Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Situação comercial francesa em Abril de 2014
Yann, Situation commerciale française avril 2014
Blogue Le bondosage, 28 de Abril de 2014
E por bem pensar, é necessário ter as realidades bem presentes na nossa cabeça, porque só a realidade conta. As afirmações ou argumentos que não se apoiam em factos e em medidas concretas tornam-se rapidamente sofismas ideológicos. As medidas a praticar para que o nosso país possa libertar-se dos atuais constrangimentos deverão ter em conta a realidade do país para terem possibilidade de funcionar. E se nós desejamos que a França saia do euro e da UE, é imperativo conhecer as realidades do país. Sobre o tema, sobre a situação actual da França, um pequeno resumo que se apoia nos dados do INSEE e no Banco de França.
Aqui, no entanto gostaria de lembrar alguns princípios gerais que são para mim essenciais para a compreensão do que se segue. Se nós sairmos do euro para salvar a economia francesa, não devemos esquecer no entanto que esta saída é apenas um meio para nos permitir abandonar as políticas neoliberais em geral. Entendo por uma política neoliberal as práticas que partem do pressuposto que o Estado é inegavelmente um mau investidor e a intervenção pública em todas as suas formas representa uma má gestão da coisa pública . A ideologia a excluir é tanto a da escola de Chicago e de Adam Smith como a dos demagogos defensores da escola Austríaca de Hayek e companhia. A sua influência intelectual ofuscou completamente a compreensão macroeconómica contudo necessária a toda a boa política económica. Mas o que é então uma boa política económica ?
– Uma boa economia é uma economia que utiliza plenamente as suas capacidades humanas. O desemprego é um custo para a sociedade que o aceita. Viver com desemprego é viver debaixo do nível de vida que se poderia alcançar se todas as forças da nação fossem utilizados.
– Uma boa economia é uma economia que não expõe as suas contas externas aos desequilíbrios perigosos. O défice tal como o excedente são nefastos por múltiplas razões, entre as quais a dependência externa a um financiamento estrangeiro. O excedente não é melhor pois que coloca a nação em causa a a ficar exposta às políticas macroeconómicas de uma potência estrangeira. Uma boa economia deve reduzir no máximo a dependência no que diz respeito ao estrangeiro, e não aumentá-la. Assim pode-se considerar a taxa de abertura actual como sendo totalmente irresponsável e que retira ao povo uma qualquer possibilidade de escolher o seu próprio destino .
– Mais geralmente uma boa economia nacional é uma economia que garante o pleno exercício do poder democrático e, por conseguinte, no caso francês, que garante a soberania da população francesa.
– O pleno emprego no âmbito do equilíbrio das trocas externas necessita a utilização de todas as políticas possíveis a começar pela utilização da arma nuclear, utilização hoje quase impossível devido á irresponsabilidade dos homens políticos franceses que têm privado o estado francês deste direito real. Estas políticas incluem também as quotas e os direitos alfandegários progressivamente abandonados desde os anos 70.
– Uma boa política económica necessita também de uma luta obstinada contra as desigualdades excessivas que conduzem também a colocar em causa a democracia. Porque ninguém poderá ignorar que uma desigualdade que vê alguns indivíduos disporem dos meios de pagamento equivalente à milhares, ou até mesmo a milhões de outros seus cidadãos, produz inevitavelmente a corrupção e a perda da democracia.
– Uma boa economia não procura em nenhum caso prejudicar a iniciativa privada. Deve mesmo incentivá-la através de políticas públicas de investimento. A oposição artificial que alguns criam entre a lógica empresarial e a lógica estatal é de resto totalmente inverosímil dado que não poderá haver desenvolvimento de empresas sem a estabilidade e a confiança que cria um estado moderno. Os nossos amigos russos sabem algo dado que a dinâmica empresarial só foi possível retomar quando o estado passou a assegurar de novo as suas funções reais. O estado está igualmente lá para garantir a satisfação do interesse geral e o boa marcha da actividade económica que não se pode obter simplesmente pela força dos mercados. A auto-regulação não passa de uma fábula irrealista.
A situação comercial francesa
Os números do Insee têm de estar necessariamente em atraso sobre a realidade do país. Temos acesso aos dados dos média de 2012 como último indicador preciso, em 2014. Mas os dados sobre o longo termo não mudam tão rapidamente e tanto quanto não há infelizmente nenhuma mudança de direcção recente quer seja sobre a taxa de câmbio ou sobre a política macroeconómica do país. A austeridade sucede à austeridade. O que se constata sobre este primeiro gráfico muito importante é que a degradação geral da balança comercial está em sintonia com a passagem do dólar para um nível inferior à 1,1 dólar contra um euro. Desde 2003 a balança comercial francesa está em défice. A evidência da influência da taxa de câmbio é imediata. Contudo, é necessário efectivamente ver que são várias as razões que causam esta degradação. A primeira que aparece frequentemente nos comentários é a energia. E, efectivamente, a energia representa uma parte muito importante da degradação da nossa balança comercial. Os oponentes da saída da moeda única estarão por conseguinte numa boa situação para declarar que a saída do euro e a desvalorização amplificarão o nosso défice comercial aumentando o custo da energia importada. Se o raciocínio é em parte exacto, com ele esquece-se contudo de assinalar que uma boa parte do custo do petróleo está ligada às taxas praticadas em França. A TICEP (taxa interna sobre o consumo de produtos energéticos) em 2013, situava-se 0,4284 € por litro de gasóleo e de 0,6069 € por litro de gasolina sem chumbo 95 e 98. (fonte Wikipedia)
Evolution du taux de change entre l’euro et le dollar.
