Obrigado ao Camilo Joseph
Senado Federal
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Secretaria de Taquigrafia e Redação de Debates Legislativos
Parte II
(continuação)
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Aliás, também não é o caso de nações morrerem na mão de rentistas e de abutres do mercado.
A reestruturação ocorrida em 2005 e 2010 alcançou mais de US$100 bilhões, após a moratória decretada em 2001. Aceitaram negociar e reestruturar a dívida 93% dos credores. É um número fantástico, Senador Suplicy: 93% dos credores.
O resultado foi que a economia argentina começou a crescer 8% ao ano. A situação fiscal mudou para melhor, e a Argentina obteve um superávit fiscal recorde de US$18 bilhões.
Mas, dos 7% dos credores que rejeitaram a oferta argentina, exatamente 0,45% do total travam uma batalha judicial contra a Argentina para receber 100% do valor dos títulos, sem o desconto de quase 70% aplicado na operação de troca de títulos (swaps).
Esses 0,45% de credores são liderados pelos fundos de hedge, cuja tradução, entendimento é “fundo de multimercado”, Senador Ferraço. Em português claro, são “fundos abutre”, são os buitres. São agressivos, atuam em altíssimo risco, agem com controles mínimos, realizam operações proibidas em outros fundos, preferencialmente derivativos; são os restritos a bilionários e, pasmem, podem assumir a forma de sociedade limitada, protegendo, desta maneira, os especuladores.
Os principais fundos abutre que infernizam a Argentina e os argentinos são o Aurelius Capital Management e NML Capital Management – este controlado por Elliott Management, do vampiro magnata Paul Singer. Juntos, esses poucos credores que, repita-se, representam apenas 0,45% dos credores argentinos e que não participaram da reestruturação da dívida argentina, buscam na justiça norte-americana US$1,3 bilhão. Mas há a condição de isonomia entre credores. Se esses conseguem uma vitória, o total da dívida argentina e a negociação anterior com 93% dos credores simplesmente desaparece e a dívida argentina salta para R$120 bilhões, US$20 bilhões.
Um dado importante. Em 2008, quando explodiu a crise do subprime nos Estados Unidos, havia 8 mil fundos hedge atuando no mundo, movimentando em torno de U$1,3 trilhão.
Eram uns vampiros, que criaram o subprime, os derivativos e explodiram a economia norte-americana, levando de cambulhada o planeta Terra. Ou seja, os abutres – se preferirem, vampiros – que levaram o mundo à crise da qual ainda não saímos são os que querem agora colocar a Argentina de joelhos, com as bênçãos da Corte Suprema dos Estados Unidos, para sugar até a última gota do sangue de sua economia e do esforço nacional para produzir bens e serviços necessários à vida das pessoas.
Depois de Néstor Kirchner, a Presidente Cristina e o povo argentino lutam para provar à Corte Suprema dos Estados Unidos a sua disposição para negociar, para manter sua economia funcionando e para conservar o crédito internacional do país.
Para ficar apenas com um exemplo, o Congresso argentino aprovou, com apoio praticamente irrestrito da oposição – como dizia agora há pouco o Senador Simon que aconteceu com a aprovação do Plano Real no Congresso brasileiro – um projeto de lei que reabriu a reestruturação da dívida externa argentina por tempo indeterminado. Mas a Corte Suprema de injustiça dos Estados Unidos ficou do lado dos abutres e dos vampiros.
No dia 16 de junho último, a Corte recusou um recurso apresentado pela Argentina para revisar a ordem do juiz Griesa de pagamento prioritário aos abutres, 0,45% da dívida, em detrimento dos credores, 93% da dívida. Credores que participaram do projeto de reestruturação da dívida argentina. Ou seja, determinou que tudo que a Argentina depositar para pagar os compromissos junto aos credores será automaticamente transferido aos abutres, aos vampiros do mercado, aos vampiros do capital vadio. O famoso capital vadio, que nada produz, mas vive da especulação das bolsas…
vive à margem das leis, vampirando e sugando o sangue soberano de países que tentam com justiça social se desenvolver – os anjos caídos, os filhos de Mamom, como diz a nossa Bíblia e repete o Papa Francisco a cada momento.
O governo da Argentina anunciou, no último dia 26, o pagamento de US$832 milhões de títulos da dívida renegociados, sendo que US$539 milhões foram depositados em contas do Bank of New York, que está intermediando os pagamentos internacionais da Argentina. Ignorando a justiça local e a possibilidade de embargo, tudo deverá ser transferido aos abutres, diz a Corte Suprema dos Estados Unidos.
Como disse o jovem Ministro da Economia Argentina, Axel Kicillof, na ONU, a convite do G77, “a Argentina quer continuar pagando e não deixam”. É um caso insólito. Não se pode aceitar que, em três dias, um país não tenha outra opção além de ter uma dívida nova de US$15 bilhões ou de US$120 bilhões, que poderia resultar de novas demandas de credores se a decisão da Corte Suprema for implementada. Com isso, a Argentina corre o risco de se tornar inadimplente, entrando no que se chama de moratória técnica, no jargão das finanças internacionais, com todas as suas consequências.
O mundo se escandaliza, mas afinal a Corte Suprema dos Estados Unidos não é supostamente uma instituição para a promoção e distribuição do direito e da justiça? Não. Não é, mesmo porque, segundo um velho ensinamento do tio Carlos, o direito é a cristalização da força ou, na palavra do seu mais autorizado intérprete, Pachukanis, “o direito é uma forma burguesa que atinge o máximo de seu desenvolvimento no capitalismo e que deve ser extinta quando a superação desse modo de produção for obtida”.
É disso que se trata: de força bruta, ainda que se apresente sob a cândida e falsa aparência de técnica decisional jurídica.
Foi assim que os Estados Unidos e o capital agiram com Kadafi. Era um anjo, um anjo bom, quando fazia negócios vantajosos com os europeus e norte-americanos, e quando financiava campanhas eleitorais, como a do ex-Presidente francês Nicolas Sarkozy. Foi assim com Saddam Hussein, financiado pela CIA e apoiado pelos Estados Unidos para lançar o Iraque na guerra contra o Irã. Foi assim com a criação da Al Qaeda e Osama Bin Laden. Foi assim com o legado da ação da CIA no Afeganistão, para criar problemas para a União Soviética. Algumas dessas e outras ações que resultaram na destruição de países e de nações foram consideradas ilegais pela suprema corte dos Estados Unidos? Não, não foram. Então, por que o ataque dos abutres mais ousados e gananciosos do capital financeiro contra a nação argentina seria reprimido pela suposta guardiã do direito norte-americano?
(continua)
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Para ler a Parte I deste discurso do senador federal brasileiro Roberto Requião, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a:
DÍVIDA ARGENTINA – UM DISCURSO DO SENADOR FEDERAL BRASILEIRO ROBERTO REQUIÃO
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