Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
A Alemanha, o modelo ” suicidário” da Europa?
Régis Soubrouillard, L’Allemagne, le modèle “suicidaire” de l’Europe ?
Revista Marianne, 9 de Dezembro de 2014
Régis Soubrouillard é jornalista na revista Marianne, encarregado das questões internacionais
Assegurada a sua reeleição à frente dos conservadores alemães, sempre no máximo da sua popularidade, Angela Merkel quase que marcha sobre a água do Reno e não deixa de dar lições de boa gestão à França. Exceptuando Mélenchon que pede com rudeza à Chanceler que se deixe de dar lições, Paris encaixa em silêncio. Num longo dossier sobre “o naufrágio anunciado do modelo alemão”, a revista “Books” mostra no entanto que haveria muitas observações e críticas a fazer à muito segura de si-mesma que é Frau Merkel.

“Boca calada, Senhora Merkel! A França é livre” é em substância o que Jean-Luc Mélenchon respondeu à Angela Merkel que, no Domingo, numa longa entrevista ao diário Die Welt, não deixou de dizer uma vez mais que as reformas a que se comprometeram a França (e a Itália) eram insuficientes…
Se a entrevista concedida pela Chanceler falava sobretudo da diplomacia alemã no que diz respeito a Vladimir Putin, Merkel mesmo assim arranjou maneira para deixar esta pequena observação. Mas para colocar a sua bandarilha, como Merkel sabe do ofício, protegeu-se discretamente colocando-se por detrás da Comissão Europeia: “A Comissão Europeia estabeleceu um calendário segundo o qual a França e a Itália deverão apresentar medidas a realizar. É justificado, porque os dois países se encontram certamente num processo de reformas. A Comissão também disse de maneira clara que o que está até agora sobre a mesa não é ainda suficiente. Estou de acordo com essa posição da Comissão”.
A Alemanha multiplicou os apelos à ordem e as posições críticas contra Paris nestas últimas semanas, nomeadamente sobre a questão dos défices públicos. A estes avisos, o executivo francês não reagiu. Paris encaixa em silêncio e os meios de comunicação social, tipo carneiros de Panurgo, continuam a entoar o refrão do “modelo alemão”. Ainda Laurent Delahousse, face a Manuel Valls, no domingo à noite, fazia notar ao Primeiro ministro, sem o mínimo de argumento para apoiar a sua posição, que “a Alemanha vai melhor”. Se Laurent Delahousse — a mecha muito inspirada e o olhar perdido ao longe — o diz …
No entanto, sem estar a adoptar o estilo Mélenchon — a diplomacia obriga — Paris teria muita razão de explicar à muito conservadora Frau Merkel que primeiramente deveria varrer à frente da sua porta antes de se dar ao luxo de dar lições de gestão a toda a Europa. No seu último número, a revista Books prediz “o naufrágio anunciado do modelo alemão”. Um quadro apocalíptico do modelo de referência da economia europeia elaborado por três observadores de perfis muito diferentes.
O primeiro a debruçar-se sobre o caso do paciente alemão é um economista liberal inglês. Philippe Legrain, que foi durante muito tempo o conselheiro económico de José Manuel Barroso, e que se diverte a fazer a lista de todos os turiferários preguiçosos do modelo alemão, relativiza largamente os resultados do modelo em questão: “Entre 2000 e 2013, o seu crescimento foi apenas de 15% — uma magra taxa de 1,1% por ano — a par da França, portanto. No total, o país chega em décimo quinto das dezoito nações da zona euro”.
Em matéria de investimento, a Alemanha encontra-se atrás da França, da Espanha e da Itália. E o estado das suas infra-estruturas (pontes, auto-estradas) ressente-se. Cerca de 10.000 pontes teriam necessidade de ser substituídas e cerca de dois terços da rede de caminho de ferro são considerados como vetustos. O emblemático canal de Kiel que liga o mar do Norte e o Báltico teve que ser fechado durante várias semanas na sequência de avarias diversas. Na urgência, o Bundestag desbloqueou um orçamento de 260 milhões de euros sobre cinco anos, quando o montante das renovações é avaliado em mil milhões…
Em bom liberal, Philippe Legrain, preocupa-se nomeadamente com a falta de atractividade alemã pelas novas indústrias, citando o relatório “Doing Business” do Banco Mundial, segundo o qual seria mais difícil montar a sua loja na Alemanha que na Rússia ou no Senegal. Como prova, 50.000 empresários alemães, não convencidos do modelo que é tão invejado pelas nossas elites, emigraram para Silicon Valley. “O conjunto das grandes empresas está velho com as empresas instaladas à muito tempo” escreve o economista.
