REFLEXÃO REFLECTIDA

reflexao2Esta «reflexão sobre uma reflexão» feita por Adão Cruz, inicia uma série de artigos que iremos publicar sobre as duas luminosas inteligências que neste dia 13 de Abril se apagaram. Será, repetindo a expressão de Adão Cruz, uma singela homenagem que o nosso blogue prestará a Eduardo Galeano e a Günter Grass.

Momentos depois de ter enviado ao meu amigo Carlos Loures a despretensiosa reflexão abaixo transcrita, soube da morte de Eduardo Galeano, e, logo a seguir, da morte de Günter Grass. Um dia negro para a literatura, como comentou o meu amigo Carlos Loures. De qualquer forma, esta minha reflexão sobre direita e esquerda não foi uma premonição mas sim uma feliz coincidência que reflecte uma singela homenagem a dois grandes vultos da literatura e da humanidade, incapaz que sou de os fazer ressuscitar.

Quanto a Eduardo Galeano não restam dúvidas acerca da pureza do seu “Las venas abiertas de latinoamerica”, e de toda uma vida dedicada à defesa dos humilhados e ofendidos. Embora ele tenha dito há cerca de um ano que não quereria reler o livro, pois fora escrito numa época de imaturidade, o facto de Hugo Chavez ter oferecido um exemplar a Barak Obama levou, por um lado, Eduardo Galeano a dizer que, sendo um gesto generoso, Obama não entenderia nada da língua em que foi escrito, e, por outro lado, a que se vendessem milhões de exemplares de uma obra que todos deveriam ler.

Duvido de que Obama tenha lido o livro, e se leu, duvido que tenha entendido a sua linguagem, assim como duvido que este e outros livros indispensáveis à formação da consciência humana, tenham sido lidos ou entendidos por gente de direita. Grande denunciador da exploração económica, política e social da América Latina, ficará na História como Grande Homem de esquerda.

Não duvido de que Günter Grass tenha sido um cidadão de esquerda, com tudo o que de bom e de são tem um cidadão de esquerda, apesar da controvérsia gerada acerca da sua juventude ligada à Alemanha nazista. Sou dos que compreendem que os seus livros “Descascando a cebola” e “O tambor”, são testemunhos sinceros de uma culpa justificada pela sua pouca idade. Somos sempre capazes de emendar o nosso caminho ao longo da vida. Para isso só é preciso ser sério e honesto. Ele dizia que pensava que a sua obra seria a sua redentora e eu quero acreditar. Também para ele, esta coincidente homenagem da minha reflexão, reflectida.

 

Ser de direita ou de esquerda nunca foi a mesma coisa. São dois termos profundamente enraizados na nossa vida política, havendo quem queira menosprezar estas designações, não porque as menospreze, antes pelo contrário, mas porque não lhe trazem conforto nem descanso de consciência. Julgo, pelas minhas reflexões e pelo que todos conhecemos, que a maioria das pessoas de esquerda são gente de boa matriz humana, menos comprometida com os interesses do sistema e com o poder económico, e por tudo o que somos dados a ver no dia-a-dia, muito menos corrupta. Tudo procuram fazer, ao contrário dos que pairam pelas áreas políticas da direita, para continuar a luta em favor dos fracos, dando o corpo ao manifesto, tantas vezes sem qualquer proveito pessoal, e tendo, de uma maneira geral, um elevado sentido da dignidade e da vida. Senhores de uma verdadeira cultura do percurso e não do enciclopedismo balofo da cultura-espectáculo, são gente que reflecte a vida e o mundo em sentido solidário, gente que questiona e se questiona constantemente sobre a verdade e a justiça. Ajudar a criar um mundo melhor e mais justo é a sua grande ambição. Sendo gente humana que erra e aprende com os erros, são irredutíveis na sua força ideológica sem deixarem de ser flexíveis, reconhecendo, contudo, que a verdadeira flexibilidade nada tem a ver com a flexibilidade  e as liberdades formais, alimentadas pelos canais da estupidez e da perversão dos media, o grande domínio da direita.

 

Que o seu exemplo e o de tantos outros possam, um dia, constituir metabolitos essenciais da nossa existência.

Leave a Reply