MITO & REALIDADE – Terror e Morte em Lisboa – 37 – por José Brandão

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E, como que a avisar os que em 1921 vão decidir eliminá-lo, afirma para João Chagas:

– Ah!, meu querido amigo. Não se perde de momento o hábito de conspirar. Os homens que um dia entraram numa revolução e triunfaram não conhecem outro meio de repressão.

Mas, em 1911, a dez anos de distância, José Carlos da Maia parecia saber qual ia ser o desfecho da sua vida de inconformado:

– Quantos sofrimentos me estarão reservados! Valerá a pena teimar? A minha revolta há-de originar contra mim as más vontades de todos e daí o aniquilamento e talvez o exílio. Qual será o futuro que me espera?

A 19 de Outubro de 1921 o Dente de Ouro responderá a esta incerteza.

Ainda no que respeita a opiniões sobre o andamento que estava a ser dado à República vale a pena mostrar o que se segue.

Em Outubro de 1911 o jornal O Intransigente deu a conhecer uma recolha de opiniões a que chamava:

INQUÉRITO AOS HOMENS QUE FIZERAM A REPÚBLICA

O jornal pretendia saber o que pensavam os principais obreiros da Revolução, passados que estavam os doze meses de estreia do novo regime.

Entre as várias perguntas sobressaía a que questionava os revolucionários da seguinte forma:

– E agora, o que pensa sobre a República?…

Responderam assim:

Porfírio Rodrigues, esteve em Artilharia 1 e na Rotunda:

– Escreva com todas as letras, porque com todas as letras tinha muito prazer em pôr o meu nome por baixo do que vou dizer… Escreva: Se eu soubesse que a República que tinha idealizado era a porca que me saiu, não me tinha arriscado, não me tinha sacrificado, como me sacrifiquei…

– Escrevo porca?…

– Porca, porquíssima e eu ponho o meu nome por baixo.

Franklim Lamas, esteve no Quartel de Alcântara e na Rotunda:

– Agora é tudo diferente do que eu julgava… É uma República do avesso… Voltaram-na, como um alfaiate volta um casaco… Sei que é a minha, mas não a conheço… Defeito dela? Não. Más artes dos alfaiates que ma viraram do avesso.

Dias dos Santos, esteve em Infantaria 16 e na Rotunda:

– Se isto não mudar, se não conseguirmos fazer uma República, como a que eu sonhava, uma República que não é esta que o Governo Provisório nos arranjou, em que os que fugiram são os que abicham e os que se governam, e os que lutaram, os que se bateram, os que se sacrificaram, são os escorraçados, os perseguidos… se isto não mudar, até à morte hei-de ter remorsos de ter cumprido o meu dever, de me ter batido.., de não ter feito como os outros…

Abreu Castelo, chefe revolucionário civil do Beato, comandou importantes acções de vários grupos civis espalhados pela zona Oriental da cidade

– Já sou velho… Há muito que conheço e lido com os homens… Sempre pensei que ela seria para os que por ela menos fizeram, mas o que nunca pensei é que fosse tão grande a ingratidão para os que, se mais não fizeram, foi porque mais não podiam… Uma desgraça… um pavor… uma verdadeira desilusão… Se soubesse que ela havia de ser assim!… Mas quem me dera morrer por ela ainda.., para a fazer como ela devia ser… ou para a defender mesmo assim como ela é…

Humberto Ataíde, cadete da Escola do Exército, esteve na Rotunda:

– A primeira desilusão tive-a ao ler os nomes que formavam o Governo Provisório. Desilusão e pressentimento: começa por bambúrrio, equilibra-se com asneiras, como diabo irá esbarrondar-se isto tudo, se não lhe acodem? E estou à espera que lhe acudam.

Ribeiro Gomes, cadete do Exército, esteve na Rotunda:

– Que diabo, nós que sempre fomos republicanos, devemos ter a coragem de dizer que estamos mal, muito mal, muitíssimo mal: egoísmo, personalismo… e a respeito de política republicana.., muito pouco, quase nada.

