UM DEPRIMENTE RELATO DA MINHA ESTADA EM FLORENÇA, por BILL MITCHELL – II

Falareconomia1Selecção, tradução e nota introdutória por Júlio Marques Mota

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Um deprimente  relato da minha estadia em Florença

Bill Mitchell, A Depressing Report from Florence

Billy Blog, 24 Novembro de 2014

(continuação)

Mas haverá alguma receita para que as  mais importante políticas sejam subcontratadas pelos tecnocratas e pelos  políticos egoístas na Comissão Europeia? Especialmente, quando esse sistema assumiu  um nível tão elevado de incompetência – como é evidente todos os dias nos dados que  Eurostat publica .

O desemprego em massa está para durar e por décadas. Perdem-se diariamente enormes massas de rendimento nacional, [uma vez que não se produz, que se desperdiçam os recursos humanos e materiais]. Os bancos estão fragilizados e não estão seguros. Os mercados do imobiliário estão em colapso. É crescente a desigualdade no rendimento e na riqueza. O crescimento está estagnado ou  está mesmo em recessão (desde há  7 anos). Deflação! Cresce fortemente a instabilidade social. A  extrema-direita é politicamente cada vez mais dominante  (de novo!).  A pobreza tem crescido fortemente. As infra-estruturas públicas degradam-se.  Florença, por exemplo, está em  muito pior estado do que quando eu por aqui passei, antes da crise  (onde se sente uma forte degradação do ambiente urbano,  etc).

E os cidadãos comuns não são já  capazes de comprar penicilina nalgumas nações, por causa dos ataques de austeridade sobre  o sistema público de saúde.

Os centralizados burocratas e políticos que têm supervisionado esse desastre dificilmente são capazes de fazer com que a nação volte a ter  confiança em si-mesma.

Tudo indica que há uma enorme e desesperada necessidade  de se formar uma  nova força política à esquerda para  substituir  os partidos tradicionais. Eu conversei com  uma economista grego,   aspirante a político de relevo na Grécia, na mesa redonda em que participámos  ( eu não vou mencionar o seu nome dado os  seus objectivos políticos nesta fase) que pensa exactamente de acordo com estas linhas – uma nova força política  é necessária para quebrar o domínio do mainstream e contestar a legitimidade de Bruxelas/Frankfurt/Washington.

Os políticos nacionais e todos os seus apaniguados, apoiados no pensamento económico dominante,  têm-se comportado  como macacos submissos  à Troika. Eles  têm-se preparado  e mostrado disponíveis para  venderem  os  interesses nacionais, os   dos seus  próprios  países,  a preço de saldo e por objectivos não só completamente inúteis como ruinosos,  de maneira a  ficarem  bem na fotografia com a Troika.

O moderador do meu painel que também deu um tempo  desproporcionado ao  vice-presidente do BCE Vítor Constâncio e em  que este andou à volta da ideia habitual que o BCE tomou conta da situação, ficou  um pouco surpreendido  com o facto de que o BCE  tinha consistentemente errado a sua meta de inflação no ano passado (2 por cento) devido a ter sobrestimado a taxa de  inflação verificada .

Interessantemente, Constâncio então admitiu  que a zona Euro enfrentava agora uma situação deflacionária – isto é, inflação negativa. Eu leio as publicações do BCE (discursos, notas de imprensa, etc.) à medida que elas são publicadas e o BCE não admitiu ainda nada disto. Falam sobre os perigos da deflação e da necessidade de levar a que  a taxa de inflação se situe  na vizinhança da meta estabelecida mas nunca admitiram que a actual  situação é de deflação – o que significa simplesmente que eles verdadeiramente falharam.

Agora, verdadeiramente, Constâncio  não disse – a zona euro está em  deflação. O que ele disse foi que as estimativas do deflator (uma medida do índice de preços do consumidor) sobreavaliam a taxa de inflação verificada devido a um número de razões bem conhecidas. Por isso, quando a estimativa da taxa de inflação anual aponta para valores inferiores a 1%, então a taxa de inflação verificada é muito provavelmente negativa, ou seja, existe deflação.

Eurostat estima actualmente –  http://epp.eurostat.ec.europa.eu/cache/ITY_PUBLIC/2-14112014-BP/EN/2-14112014-BP-EN.PDF-        que a taxa de  inflação da zona euro é de  0,4 por cento.