Mesmo o famoso sector industrial alemão poderia revelar-se de uma grande fraqueza. Os bens exportados pela Alemanha são precisamente os bens de que a China tinha necessidade na sua fase de desenvolvimento industrial. Passada esta frase, enquanto que a economia chinesa reduz o seu ritmo, a dependência da economia alemão relativamente à indústria poderia provar-se problemática porque o sector dos serviços é, ele, particularmente fraco. Acrescentando a isto uma população envelhecida, as remunerações salariais baixas e uma produtividade fraca, temos que o famoso “modelo alemão” teria necessidade de uma boa limpeza para continuar a ser uma referência.
A Alemanha, “o Japão da Europa” para pior…
Esta visão é partilhada largamente por Olaf Gersemann, editor chefe da secção de economia do diário Die Welt que se preocupa sobretudo com a confiança alemã nas virtudes do seu modelo: “Reina no meu país uma alegria e um sentimento de orgulho que nada justifica, e que me parece perigoso porque favorecem decisões irracionais”.
Entre estas, o jornalista cita a saída da energia nuclear decidida por Angela Merkel: “uma retirada unilateral” sem concertação nem preparação, para passar ao muito poluente carvão, prova que o país, convencido de ser o modelo, sobrestima a sua potência económica actual e o seu potencial para o futuro. Porque, bem mais que as reformas Schröder, é à sorte que a economia alemão deveria o seu vigor: um euro sub-avaliado tomando como referência a força da economia alemã e com os países mediterrânicos a estarem incapazes de desvalorizar — é a moeda única que o impede — no momento em que a crise os atinge duramente.
Olaf Gersemann preocupa-se também com o que ele chama “as dívidas implícitas” alemãs. Estas não aparecem nas estatísticas oficiais mas estão ligadas às promessas de prestações feitas pelo Estado. É assim com as reformas que será necessário pagar em 2035 aos últimos baby boomers e em que aqueles que estão encarregados de as pagar são hoje demasiadamente pouco numerosos. Uma certeza que leva a que o jornalista diga a que “a Alemanha é o Japão da Europa “. Para pior. Porque a economia alemã é largamente dependente do seu sector automóvel actualmente florescente. A parte deste sector no valor da produção industrial representa 19%. Um sector que participa plenamente dos sucessos da economia alemã mas cuja importância comporta a sua parte de risco. Quando o automóvel vai bem, tudo vai…
O ensaísta Emmanuel Todd mostra-se mais severo ainda no seu diagnóstico do país. E muito mais pessimista, também, quanto à consequência do modelo: “O seu sucesso é espectacular dado que a Alemanha controla a Europa. Os seus excedentes comerciais não servem para satisfazer os consumidores mas para dominar a Europa”. De resto, para Todd, acusado frequentemente de germanofobia, a Alemanha está menos numa lógica de competitividade do que numa óptica de poder. E o demógrafo está longe de ver a Alemanha entregar as armas.
E no entanto, a acreditar nele, o modelo alemão teria um vício escondido de grande dimensão: “Um dos desvios mais espectaculares da Alemanha actual, incide no desenvolvimento do ensino superior. No conjunto das grandes nações industrializadas, mais ou menos 40% dos jovens fazem os seus estudos superiores. Na Alemanha, é ligeiramente menos de 30%. Por outras palavras, a Alemanha manifesta uma forma de resistência ao mundo pós-industrial. É verdadeiramente terrível: o país que domina a Europa pela sua massa demográfica e industrial não possui, em certo sentido, uma verdadeira classe dirigente. O comportamento actual da Alemanha (os seus excedentes, a austeridade, que quer impor a todos) só se explica pelo facto que este país não teria um pensamento específico. É, acredito eu, sobretudo o efeito de um não pensamento” diz-nos Todd que vê a super-potência “do modelo” arrastar na sua queda inelutável todo o conjunto do continente europeu. Este seria pois o gesto suicida desesperado de uma Europa doente do seu “modelo”.
Régis Soubrouillard, Revista Marianne, L’Allemagne, le modèle “suicidaire” de l’Europe ? Dezembro de 2014.
Texto disponível em :
http://www.marianne.net/L-Allemagne-le-modele-suicidaire-de-l-Europe_a243301.html
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