Pires Pereira, tenente de Caçadores 6, esteve na Rotunda:

– Está muito longe de ser o que eu, em todos momentos da minha vida, sonhava que seria o meu ideal. Mas é esperar, que com o andar dos tempos, a realidade se venha a aproximar do sonho…

Gomes de Carvalho, chefe revolucionário civil:

– Se pudesse desmanchava-a para fazer a República que eu julgava que esta seria… E que tinha obrigação de ser… porque não foi para isto que se sacrificaram vidas, que se derramou sangue…

Júlio Campos, esteve em Infantaria 16 e na Rotunda:

– E agora, a respeito da República, temos conversado!… Estamos quase na mesma…

Júlio de Andrade, revolucionário civil, esteve em Alcântara:

– Pois eu, por essa que os políticos para aí arranjaram, chego a ter pena de haver arriscado o pão dos filhos… Por isso que aí se vê… se soubesse que seria o que é… não arriscava nem uma noite de sono…

Pereira Cacho, chefe revolucionário civil:

– E depois, que diabo, para quê?… Para que se bateu tanta gente? Por mim o digo: Não foi para uma República burguesa e unitária que eu trabalhei com os meus camaradas…

Luís Pessoa, sargento de Infantaria 5, esteve em Artilharia 1 e na Rotunda:

– Nunca fui levado pelos homens, mas ainda assim, embora não esperasse milagres, esperava que tudo corresse melhor…

Piçarra, cabo de Infantaria 16, esteve na Rotunda:

– Não é nada do que eu queria. Esta não é a nossa República.., esta é outra…

Costa Lima, sargento marinheiro, esteve no Adamastor:

– E agora estou muito satisfeito com a República, mas pouco, muito pouco com os republicanos…

Vitorio Santos, revolucionário civil, esteve em Alcântara:

– É preciso fazer outra. Faço justiça aos homens, mas tendo-se feito muito, é preciso fazer muito mais…

Armando Barata, alferes da Armada, esteve em Alcântara:

– A República é a República, mas só será grande, só será nossa, quando os que menos fizeram deixarem de ser os que mais querem… e mais conseguem…

Ricardo Moreira, sargento da Armada, esteve em Alcântara:

– Que digo? Digo que me sinto ludibriado pelo senado e pela presidência, de que nunca me tinham falado nos comícios. Esse governo provisório.., esse governo provisório.

José Rodrigues, sargento da Marinha, esteve no Adamastor e no S. Rafael:

– Muita léria, muito papel e poucas obras. Não tem correspondido ao que os marinheiros dela esperavam…

Manuel Joaquim, marinheiro fogueiro, esteve no D. Carlos:

– Qual República? Nós não temos República.., são os mesmos… só mudaram a bandeira… República assim não me quadra. E raios me partam se ainda não hei-de fazer outra…

José Malta, marinheiro artilheiro, esteve no S. Rafael:

– Com a República estou contente… mas com os homens que têm o bolo na mão…

Joaquim Coelho, marinheiro despenseiro, esteve no D. Carlos:

– A mim escusa de perguntar; lembra-me tudo… mas do que me lembra também é que fui muito tanso em pensar que lá por a gente ter dado uns tiros, estas coisas mudavam… É o mudas… pois não mudaste!…

Bento Vaz, soldado de Artilharia 1, esteve na Rotunda:

– A República não é nada daquilo que eu pensava e se soubesse que era para isto… não era o filho do meu pai que arriscava a pele… Mas fique-se com esta: e lhe bulirem, se a quiserem deitar a baixo, quatro peles que tivesse, arriscava-as outra vez…

Matias dos Santos, sargento de Artilharia 1 esteve na Rotunda:

– A impressão desses dias?… Pois olhe: Que não me torno a ver noutra, porque os que nos meteram na dança foram os primeiros a abalar… E lá da República, que tanto nos custou a fazer… Sabe?… Nunca pensei que me desse mais trabalho a defendê-la do que a proclamá-la… E… e…

Laurindo Vieira, sargento do Exército, esteve na Rotunda:

– E da República que há de dizer?… Coisas boas… coisas más, mais as más do que as boas… Não a imaginava assim…

Lobo Pimentel, sargento de Artilharia 1, esteve na Rotunda:

– É claro que não é nada disto. Anda tudo atrás dos Homens em vez de seguir e de trabalhar pelas Ideias… Está claro que não é nada disto que nós queríamos.

Silva Rego, sargento, esteve na Rotunda:

– E a respeito da República, temos conversado… Não é a que todos nós queríamos…

 

 

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