A CHACINA SOBRE CHARLIE HEBDO NO CONTEXTO DA CRISE EUROPEIA – 3. A REVOLUÇÂO ISLAMITA, por IVAN BLOT

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Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

A chacina sobre Charlie Hebdo no contexto da crise europeia.

3. A REVOLUÇÃO ISLAMITA 

Ivan Blot, LA RÉVOLUTION ISLAMISTE

Revista Metamag, 10 de Janeiro de 2015

 charlie hebdo - ICartaz de propaganda saudando o papel da mulher na revolução.

O recente atentado de Paris contra o semanário satírico esquerdista Charlie Hebdo coloca a revolução islamita mundial em  primeiro plano na actualidade. Porque o movimento terrorista que se quer de inspiração religiosa é antes e sobretudo um movimento revolucionário. Este movimento insurge-se contra as democracias ocidentais que considera como ímpias porque materialistas e decadentes sobre o plano dos costumes. Utiliza para isso a via da violência da mesma maneira que qualquer revolução. Os seus dirigentes são intelectuais, frequentemente formados no  Ocidente, e os executantes são desenraizados. É um fenómeno cultural que não tem nada a ver com a riqueza ou a pobreza.

O islamismo é um movimento revolucionário

O Ocidente tem muita dificuldade em compreender o que acontece porque vive murado nas suas próprias certezas. O filósofo Heidegger baptizava este autismo “o esquecimento do ser”. O Ocidente ele mesmo segregou várias revoluções, incluindo a revolução francesa, a revolução bolchevique e a revolução nazi. Estas revoluções quiseram purificar a sociedade dos seus “inimigos” e criar um homem novo pela força. Deste ponto de vista, os terroristas islamitas não são diferentes na sua essência dos terroristas da revolução francesa, de Robespierre, de Barrère, o inspirador do genocídio de Vendée e daqueles que estiveram à frente na  revolução bolchevique.

A sua psicologia foi dissecada de maneira notável por Dostoïevski no seu livro “Os Possessos ”. A religião é uma característica adicional: Robespierre era deista, Lénine era ateu e Ben Laden era muçulmano. Todos eram revolucionários e todos eles desejavam decapitar os seus inimigos: que o instrumento seja a guilhotina ou o sabre não altera nada à questão. Os Ocidentais indignam-se e com razão de ver cristãos decapitados no Iraque mas esquecem-se que a guilhotina funcionou em pleno rendimento na França entre 1792 e 1793, em nome, então, da República francesa!

A teoria dos nossos três cérebros, reptiliano e instintivo, mamífero e afectivo, racional e especificamente humano, explica bem a deriva do fenómeno revolucionário para a crueldade. O revolucionário faz calar o seu cérebro afectivo que o conduz normalmente a respeitar o seu semelhante. Liberta-se então do constrangimento moral o seu cérebro reptiliano que controla nomeadamente a sua agressividade e violência. O cérebro racional serve então para justificar por um discurso ideológico (político ou religioso, pouco importa) os impulsos do cérebro reptiliano. É por isso que o criminoso revolucionário é frequentemente um intelectual desprovido de sentimentos e humanidade mas cheio de fortes instintos como os personagens de Verkhovenski e de Stavroguine no romance “os Possessos” de Dostoïevski.

A dialéctica da história é tal que as revoluções se encorajam por oposição ou por imitação. Hitler teve a ideia da sua revolução nacional socialista observando a revolução comunista. Os bolcheviques viviam na imitação da Comuna de Paris e do Terror jacobino. O que anima o revolucionário islamita é o seu ódio ao Ocidente. Este ódio é reforçado pelo facto que este Ocidente não cessou desde os anos 60 de lhes negar sempre e cada vez mais as suas tradições, numa mesma linha ideológica, racionalista no sentido limitado do termo, que vai das Luzes a Maio de 1968.

A revolução islamita não apareceu por geração espontânea. O seu fundador é Sayyd Qutb, intelectual (jornalista) egípcio, nascido em 1906 e enforcado em 1966. Hostil ao ensino corânico recebido na sua juventude e hostil à monarquia egípcia, por conseguinte à tradição, partiu para os Estados Unidos em 1948 a fim de estudar as escolas americanas. Ele considerou este país como fortemente individualista até à náusea e espiritualmente vazio. Pôs-se então a temer a colonização ocidental devido às suas consequências ideológicas. Em 1952, é membro dos irmãos muçulmanos que ajudam o exército a derrubar a monarquia mas é preso aquando do atentado falhado contra Nasser em 1954. Qutb é encarcerado,  depois enforcado em 1966. Como Hitler, escreve os seus livros na prisão “Fi Zilaal Al Quraan” (à sombra do Alcorão) e Maâlim fi Tariq (Passos sobre a estrada). Ele denuncia a Jahiliya (ignorância do Islão autêntico). Acusa a ditadura das leis humanas (taghout) incluindo as leis democráticos que se opõem às leis de Deus. Considera que é necessário guiar as massas a saírem da ignorância e do complot dos judeus.  (Ver Mystique et politique. Lecture révolutionnaire du Coran par Sayyid Qutb; presses de la FNSP et éditions du Cerf 1984). Porque é que esta leitura revolucionária do Alcorão, retomada pelos intelectuais radicais que são o multimilionário árabe wahhabite Oussama Ben Landen e o doutor egípcio Ayman al-Zahouahiri, teve um tal sucesso para fundamentar ulteriormente os chefes de guerra locais e os jovens, incluindo os dos nossos subúrbios?

