ENTREVISTA COM O EMBAIXADOR DO URUGUAI EM LISBOA: «Portugal deve aproveitar os seus laços históricos para reforçar o seu carácter vincular e central nas relações entre a América Latina, Europa e ainda África Lusófona».

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© Entrevista concedida em exclusivo a A VIAGEM DOS ARGONAUTAS

 

emb_uruguai_korzeniakpastorino[1]Num plano alargado de contactos e numa lista de personalidades portuguesas e estrangeiras, o Embaixador da República do Uruguai em Lisboa, Senhor José Ignacio Korzeniak, foi a nossa escolha para iniciarmos uma série de entrevistas. O Uruguai, país a que nos ligam laços históricos, é  um raro exemplo de bom funcionamento de uma democracia, num continente particularmente  caracterizado pela riqueza de recursos naturais e por uma divisão injusta do produto dessa riqueza. Com indicadores que o aproximam dos índices europeus e, por vezes, ultrapassando-os, o Uruguai merece uma atenção que raramente lhe é concedida. Ali, na antiga Província Cisplatina colonizada por Portugal, construiu-se um exemplo que, embora longe da perfeição, poderia ser útil estudar; a probidade de políticos como o Presidente José Mujica, deveria constituir uma lição para quem faz de funções do Estado uma forma de enriquecimento pessoal. Chamamos a atenção para o artigo de Daniel Aarão Reis, «Um Homem do Sul», um excelente texto do professor carioca e argonauta sobre o Presidente da República do Uruguai, publicado na passada sexta-feira e que pode ser lido através deste link

                               http://aviagemdosargonautas.net/2014/09/19/a-opiniao-de-daniel-aarao-reis-um-homem-do-sul/

 

A entrevista com o Senhor Embaixador do Uruguai foi realizada através de correio electrónico. Um painel constituído ad hoc, elaborou um questionário a que o Senhor José Ignacio Korzeniak respondeu com grande frontalidade. A nossa primeira pergunta foi:

Como viveram os uruguaios a presença migratória hispano-portuguesa que, sem atingir a importância numérica dos portugueses no Brasil e dos espanhóis na Argentina, tem no Uruguai um importante sentido estratégico como ponte entre ambas as comunidades americanas vizinhas?

 A população uruguaia é maioritariamente descendente de europeus. A presença de hispânico descendentes, assim como de lusodescendentes, é muito importante na sua componente nacional.

A terça parte das mulheres do mundo são vítimas de alguma forma de violência (psicológica, física ou sexual). Qual é a situação da mulher no Uruguai? Quais são as linhas de acção política neste aspecto.

 No Uruguai fez-se um grande esforço para combater a violência de género. Em 2002 aprovou-se uma Lei que combate a violência doméstica, especialmente a dirigida contra a mulher (Lei 17.514); Por outro lado, o Ministério de Desenvolvimento Social determina, com a colaboração de diversas ONG as políticas públicas dirigidas a prevenir e combater a violência psicológica, física ou sexual, assim como qualquer forma de assédio e  de difamação da mulher.

Contamos ainda com normas que garantem a participação equitativa da mulheres nos órgãos eletivos nacionais e departamentais, tais como a lei 18.476 de ano 2009 e uma lei referente à promoção de igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres ( Lei 18.104 de 2007).

Cabe aqui recordar que o Uruguai foi o primeiro país da região em habilitar em sufrágio feminino no ano 1927 e que foi exercido em eleições nacionais no 1938.

 Os castigos corporais foram abolidos nas escolas do Uruguai 120 anos antes dessa medida ser adoptada na Grã Bretanha. O que pode o Senhor dizer-nos sobre a educação que o Estado uruguaio proporciona a crianças e jovens nos diversos níveis do Ensino?

O Uruguai é, na região, um dos países com o mais alto nível de alfabetização. O Estado proporciona educação gratuita no ensino público superior, na secundária, primária, de professores primários, industrial e artística e é dirigida concelhos diretivos autónomos. O Estado oferece carreiras de grau gratuitas e de acesso universal.

85% dos estudantes universitários frequentam a universidade pública.

-21% dos universitários estudam carreiras nas áreas de contabilidade, finanças e administração.

-17% estudam cursos nas áreas de ciência e tecnologia.

-70% dos estudantes universitários lê inglês e 60% dos estudantes universitários entende o inglês falado.

-O Estado investe 4,5% do PIB em educação.

