Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Em Atenas , « uma força irresistível defronta-se contra um objecto imóvel” : Bruxelas.

Enquanto que as discussões entre os ministros das Finanças, membros do Eurogrupo e o governo de Alexis Tsipras parecem estar bloqueadas, as duas lógicas parecem irreconciliáveis.

Por Marica Frangakis*, À Athènes, «une force irrésistible rencontre un objet immobile»: Bruxelles,
Libération, 18 de Fevereiro de 2015
“Uma força irresistível encontra-se face a um objecto imóvel”, é assim que Vasilis Gionakis, o chefe da estratégia mundial de câmbios do banco UniCredit, caracteriza as negociações actuais entre os responsáveis do governo grego e o Eurogrupo. “A força irresistível”, é a necessidade profunda expressa pelos eleitores gregos de se repararem os estragos sociais gerados pela política de austeridade em resposta à crise. “O objecto imóvel”, é o apoio do governo alemão à esta política de austeridade por razões ideológicas.
Pela primeira vez desde o início da crise em 2007-2008, que é contestado o projecto dos dirigentes europeus de impor de maneira hegemónica a austeridade como resposta à crise. Os limites do regime da moeda única e as injustiças geradas por esta resposta à crise, assente numa política de forte austeridade, foram já muito debatidos, ao mesmo tempo na literatura económica crítica, mas também em inúmeros fóruns por diversos actores sociais, como os sindicatos e os movimentos sociais. Contudo, não existia até agora nenhuma força política organizada capaz de concretizar este discurso público em actos de governo. O novo governo conduzido por Syriza na Grécia (a coligação da esquerda radical) oferece esta oportunidade, e é a razão pela qual encontra uma oposição tão vigorosa dos partidários da austeridade.
As eleições nacionais antecipadas de 25 de Janeiro na Grécia conduziram a uma vitória inequívoca de Syriza, que obteve 36,3% dos votos e 149 lugares no Parlamento (sobre um total de 300). Por seu lado, os partidos do governo de coligação em exercício até aí – a Nova Democracia conservadora e o PASOK socialista – sofreram uma pesada derrota. Estes dois grupos políticos somaram apenas 32,5% dos sufrágios (respectivamente 27,8% e 4,7%). Syriza não obteve a maioria absoluta, formou um governo de coligação com AN.EL (Grego independente), um partido de direita que se opõe como Syriza ao facto que as ajudas europeias sejam subordinadas à políticas de austeridade como foi o caso em 2010 e 2012
As prioridades do novo governo, que obteve um voto de confiança no Parlamento grego a 11 de Fevereiro, são as seguintes:
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Crise humanitária – tendo em conta os efeitos socialmente destrutivos da crise sobre largas camadas da população, o governo comprometeu-se a fornecer um acesso gratuito à electricidade, ao alojamento e aos cuidados de saúde para as categorias da população mais atingidas.
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Leis sobre o trabalho – as negociações colectivas, cujos efeitos tinham sido suspensos em 2011, serão reintroduzidas e a protecção do emprego, que tinha sido desmantelada, será reforçada. O salário mínimo voltará a ter em dois anos o seu nível de antes de 2011.
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Privatização – as vendas maciças de activos públicos serão paradas.
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Bancos – uma nova lei será introduzida para parar com os procedimentos de execução das hipotecas pelos bancos enquanto os empréstimos “não performantes, ou seja, que de momento são de cobrança dificil ” – que representam mais de 30% do total dos empréstimos – serão transferidos para uma entidade governamental específica, o que permitirá ajudar as famílias e as empresas, bem como o sector bancário.
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Reforma fiscal – o governo comprometeu-se, por um lado, a combater a fraude e a evasão fiscal e, por outro lado, a tornar o sistema fiscal menos regressivo que actualmente.
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Corrupção – uma atenção especial será dada às práticas do sector público que alimentam a corrupção. Por exemplo, haverá inquéritos sobre os contratos públicos logo que haja provas de irregularidades de qualquer que seja a sua natureza.
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Finanças públicas – no que diz respeito às finanças públicas, o governo conduzido por Syriza declarou que quer ser capaz de poder emitir mais dívida a curto prazo ( títulos do Tesouro comprados pelos bancos gregos), bem para além do limiar actual dos 15 mil milhões de euros. Pede o reembolso dos benefícios (de um montante de 1,9 mil milhões de euros) realizados sobre as obrigações gregas detidas pelo BCE e os outros bancos centrais da zona euro. Por último, deseja reduzir o objectivo de excedente do saldo público primário (saldo das contas públicas com exclusão dos juros da dívida pública) de 4,5% do PIB – como nos acordos actuais “de resgate” – para 1,5%, a fim de libertar margens de manobra orçamentais para pôr em prática a sua política e dar respostas à crise humanitária.