E AGORA, ANTÓNIO? – por ANTÓNIO GOMES MARQUES

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Falando das primárias do PS, temos de reconhecer, mesmo aqueles que sempre menosprezaram António José Seguro, que com este processo se criou uma nova forma de fazer política e se deu início a um caminho que terá de ser aprofundado, com estes partidos com representação ou não na Assembleia da República portuguesa ou outros que virão a ser criados, remetendo aqueles para uma representação mínima se não estiverem abertos a tal mudança.

O MDR – Movimento para a Democratização do Regime, no seguimento da sua constituição, falou com o PSD, representado por Jorge Moreira da Silva e Nilza Mouzinho de Sena, e com o PS, representado por António José Seguro, há cerca de um ano. As conversas versaram o Manifesto que viria a dar origem ao MDR, nomeadamente da necessidade de reformas profundas que, pensavam os seus promotores e assim continuam a pensar, exigem «… uma ruptura, que (…) passa por três passos fundamentais:

(…) por leis fundamentais transparentes e democráticas que viabilizem eleições primárias abertas aos cidadãos na escolha dos candidatos a todos os cargos políticos;

(…) pela abertura da possibilidade de apresentação de listas nominais, de cidadãos, em eleições para a Assembleia da República. Igualmente, tornando obrigatório o voto nominal nas listas partidárias;

(…) fundamental garantir a igualdade de condições no financiamento das campanhas eleitorais. O actual sistema assegura, através de fundos públicos, um financiamento das campanhas eleitorais que contribui para a promoção de políticos incompetentes e a consequente perpetuação do sistema.»

Curiosamente, a rejeição das propostas do MDR foram feitas pelos dois partidos usando quase as mesmas palavras, nomeadamente o facto de tais medidas virem a gerar ingovernabilidade, embora ambos tenham concordado que os partidos necessitariam de uma reforma profunda.

O PCP, o BE e o CDS não responderam ao pedido de reunião do MDR. No entanto, o PCP respondeu ao Manifesto de forma violenta e desonesta, manipulando, com a habilidade que aos seus dirigentes é reconhecida, o conteúdo do Manifesto; o BE, pela voz de Francisco Louçã, servindo-se da sua tribuna num canal televisivo, menosprezou o Manifesto nos termos habituais dos burgueses radicais bem colocados na vida.

Ora, seis ou sete meses depois das conversas com o PS e o PSD, António José Seguro, acossado por António Costa, apresentou um projecto de primárias, com anúncio de outras medidas que, no seu conjunto, são um remendo feito à pressa, em cima do joelho, do que o MDR havia proposto. Como não poderia deixar de ser, no MDR ninguém pensou que nas respostas ao ataque desleal, sem qualquer respeito mínimo pelos valores éticos, o então Secretário-Geral do PS se teria lembrado do conteúdo do Manifesto, mas atrevo-me a dizer que a amizade profunda que o liga a Álvaro Beleza e a defesa que este vem fazendo há mais de duas décadas das primárias é que o terão levado a propor o que o haveria de derrotar de uma forma clara.

Nas propostas que fez, admito que as primárias, que pecaram por não terem sido abertas, acabaram por constituir um êxito tal que dificilmente o PS de António Costa as eliminará no futuro, ou seja, vieram para ficar e os outros partidos, a começar pelo PSD e com excepção do PCP, terão de as assumir mais cedo do que os seus dirigentes pensam.

Mas o atabalhoamento das propostas de António José Seguro torna-se evidente quando propõe, para uma nova lei eleitoral, a redução do número de deputados para 181. Ora, como ele deve saber, o número de deputados da Assembleia da República Portuguesa, em comparação com países de população idêntica, é semelhante. Depois, mesmo mantendo a proporcionalidade, como ele referia manter-se sem explicar como, de modo a não eliminar os partidos mais pequenos com representação parlamentar, ao diminuir em 49 o seu número torna essa proporcionalidade bem mais problemática, mesmo com o círculo nacional, não tendo referido uma vez sequer, e julgo não estar enganado nesta afirmação, que os círculos eleitorais, para manter essa proporcionalidade, teriam de ser reformulados de modo a que cada um deles tivesse o mesmo número de eleitores. Ou seja, António José Seguro não sabia o que estava a propor nem as suas consequências, digo-o com pesar mas com a muita estima que por ele tenho.

Grave ainda foi esquecer-se de que há um militante do PS, Rui Oliveira Costa, que na sua tese de doutoramento versa precisamente a questão da nova lei eleitoral de que o país carece e que, curiosamente e se aprovada, diminuiria o número de deputados para 215, mantendo claramente a proporcionalidade e ainda tornando possível que outros partidos habitualmente concorrentes às eleições legislativas também conseguissem eleger deputados.

Mas ganhou António Costa e os órgãos de comunicação já nos informaram de que os lugares dentro do PS já estão distribuídos de harmonia com a proporcionalidade do resultados das primárias –tão amigos que eles são!-, e de que se reconhece «a necessidade de ser feito um esforço em torno do estabelecimento de ideias programáticas para uma proposta de programa de Governo, pelo que foi decidido que haverá um encontro entre os responsáveis da Agenda da Década de António Costa e os responsáveis pelo Laboratório de Ideias e de Propostas para Portugal (LIPP) e pelas conferências do Novo Rumo que foram organizadas pela Direcção de Seguro.» (Público de 2014-10-03).