 Desde 2007, que se pôs em marcha no Uruguai o “Plan CEIBAL- Conectividad Educativa de Informatica Básica para el Aprendizaje en Línea” modelo para introduzir Tecnologias da Comunicação (TIC) Informação e na educação pública primária e secundária, ao alcance de todos.

 É um projeto socio educativo que promove a inclusão digital e possibilita um maior acesso à educação e à cultura. Promove a justiça social e garante a existência de ferramentas de comunicação para todos os habitantes

A curto e médio prazos, em função das necessidades educativas do momento actual, que desafios se colocam na política de Ensino?

Melhorar a qualidade da educação, ultrapassar a falsa oposição entre ensino humanístico e tecnológico, vincular ainda mais a formação do ensino à estrutura produtiva do país, melhorar a formação docente e incrementar as percentagens do PIB destinadas ao sistema educativo, principalmente ao sistema educativo público.

Neste momento o Uruguai está a discutir vários projetos que apontam nesse sentido.

Um relatório do CEPAL (Outubro de 2013) salienta profundas desigualdades étnicas e de género entre 23,5 milhões de mulheres indígenas na América Latina e nas Caraíbas. A maternidade na adolescência continua a ser mais elevada entre as jovens. O que se faz no Uruguai para eliminar a situação de desigualdade vivida pelas mulheres indígenas?

O Uruguai tem algumas características específicas com respeito à sua região. Não existem comunidades indígenas diferenciadas se bem que é um país orgulhoso no contributo que tiveram as culturas originárias.

Existem sim normas que condenam a discriminação por razões de género, orientação sexual, origem étnica, crenças religiosas etc.

Desenvolveu-se um conjunto de ações afirmativas que promovem a igualdade de oportunidades para todas as pessoas e garantem os direitos das minorias étnicas, sexuais e religiosas.

Os afrodescendentes uruguaios, que atingem aproximadamente os 8% da população, foram beneficiados com uma lei em 2012,  estabelecendo cotas e postos de trabalho  que reserva para essa comunidade.

Levando em linha de conta os laços históricos con Portugal, ainda hoje visíveis, por que razão não é Uruguai membro de pleno direito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa? Esta possibilidade constitui um objectivo, considerando que,embora o português não seja idioma oficial, as raízes históricas são inquestionáveis?

Como é sabido o Uruguai fez parte do Império português como “ Província Cisplatina” entre os anos 1817 e 1822 e em repetidos momentos da sua história existiram incursões de tropas portuguesas. Há que recordar que o Tratado de Tordesilhas de 1494 permitiu “uma guerra de interpretações“ entre a Coroa portuguesa e a Coroa espanhola e que a linha demarcatória dos limites de ambos Impérios era sempre discutida. Isto motivou que por exemplo, em 1680 tropas portuguesas a mando de Manuel Lobo, fundassem a cidade de Colónia de Sacramento, frente a Buenos Aires, na margem setentrional do “Rio de la Plata”.

Até agora o português é uma língua que se está a incorporar desde do ensino primário e que é falada nas zonas fronteiriças com Brasil, embora não seja uma língua oficial.

Porém e apesar de termos uma amplia vinculação com o Brasil como vizinho são inegáveis os laços históricos com Portugal, embora ainda não se tenha apresentado a possibilidade do Uruguai se integrar na CPLP, como membro pleno. Apesar disso é candidato a obter o estatuto de Observador associado.

 O que se sabe no Uruguai da cultura lusófona?  Que escritores portugueses, brasileiros ou africanos de língua portuguesa são conhacidos no Uruguai?

De alguma maneira o tamanho e a vizinhança com o Brasil fazem com que a cultura lusófona mais conhecida seja brasileira. Apesar disso são muito conhecidos escritores portugueses como, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e José Saramago e também Lobo Antunes e alguns escritores africanos/lusófonos como Moçambicano Mia Couto.

No plano cultural, existem acordos ou pontos concretos de encontro e debate, de colaboração institucional, entre o Uruguai e países de cultura lusófona?.

Além dos vínculos derivados de âmbito ibero-americano temos um Acordo marco em matéria de cultura, e vários protocolos de cooperação entre Instituições Culturais portuguesas e uruguaias, por exemplo o celebrado entre o Instituto Camões e a Universidade da República no Uruguai. Não obstante disso temos que multiplicar esses laços e entendemos que o trabalho desenvolvido pelas Embaixadas respetivas está a ser fundamental nesse sentido. Uma larga lista de atividades culturais no Uruguai de origem portuguesa e uruguaia em Portugal são produtos desses esforços.