Estamos à  espera  que  o BCE venha agora formalmente anunciar que há deflação na zona euro e que os seus altos funcionários, incluindo o Vice-Presidente,  se demitam  como resultado da  sua incapacidade em  cumprirem com os principais objectivos do que são as funções do BCE.

Surpreendentemente, não havia nenhuma grande caixa nos jornais italianos  que estavam  a cobrir  a mesa-redonda sobre esta posição assumida por Vitor Constâncio.

Constâncio também alegou que uma das vantagens de flexibilização quantitativa (QE) era que esta  iria empurrar a taxa de inflação e com um crescimento muito  moderado dos  salários nominais (leia-se estagnados), isto  levaria à queda dos salários reais, o que poderia estimular o crescimento. Eu, pessoalmente,  considerei esta parte da sua intervenção mais nojenta  do que tudo o  resto que foi em média muito mau.

Num outro painel, a conversa virou-se para o comércio. Fomos informados por vários EU/OCDE e académicos neoliberais que o principal problema eram os desequilíbrios comerciais. Se estes fossem invertidos, então voltaria a haver crescimento.

É realmente um argumento extraordinário. O economista alemão Daniel Gros  que é o Director do Centre for European Policy Studies (CEPS) apresentou este argumento de forma  mais eloquente. Mas este esqueceu-se, convenientemente, de mencionar o grande elefante que   estava na sala com a prole dos seus acólitos!

Daniel Gros  observou correctamente que a maneira de defender a posição alemã  é argumentar  que os seus  excedentes externos, e estes  são actualmente cerca de 7 por cento do PIB,   foram menores do que  os excedentes verificados na Suíça e na Holanda, por exemplo. O chamado Macroeconomic Imbalances Scoreboard (MIP) – introduzido pela Comissão para detectar  “possíveis desequilíbrios” como parte de seu “sistema de alarme “, dita que um défice na balança  corrente de 6 por cento é o limite, para além do qual se considera estar  perante um desequilíbrio.

Este quadro é outro exemplo de se ter perdido a visão do que é  que deve ser o papel do governo. Na minha apresentação no painel  argumentei que o governo não existe para equilibrar um orçamento ou para satisfazer uma outra qualquer  regra financeira.

E é assim, porque “a sustentabilidade das finanças públicas” é  um objectivo separado uma vez  que  a política orçamental  deve estar  sempre ao serviço da prosperidade, o que exige pelo menos que se alcance o pleno emprego e a  estabilidade ao nível dos preços, pelo menos isto.

Se uma rígida regra orçamental  ou uma outra regra comprometer a capacidade de um dado governo promover o crescimento sustentado do emprego, então as regras são inapropriadas. Os parâmetros de política económica têm de ser suficientemente flexíveis para cima e para baixo para assim permitir que um governo mantenha os níveis adequados de despesa total  na economia.

O MIP é apenas mais um exemplo da rigidez que as elites da União Europeia impõem  para encobrir o facto de que o seu objectivo não é a prosperidade generalizada de todos, mas é sim a prosperidade daqueles que capturam a sua capacidade de decisão – banksters, etc.

O “Macroeconomic Imbalance Procedure” está integrado no chamado ‘Six-Pack’ e expõe os inerentes enviesamentos anti-populares  que dominam a elaboração de toda a política europeia.

O objectivo declarado do  mecanismo de vigilância do  MIP tem como função “identificar os riscos potenciais logo no início e assim  evitar o aparecimento de desequilíbrios macroeconómicos prejudiciais e corrigir os desequilíbrios já existentes”.

O assim chamado  MIP Scoreboard utiliza dez indicadores de ‘alerta’ que fornecem informações sobre “desequilíbrios macroeconómicos e perdas de competitividade” que são fáceis de calcular e de comunicar. Os valores de limiar (positivos e negativos) são fornecidos para se avaliar quando é que estamos perante um desequilíbrio.

(continua)

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Ver o original em:

http://bilbo.economicoutlook.net/blog/?p=29550

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Para ler a Parte I desta informação de Bill Mitchell sobre a mesa-redonda de Florença, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas vá a:

http://aviagemdosargonautas.net/2014/12/13/um-deprimente-relato-da-minha-estadia-em-florenca-por-bill-mitchell-i/

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