O apoio inicial dos Ocidentais aos Islamitas revolucionários

À partida, Ben Laden é utilizado pela CIA contra os soviéticos no Afeganistão. O presidente americano Carter teria assinado uma directiva de apoio a 3 de Julho de 1979; a 15 de Março de 1995, o presidente Bill Clinton declara: “os valores tradicionais do Islão estão em harmonia com os melhores ideais do Ocidente”. O presidente americano confunde visivelmente a tradição do Islão com a sua leitura revolucionária feita pelos novos islamitas. A ruptura dos Americanos com Ben Laden intervém em 1998; Al Zahouahiri conheceu Ben Laden na luta anti-soviética apoiada pelos serviços secretos americanos no Afeganistão. É o número 2 de Al Qaida e escritor ideólogo discípulo de Sayyd Qutb. Ameaça duas vezes a França, a 3 de agosto de 2009 devido à lei sobre o véu islâmico e à posição francesa em relação a Israel. Recomeça a 7 de Abril de 2013 devido à intervenção francesa no Mali. Como se vê, as ameaças de atentados na França não datam de ontem.

Para além da cegueira dos Ocidentais face aos islamitas revolucionários (acolhimento do imam Khomeini em França por Giscard de Estaing; apoios indirectos aos islamitas na Líbia e a Síria, eliminação do laico Saddam Hussein que abrirá a via ao EIL no Iraque, etc.), o sucesso dos islamitas nos jovens dos países muçulmanos assim como nos meios imigrados na Europa resulta em parte das carências da sociedade ocidental em ser capaz de dar um sentido à vida num mundo entregue ao materialismo e ao individualismo mais vulgar.

O Ocidente abandona as suas tradições morais e espirituais

Qutb inventou a sua revolução islamita na sequência da sua visita aos Estados Unidos que o chocaram pela imoralidade aí presenciada. O filósofo Heidegger mostrou que o mundo ocidental era dominado por um materialismo utilitarista de que se desenvolveram três tipos: a versão comunista, a versão nazi e a versão americano-ocidental. Em face das críticas que dizem que politicamente estes regimes eram muito diferentes, ele respondeu que isso era verdade sobre o plano político mas não sobre o plano metafísico. Aos valores tradicionais de Deus, da pessoa humana, das raízes e dos ideais, o Ocidente preferiu a idolatria do ego, das massas, da técnica e do poder, principalmente ligados ao dinheiro. Como Dostoïevski o mostrou nos “ Irmãos Karamazov”, o Ocidente, de acordo com o guia espiritual  Zosime, desenvolveu uma liberdade centrada no egoísmo materialista e na multiplicação das necessidades. Desenvolveu, a partir da igualdade, uma ideologia do nivelamento e do sentido gregário e, por fim, a sua fraternidade passou a assumir uma expressão mafiosa e imoral. Liberdade, igualdade, fraternidade, esta nobre divisa tornou-se na prática: vaidade, crueldade e venalidade. Esta crítica é em parte verdadeira e explica a sede espantosa mas real de espiritualidade, compromisso e heroísmo dos revolucionários muçulmanos mergulhados numa sociedade sem ideal e hedonista. Mas como o tinha muito bem visto Dostoïevski, este empenhamento militante “é maldito porque é cruel”.

charlie hebdo - II

O Ocidente pensa desembaraçar-se do islamismo basicamente pela repressão policial e militar. Esta acção repressiva é essencial e deve fazer-se graças à uma cooperação internacional mais vasta. Excluir grandes países como a Rússia desta cooperação seria um erro muito grave. É necessário e urgentemente aproximar a Europa Ocidental da Rússia e os Americanos devem considerar esta aproximação como favorável e não como desfavorável aos seus interesses de longo prazo. Não há alternativa, especialmente devido à ameaça revolucionária islamita.

Contudo, a acção repressiva nunca impediu por si só a revolução francesa de triunfar ou ao comunismo de se impor a um  terço da humanidade. A repressão contra uma revolução não chega, e é sempre assim.

Em profundidade, a revolução islâmica perderá o seu poder de atracção no dia em que as tradições religiosas, patrióticas e familiares estiverem outra vez dignificadas, não somente na Rússia mas também na Europa ocidental e na América. O movimento de destruição das tradições a decorrer a Ocidente desde os anos 1970 tem criado as condições objectivas do sucesso islamita junto de muitos jovens. O culto tradicional de Deus limita os egoísmos individuais, a prática exemplar dos valores morais reforça a personalidade e impede  as manipulações de massa. As raízes familiares e patrióticas com uma educação cívica e militar como se fazia anteriormente criam um envolvimento afectivo onde a Djihad perderá então muitíssimo da sua sedução. As leis de acordo com a lei natural limitam a criminalidade, a qual quintuplicou no Ocidente desde os anos 60. O Ocidente que se quer revolucionário sobre o plano dos costumes aplica sem se estar a dar conta a frase de Dostoïevski: “se Deus não existe, então tudo é permitido”.

A revolução dos costumes e da cultura dos anos 1970 no Ocidente tem alimentado o islamismo revolucionário em muitos indivíduos das jovens gerações, pelo desgosto que provoca nos povos enojados pelas elites excêntricas. Para drenar a revolução terrorista islamita, não é suficiente reprimir porque é necessário também ganhar os corações e saber sair do materialismo ambiental. A aposta não está ganha!

Ivan Blot, Revista Metamag,  LA REVOLUTION ISLAMISTE,  10/01/2015. Texto disponível em:

http://www.metamag.fr/metamag-2558-LA-REVOLUTION-ISLAMISTE.html

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