínio; burocratas a lutarem para se protegerem dos cortes do governo; e qualquer outra pessoa que possa entrar para o grupo dos marginalizados e dos sem nada e forçados, finalmente, a terem uma consciência de classe;]
Sobre se essa coligação caminharia ou não para a revolução — uma questão crucial na história do socialismo — a nova esquerda tem sido até agora ambivalente. A formulação preferida é a de “reformismo revolucionário,” uma ideia de que as reformas apropriadas se feitas hoje podem levar a mudanças mais drásticas amanhã. Este movimento tacticamente esclarecido posiciona os novos e jovens marxistas como vendedores ambulantes de drogas para a entrada no radicalismo, o tipo de revolucionários que podem ser recorrentes nos painéis na MSNBC. Isto também conduz a uma falta de consistência quando a discussão se torna abstracta, incentivando uma dependência sobre vagas exortações para se ser “paciente e visionário, pragmático e utópico” (segundo as palavras do fundador do jornal Jacobin , Bhaskar Sunkara), em que este frase mais parece ser o início de um discurso.
Na boa tradição marxista, os jovens marxistas saídos da crise são melhores quando estão ao ataque. Aqui, também, foram astutos, escolhendo como uma das suas principais metas um grupo que mais do que qualquer outro grupo se assemelha a versões ligeiramente mais antigas de si mesmos: tecnocratas liberais como Ezra Klein e Matthew Yglesias, antigo “enfant terrible” representante dos bloggers de esquerda nos últimos dias do governo Bush, que desde então têm assinalado e recolocado as suas próprias vias à apreciação e respeitabilidade do mainstream.
Pelo caminho, têm abandonado a sua política abertamente liberal e as suas provocações juvenis — em 2008, Klein poderia ainda brincar com Tim Russert: “fuck him with a spiky acid-tipped dick” para se refazerem como imagem e apresentarem-se como especialistas de tratamento de dados e tradutores de textos de universitários politicamente relevantes destinados ao grande público. A política de esquerda está fracamente presente, mas esta é do tipo “a realidade tem um bem conhecido enviesamento liberal “. E os seus membros tornaram-se mais fracos ainda com o mais recente esforço de jovens tecnocratas, a criação de um site chamado Vox liderado por Klein e Yglesias e em que se anuncia como sendo “o primeiro site híbrido de notícias e enciclopédico livre.”
As suas diferenças com os marxistas são óbvias, mas há ainda aqui um parentesco nas aspirações partilhadas para levar a crítica para além das convenções tradicionais. Espera-se organizar o debate de modo a que este seja apoiado em dados e que seja de forma empenhada mais directamente ligado á política — talvez, eventualmente, com um partido socialista de que eles mesmos farão parte . Mais do que a ambição, é o que liga estes dois grupos. Cada um deles agarrou metade de um projecto que vem desde há séculos : conhecer a sociedade e refazê-la.
Ambos os grupos parecem extraordinariamente confiantes , um em informação e o outro em ideologia. Mas as fissuras começaram a aparecer por baixo das superfícies brilhantes. Como consequência da crise financeira, era fácil de prever o desaparecimento de um parêntese histórico que inaugurava uma política nova, anunciada por Obama ou pelos Occupy. Com aquelas opções esgotadas, o mais astucioso em cada um dos campos, está-se a ocupar com um desafio pouco habitual : ser a representação do que se terá que fazer depois da situação de crise acabar.
A resposta pode envolver a confrontação sobre uma questão bem mais velha que a rivalidade entre capitalismo e socialismo. A desigualdade económica, depois do desvanecimento da atenção no pós-Occupy , tem-se tornado nestes últimos meses uma questão proeminente. O discurso de Obama em Dezembro onde afirmou que a desigualdade de rendimentos constitui “o desafio que caracteriza o nosso tempo” é talvez a mais memorável linha do seu segundo mandato. O Papa Francisco tem afirmado que a desigualdade ” é a raiz dos males sociais” e apelou a uma campanha contra as suas “causas estruturais”. Mesmo os anfitriões de World Economic Forum que se realiza anualmente em Davos considera a desigualdade como um dos mais prementes “riscos globais.” de hoje. Também se transformou um pouco num produto da nossa indústria artesanal entre os agradecimentos liberais dos sabichões de Washington ao líder político Democrática John Podesta, que lançou um centro de investigação dedicado ao tema, no Outono passado..
