CRÓNICA DE DOMINGO – Fragmentos – Joaquim Palminha Silva

 cronicadomingo3-2Não devemos deixar que a indolência nos amarre…

Enquanto as nossas pupilas virem o sol, devemos estar na vanguarda da luta contra a imbecilidade, contra a ignorância, contra a cobardia e contra a indiferença. O indolente, todos os dias se conforma com os seus remorsos, encolhendo-se na sua concha… – Nós não queremos estar entrar os indolentes!

            Esta vida pode ser uma fornalha de fogo negro, mas cada um de nós pode cantar nesta fornalha: – Porque o heroísmo não é negado sequer ao mais humilde e vencido, a poesia não é negada ao pobre e ao enfermo, a santidade não é recusada ao caído e ao pecador.

            Estas não são meras palavras. Não são vazias nem vãs, nem fruto de excessos de euforia verbal. Nós sabemos de quantas lágrimas e quanto sangue brotam da História da nossa espécie. Conhecemos as feras desta selva, e os espinhos dos caminhos, os venenos dos banquetes, as tempestades dos mares íntimos, a aridez da noite escura da descrença e da dúvida, o fel dos condenados ao contínuo sofrimento, os jogos cruéis da adversidade, as humilhações diárias que golpeiam fundo na carne e no ser.

            Nós, mau grado todas as vergonhas que maculam o Homem, temos fé! Cremos na “ressurreição” dos vivos, dos que têm andado por aqui como mortos. Enquanto possuirmos um coração no peito e uma palavra nos lábios, combateremos a batalha da afirmação contra as provações e os desesperos. Somos “chamados” a demonstrar que apenas o inverosímil tem direito a encarnar-se no verdadeiro.

           Fique esclarecido que a nossa esperança não caminha sobre os passeios betuminosos da actual ordem temporal. «No princípio era o Verbo», isto é, a palavra, que é pensamento! Para nós, contas feitas, somente o espírito importa, mesmo se parece encerrado na matéria crassa. A nossa esperança é como toda a verdadeira esperança, um desafio ao impossível!

            Assim, não depositamos a nossa esperança mais sagrada nas mutações esporádicas das políticas, nas restaurações sociais, nas substituições de classes por classes, de patrões servis por servos patrões. Os “negreiros” da opinião pública, os incitadores da credulidade popular, os lamurientos dos mercados e das feiras sociais, não me interessam mais…

            Contra todas as evidências, com pertinaz esperança, creio que o espírito pode transfigurar a matéria e que a alma pode nobilitar a carne! Creio que a seguir a uma época de destruição e fanatismo assassino, aparecerá uma nova época na qual o Homem reencontrará mais estreita união com a Natureza (e/ou com Deus, para quem é crente)!

Porquê?

Porque os heróis, os poetas e os santos não pertencem a uma espécie diversa de seres humanos; são apenas homens e mulheres, sujeitos a todas as misérias e durezas da condição humana e, por isso mesmo, são penhor e garantia certa de que, no futuro, esta minoria transformar-se-á numa multidão e a multidão transformará, pela alma, o ser da Humanidade!

Por isso, o herói que nos serve de exemplo não é um cavaleiro aguerrido, de espada alçada sobre a montada, mostrando a lâmina cortante ao mundo; mas sim Lázaro, que se desvenda à porta do túmulo escancarado… pode ainda cheirar a cadáver, mas já fala e caminha em direcção à luz!

 

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