Em Portugal, embora se conheçam nomes como os de Lugano, Codín, Maxi Pereira,  Cáceres,  Forlan, Cavani y Suárez, outros nomes, tais como os de Mario Benedetti, Juan Carlos Onetti e Eduardo Galeano, são praticamente desconhecidos. No Brasil a situação não é muito diferente. Tendo em conta o que actualmente a cultura significa, inclusivamente no campo da economia, perguntamos:  Existe uma política de apoio institucional a traduções de autores uruguaios para português, e para o inverso?

Em boa medida o conhecimento dos escritores lusófonos nos nossos países e da nossa região em Portugal e outros países lusófonos depende das políticas editoriais. Apesar disso Editoras de grande difusão traduziram os principais escritores que sofrem mais são aqueles escritores novos e seria muito interessante trabalhar nesse sentido. 

Por outro lado quero destacar que a Dra. Raquel Carinhas , Leitora do Instituto Camões na Universidade da República Oriental do Uruguai, contribuí de maneira decisiva com o seu trabalho da difusão da língua e da cultura portuguesa.

No quadro da crise económica global, qual é em síntese a situação do  Uruguai?

O Uruguai não sofreu a crise económica global e pelo contrário teve uma década de crescimento sustentável.

Os seus principais indicadores como o desemprego que no ano de 2003 se situava em 17% da população economicamente ativa, está agora aproximadamente pelos 5,5%. A pobreza que 10 anos atrás afetava aos 40% dos uruguaios, está agora nos 10% da população. A indigência ou pobreza extrema é praticamente inexistente.

Este ciclo económico de crescimento esteve acompanhado e provocado por uma diversificação de matriz produtiva e das suas exportações. O Uruguai exporta hoje para mais de 140 países.

As condições financeiras do Estado uruguaio melhoraram também de forma substancial: Em 2005 o país devia muito (a divida neta equivalia a 70% do PIB) e neste momento, ano 2014 a divida não ultrapassa 23% do PIB, com um confortável horizonte de amortizações. Dois terços da divida do Governo está em moeda local. Por outra parte o país tem a maior quantidade de reservas monetárias da sua história.

Neste momento, os dados publicados em 16 de Setembro de pelo Banco Central do Uruguai no seu “relatório de contas nacional” destaca-se que a economia do Uruguai cresceu 3,7% no segundo trimestre de 2014 face a igual período do ano anterior.

Isto permite-nos prever com tranquilidade que o Uruguai seguirá crescendo nos próximos anos a uma taxa de aproximadamente 4%, muito em cima da média regional. Também permanecerá as políticas públicas destinadas a melhorar equitativamente a distribuição da riqueza. Uruguai tem um coeficiente de GINI similar ao de muitos países europeus.

 Solicitamos uma declaração final sobre o que V, Excia, Senhor Embaixador, julgue necessário dizer a portugueses, brasileiros e espanhóis, que constituem a maioria dos nossos visitantes.

 Em primeiro lugar agradeço muito especialmente ao blog “Viagem dos Argonautas” a sua boa vontade de comunicar os povos.

O Uruguai vai a dirimir as suas diferenças no próximo mês de Outubro com as eleições presidenciais e legislativas. Qualquer que seja o resultado deste processo, ganhe quem ganhe as eleições, a vontade de continuar estreitando vínculos culturais, de intercâmbios comerciais e de reconhecimento recíproco com Portugal permanecerá.

Parece-nos claro que os países da Península Ibérica e especificamente Portugal deve aproveitar os seus laços históricos para reforçar o seu carácter vincular e central nas relações entre a América Latina, Europa e ainda África Lusófona.

Neste sentido, a Península Ibérica deve ser a porta de entrada dos países atlânticos da América Latina. Naturalmente que Uruguai tem vocação de ser porta de entrada para os países europeus na região.

Senhor Embaixador, agradecemos muito a disponibilidade com que Vossa Excelência acolheu a nossa proposta de uma entrevista e a forma esclarecedora como respondeu às nossas perguntas. Esperamos que este contacto se prolongue noutras iniciativas e que o nosso modesto blogue, aliado à boa-vontade da Embaixada do Uruguai, possa ser um factor para um melhor conhecimento recíproco. 

1 Comment

  1. Excelentes tanto as perguntas quanto as respostas dessa feliz entrevista com o Embaixador uruguaio. Quase uruguaia, nascida na fronteira, sinto-me orgulhosa do país vizinho e dos nossos amigos portugueses.
    E que se celebre sempre a amizade entre os povos. como aconteceu nesta oportunidade.
    abraço solidário

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