Bem, boa altura para o economista francês Thomas Piketty, autor de Capital in the Twenty-First Century, um livro recentemente traduzido que tem a possibilidade de se transformar no trabalho mais influente da economia já publicado neste nosso século. É o estudo mais importante sobre a desigualdade publicado desde há cinquenta anos, sintetizando as conclusões a que Piketty e uma equipa de outros investigadores chegaram na base de um trabalho de mais do que uma década da investigação. É igualmente o tipo de vasto inquérito teórico sobre um assunto que os marxistas fingem às vezes ser da sua competência exclusiva. Não como coincidência, Piketty adopta a mesma etiqueta para o seu projecto que os marxistas reivindicam frequentemente para eles próprios. . Ignorando as pretensões da “ciência económica,” escreve ele, “prefiro muito mais a expressão economia política “.
O nome do Piketty é desde há muito um nome familiar para os economistas, que o conhecem como um dos principais especialistas mundiais sobre a desigualdade. Ele ganhou a sua reputação não pela sua destreza matemática , a porta de entrada típica para o prestígio dentro da lamentável e actual ciência económica, mas sim pelas suas prodigiosas capacidades como investigador. Antes de Piketty, os economistas tinham invocado normalmente os inquéritos às famílias para falarem da desigualdade . Mas as suas fontes — principalmente, registos fiscais e imobiliários — têm uma vantagem distinta sobre a prática habitual:
Estas fontes mostram bem melhor as mudanças entre os mais ricos, mudanças estas que são menos detectáveis nos inquéritos às famílias . Piketty descobriu uma maneira de tratar o registo das fortunas dos 1% das famílias mais ricas, antes mesmo de Occupy ter introduzido a frase. Não por coincidência, os gráficos produzidos por Piketty e pelo seu colaborador desde longa data, Emmanuel Saez, tornaram-se omnipresentes no auge do movimento dos Occupy.
Desde o início do Capital no século XXI , Piketty situa-se ele próprio num diálogo com Marx. Mesmo o título introduz esta ambição, com a referência a uma outra obra anterior com o título O Capital, presumivelmente para o século XIX. Mas ele acrescenta um outro nome nesta sua conversa. Simon Kuznets foi, sem dúvida, o maior economista em termos de Economia Aplicada que a disciplina já conheceu e ele é o antecessor mais significativo de Piketty quanto ao estudo da desigualdade económica. Capital no século XXI viaja pois entre Marx e Kuznets, tentando combinar o trabalho monumental do primeiro com o trabalho empírico e meticuloso do segundo. Às vezes ele vacila, tropeça, mas a audácia do esforço e os seus muitos sucessos, impõem-no à nossa admiração.
O objetivo de Piketty é nada mais nada menos do que fazer reviver o ideal de uma ciência social integrada que trata as outras disciplinas não como rivais para serem colonizadas (como é frequentemente o caso quando os economistas vão espreitar através outros departamentos), mas sim como os colegas num projecto partilhado.
As esperanças de unificar as ciências sociais é uma ambição que nos vem desde a primeira metade do século XX, mas sobre esta questão, há uma genealogia especialmente longa em França. No século XIX, com a auto-descrita “economia social ” como os primeiros socialistas gostavam de falar em nome da sociedade como um todo, estes publicaram repetidos apelos para se criar uma ciência social coesa. Naquela época, a formação económica preparava os futuros dirigentes para lidarem com os problemas levantados com a formulação de políticas, não para se ser mestre em recônditas teorias. A maioria dos economistas foi educada no estudo dos clássicos ou em leis e tinham poucos conhecimentos de matemática. Essa resistência à matematização resistiu até ao século XX. Como notas Piketty, o legado desta tradição tem-se mantido no presente. Na França, observa, um pouco hiperbolicamente é certo, “os economistas não são altamente respeitados no mundo académico e intelectual ou pelas elites políticas e financeiras,” e, então, “devem conter a sua indiferença pelas outras disciplinas e a sua pretensão absurda de maior legitimidade científica.” Utilizando um vocabulário incisivo, Piketty disse recentemente a um entrevistador, “Eu considero-me um cientista social tanto quanto me considero um economista.” Se a aspiração metodológica parece soar como uma reminiscência das primeiras gerações dos pensadores pós-capitalismo, soa também a política. Embora não sendo um marxista, Piketty é firmemente da esquerda. A um apoiante do Partido Socialista francês afirmou: “sonhar com uma superação racional e pacífica do capitalismo.”
(continua)
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Texto disponível em The Nation, cujo endereço electrónico é o seguinte:
http://www.thenation.com/article/179337/thomas-piketty-and-millennial-marxists-scourge-inequality
Timothy Shenk, a doctoral student in history at Columbia University, is the author of Maurice Dobb: Political Economist.
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