Por outro lado se estudarmos a evolução da balança comercial da energia na França torna-se imediato e muito rapidamente que a sobre-avaliação do euro não nos protegeu da degradação. Mais estranho ainda parece que há uma não-correlação entre a evolução do preço do petróleo e o do seu consumo na França. Assim a queda do preço do barril em 2008, preço que o barril ainda não tem voltou a ter , não provocou uma baixa do nosso défice. É ainda tanto mais notável que além disso o euro tem estado sempre a um nível muito elevado 1,38 dólar para um euro actualmente. Pode-se fazer a mesma observação com a evolução do preço do gás. Esta observação é contra-intuitiva e contradiz os raciocínios simplistas de causa à efeito que são frequentemente utilizados na matéria, mas os factos estão aí e são o que são. Apesar da baixa do preço do barril e da sobre-avaliação monetária, a balança comercial energética francesa continuou a degradar-se. A saída do euro teria então os efeitos esperados pelos partidários do euro? É difícil dizê-lo, mas pode-se contudo aqui objectar que em todo caso é necessário parar de consumir petróleo. E que uma política energética eficaz necessita da utilização máxima de todas as alavancas do poder estatal. O investimento nas energias alternativas (tório, renovável ou outro) bem como a redução do consumo nacional pela melhoria da eficácia energética e pela mudança dos comportamentos de consumo.
Evolution du prix du baril de pétrole depuis 2003
Evolution du prix du gaz.
A outra curiosidade relativa a esta explosão de consumo energético não coberta pela nossa produção nacional é a que se realiza no momento em que o parque automóvel francês se reduz. Se o facto de que a indústria francesa do automóvel está em vias de desintegração devido ao euro e à livre-troca é um facto bem conhecido, o facto que as vendas de automóveis em geral se estejam a reduzir é menos conhecido. Na verdade o número de veículos novos no mercado francês actual pesa tanto quanto em 1986! Os automóveis usados, de ocasião, aumentaram muito pouco desde 86, passando de cerca de 4 milhões de veículos matriculados por ano à 5,2 milhões. Recordo mesmo assim que a população francesa no mesmo período de tempo passou de 56 milhões para 65 milhões de habitantes. Não se poderia descrever melhor o declínio da economia física real ou seja fora das ilusões contabilísticas. É uma evolução de resto menos terrível que a dos EUA onde se verifica uma hecatombe.
Evolution du nombre d’immatriculations de véhicule en France (Insee)
A França não é o único país a afundar-se.
Eis-nos por conseguinte em frente de um mistério. Os Franceses têm menos automóveis por pessoa e em volume. O desemprego aumenta, o consumo estagna, mas a balança energética degrada-se então e mesmo isso com o euro a um nível elevado. Poder-se-ia por conseguinte pensar que a mundialização e a desindustrialização sejam os responsáveis por este aumento do consumo energético em período de escassez? É que é necessário energia para poder importar e fazer rolar todos estes camiões. A UE na incapacidade de ter multiplicado o crescimento multiplicou as trocas. É aqui que se vê efectivamente que não é o comércio que está na origem do enriquecimento dos nossos países dado que apesar de uma explosão das trocas na Europa o crescimento diminui e a ineficácia energética instala-se pelo simples facto de que afastamos cada vez mais o produtor do consumidor. Estamos verdadeiramente na sociedade do desperdício pura dado que consumimos cada vez mais energia para termos menos que ontem. Evidentemente esta realidade esconde uma divisão injusta da riqueza. Fazer movimentar as mercadorias permite sobretudo fazer mexer a divisão da riqueza a favor do capital. Poderia-se por conseguinte afirmar aqui que é provável que a desvalorização e a aplicação de barreiras proteccionistas teria a sobretudo como efeito a melhoria da utilização da energia. E porque não fazer baixar o valor da nossa factura energética melhorando ao mesmo tempo as nossas condições de vida? Movam menos, mas movamo-nos melhor. Além de ser socialmente melhor, o proteccionismo e a regulação comercial permitiriam também desperdiçar menos energia.
La désindustrialisation française (Insee)
O segundo factor de degradação da balança comercial francesa é evidentemente a indústria. Uma degradação que, é bem necessário dizê-lo, tinha já começado antes do euro e da sua sobre-avaliação mas esta última acelerou consideravelmente as coisas. É que a desvalorização não é uma arma muito eficaz contra países de muito baixo rendimento como é o caso da China. A desvalorização tem efeito apenas contra países de nível de vida mais ou menos comparável. Contra a China é necessário quotas e direitos alfandegários. O abandono de Alstom é apenas a interminável continuação da destruição sistemática do nosso tecido industrial. Saúdo, de resto, e de passagem o texto recente de Bernard Conte que descreve extremamente bem o impasse no qual estão as soluções potenciais para se sair deste drama. Como diz ele próprio afirma a França assemelha-se cada vez mais a uma economia de um país do terceiro mundo. A França exporta matérias-primas e importa produtos acabados. Corrigirei contudo reafirmando que se trata aqui de uma realidade que atinge em graus diversos a totalidade dos países antigamente industrializados. A ilusão monetária e a finança actuam como um ecrã de vidro fumado que impede os seus actores de visualizarem realmente o que se está a passar.
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Ver o original em:
http://lebondosage.over-blog.fr/article-situation-commerciale-fran-aise-avril-2014-123471716.html