COM O LIVRO E OS FILME “OS MAIAS”, VIVER A LISBOA DOS FINAIS DO SÉC. XIX por Clara Castilho

Está neste momento em exibição o filme “Os Maias”, baseado no livro de Eça de Queirós, e realizado por João Botelho. Sabemos que o enredo se passa em Lisboa, na segunda metade dos séc. XIX, no Outono de 1875, e que nos conta a história de três gerações da família Maia.

 No momento, já mais de 60.000 pessoas viram o filme. Filme que tem sido selecionado para vários festivais: Rio de Janeiro, Roma e São Paulo (24 de Setembro a 8 de Outubro, 16 a 25 de Outubro e 16 a 29 de Outubro, respectivamente).

Porque o orçamento era curto, João Botelho decidiu que os exteriores, difíceis de recriar, seriam feitos com cenários, feitos em telas pintadas pelo pintor João Queirós, tendo sido todo filmado em interiores. O guarda-roupa da época é rigoroso. Insere, desde o início, o espectador neste artifício, ao mostrar os desenhos, as maquetas, o guarda-roupa e exponho a presença da figura do cantor de ópera Jorge Vaz de Carvalho,  que faz de narrador.

maias conj.

 

O livro de Eça de Queirós, é considerado um retrato, entre crónica de costumes e alta literatura, do Portugal da época em que foi escrito. Mas o realizador considera que o Portugal de hoje não é muito diferente. Para João Botelho, realizar este filme permitiu-lhe falar da raiva que hoje se sente.

Eça de Queiroz deu ao livro o subtítulo “episódios da vida romântica”, mas é mais considerado como uma tragédia. O “picante” para os leitores tem sido a transgressão moral, cometida por desconhecimento pelos dois personagens centrais — Carlos Eduardo e Maria Eduarda. Facto que, depois de conhecido, não impede que se repita. Este “incesto”, agora já  consciente volta a repetir-se no final do livro, em contraste com a educação rigorosa dada às personagens, que acedem aos fulgores da paixão em detrimento da moral. No ano de publicação do livro, 1888, a sua primeira edição foi de cinco mil exemplares!

Esta tragédia é-nos insinuada na descrição, no início do livro, do edifício familiar:

Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas janelas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de residência eclesiástica que competia a uma edificação dos tempos da Sra. D. Maria I; com uma sineta e com uma cruz no topo, assemelhar-se-ia a um colégio de Jesuítas“.

hotel central

Vejamos uma situação cheia de ironia, em que a poesia e os cozinhados são comparados: “Sempre queria que ele provasse este bacalhau! Já que me não aprecia os versos, havia de me apreciar o cozinhado, que isto é um bacalhau de artista em toda a parte!… Noutro dia fi-lo lá em casa dos meus Cohens; e a Raquel, coitadinha, veio para mim e abraçou-me… Isto, filhos, a poesia e a cozinha são irmãs!

Demos razão a João Botelho: O texto de Eça de Queiróz continua actual. Afonso da Maia fala sobre o nosso povo: “O português nunca pode ser homem de idéias, por causa da paixão da forma. A sua mania é fazer belas frases, ver-lhes o brilho, sentir-lhes a música. Se for necessário falsear a idéia, deixá-la incompleta, exagerá-la, para a frase ganhar em beleza, o desgraçado não hesita… Vá-se pela água abaixo o pensamento, mas salve-se a bela frase.”

Não será antes uma visão desiludida e fatalista de Portugal? O romance termina com o regresso, passados 10 anos, de Carlos da Maia a Lisboa, onde se reencontra com o seu amigo Ega. Este dir-lhe-á a memorável frase: “Falhámos a vida, menino!”. Esperemos não continuar a dizê-lo!

 

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