Não sei se o processo será assim tão pacífico. António Costa foi escolhido por vários núcleos de interesses, que não serão convergentes. Os Fundos Estruturais vêm aí e todos estes grupos terão os seus facilitadores de negócios, embora António Costa tenha a seu favor a experiência de Jorge Coelho, que não terá regressado à política, embora ele diga que não, por mero acaso. E como vai António Costa respeitar o Tratado Orçamental sem agravar a austeridade? E como vai António Costa responder aos interesses financeiros que aprisionaram Portugal e a Europa? E a privatização das águas e da TAP? E o salário mínimo nacional cuja recente aumento só vigorará até ao final de 2015? E…? E…? E…?

Vai António Costa fazer a união da esquerda, com aquela esquerda de punho erguido que o seu apoiante Mário Soares claramente exigiu, o mesmo Mário Soares que nunca se uniu à esquerda nestes 40 anos de pós-25 de Abril a não ser na reunião da Aula Magna da Universidade de Lisboa?

Mas com que esquerda? Não será com o PCP, pois este partido vive agora um dos seus melhores momentos: a situação do quanto pior melhor que é a que lhe dá mais votos!

E como vai tratar António Costa os membros do PS que Paulo Morais tem referido?

Ou será que António Costa vai por fim concretizar a parceria com Rui Rio, a qual há mais de um ano não me sai do pensamento? O descrédito em Pedro Passos Coelho já ocupará o pensamento de milhares de votantes no PSD e a sua queda, o que seria sempre uma vantagem para Portugal e para os portugueses, poderá vir a acontecer antes das próximas eleições legislativas, o que escancarará a Rui Rio as portas que dão acesso ao poder no PSD. Seria um centrão mais inteligente mas não menos manhoso do que aquele que tanto mal fez ao país e que não deixará de fazer os ricos mais ricos e a larga maioria da população mais pobre ainda.

E agora, António? É a interrogação que dá título a este meu escrito e, contrariamente ao que alguns leitores possam pensar, a interrogação é feita a mim mesmo. Poderia responder que o povo português é avisado e capaz de fazer eleger um governo que levará Portugal pelo caminho da recuperação e que acabará por vencer a crise. Não acredito! Não serão as primárias do PS uma boa amostragem do tipo de eleitores que temos, que derrotam por uma larga margem um homem de mãos limpas, um homem que, além das propostas mal cuidadas mas bem-intencionadas e que facilmente se converteriam em boas propostas, anunciou como um dos próximos objectivos a luta contra a promiscuidade entre a política e os negócios? Ah, é verdade!, para quê legislar nesta matéria quando a justiça portuguesa nos demonstra que a corrupção em Portugal é residual e não será por não estar atenta pois, como podemos recordar, não há muito tempo que condenou um esfomeado por ter roubado uma embalagem de arroz ou um pacote de leite, ou ambos?, o que mostra a sua eficiência e eficácia!

Dos homens dizia Maquiavel que «são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores, arredios aos perigos, ávidos de lucro; e enquanto lhes fazes bem eles são todos teus, oferecem-te o sangue, os bens, a vida e os filhos, como disse acima, quando a necessidade está distante; mas, quando esta se aproxima de ti, revoltam-se, e aquele príncipe que se fundou totalmente nas palavras deles, encontrando-se despido de outros preparos, arruína-se. Porque as amizades que se adquirem por compra, e não por grandeza e nobreza de ânimo, recompensam-se mas não se têm e, a prazo, não se podem pagar. Os homens têm menos escrúpulo em ofender um que se faz amar do que um que se faz temer, porque o amor é mantido por um vínculo de obrigação, o qual, por os homens serem ruins, a qualquer ocasião de interesse próprio é rompido, ao passo que o temor é mantido pelo medo à pena, que não te abandona jamais.» (O Príncipe, edição de Diogo Pires Aurélio, C. de Leitores/Temas e Debates, Lx. 2008, pág. 192). O que, a ser verdade, justificaria a opção do eleitorado das primárias do PS.

Lá vem este com Maquiavel, um homem de moral tão duvidosa, dirá o leitor. Será, pergunto eu?. Pois é, então chamemos a atenção para Aristóteles, onde podemos assumir que os eleitores portugueses sabem bem o que fazer no momento da votação, escolhendo os melhores, pois estes assimilaram muito bem o que este filósofo grego nos ensinou: «É que quem pode usar o seu intelecto para prever, é, por natureza, governante e senhor, enquanto quem tem força física para trabalhar, é governado e escravo por natureza. Assim, senhor e escravo convergem nos interesses.» (Aristóteles, Política, Vega, Ld.ª, 1998, pág. 51). O senhor, desta vez, é António Costa. Veremos que outro(s) senhor(es) se lhe juntará(ão)!

Mas, António, não estejas tão pessimista. No próximo Domingo mais um partido vai ser fundado, o PDR – Partido Democrático Republicano, o qual não pode deixarImagem3 de satisfazer os subscritores do Manifesto do MDR dado que, nomeadamente, na sua declaração de princípios «O PDR defende a possibilidade de os cidadãos se candidatarem em listas próprias, fora de partidos e movimentos, a todos os órgãos políticos.» (Público, já citado). Uf!, não deixa de ser um sinal de esperança pois o caminho faz-se caminhando e, afinal, o Manifesto do MDR acrescentou algo de positivo à política portuguesa; no entanto, atenção, esperemos que o PDR não venha a defraudar as expectativas que, com tais princípios, está a criar. Uma coisa é certa, sobretudo depois da decisão de António José Seguro de avançar para primárias, a escolha futura de representantes do povo português terá de ser submetida a exames mais rigorosos, o que os princípios enunciados agora pelo PDR não deixam de nos levar a poder concluir que assim será.

Portela (de Sacavém), 2014-10-03

 

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