O DESEMPREGO NA ZONA EURO – POUCO TEM A VER COM A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL – por BILL MITCHELL – I

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Selecςão e traduςão de Júlio Marques Mota

europe_pol_1993 O desemprego na zona euro – pouco tem a ver com a competitividade internacional

Bill Mitchell, Eurozone unemployment – little to do with international

Billy Blog, 23 de Marςo de 2015

Publicação autorizada pelo autor.

 

O chamado ‘Conselho Europeu Informal’ lançou um documento em 12 de Fevereiro de 2015 – Preparing for Next Steps on Better Economic Governance in the Euro Area: Analytical Note – que tem sido utilizado como um pano de fundo para forçar os gregos na sua submissão à última ronda sobre a crise da zona euro. Foi publicado sob a co-autoria de Jean-Claude Juncker (Presidente da Comissão Europeia) com “estreita cooperação” de Donald Tusk (Presidente do Conselho Europeu), Jeroen Dijsselbloem (Presidente do Eurogrupo) e de Mario Draghi (Presidente do BCE). Com todos estes, quem aqui falta é a Madame do FMI para se completar a Troika. Este é um documento muito desonesto, deliberadamente enquadrado para avançar com a agenda de austeridade e com isso afectar a qualidade de vida de algumas das Nações da União Monetária. É difícil entender que um economista sério possa ser capaz de colocar o seu nome neste tipo de análise.

O documento abre com uma extraordinária descrição do que é a “natureza da União Económica e Monetária”.

Factualmente, está tudo bem. Mas o que é negado é que é a parte interessante do texto.

No texto diz-se :

“O euro é mais do que uma moeda. É também um projecto político. A nossa União Monetária exige que os Estados abandonem de uma vez por todas as suas anteriores moedas nacionais e permanentemente partilhem a soberania monetária, com os outros países da zona euro. O euro, portanto, criou uma “comunidade de destino” entre os 19 Estados-Membros que partilham o euro como sendo a sua moeda; isto exige simultaneamente a solidariedade em tempos de crise e o respeito de todos pelas regras acordadas.”

Os grandes visionários europeus no período imediato do pós Segunda Guerra Mundial não desejavam colocar as economias europeias enfiadas numa camisa de forças de austeridade e de dificuldades.

Prefiro considerar que eles visavam alcançar a prosperidade em tempo de paz. Os dirigentes políticos europeus conceberam o projecto’ europeu’ como um ambicioso plano para a integração europeia de modo a poder assegurar que não haveria mais conflitos militares em larga escala sobre o solo europeu continental.

O projecto iniciou-se numa altura em que as nações avançadas tinham assumido o consenso de uma política económica keynesiana com os governos empenhados em manter o pleno emprego.

A era keynesiana emergiu da Grande Depressão, que ensinou os políticos que, sem uma intervenção do governo, o capitalismo é inerentemente instável e propenso a manter longos períodos de desemprego.

O pleno emprego alcançou-se apenas com o início da segunda guerra mundial, quando os governos utilizaram os défices orçamentais para com eles poderem fazer o esforço de guerra que fizeram. A era de política macroeconómica keynesiana que se seguiu foi marcada por défices que complementavam o consumo privado e, assim, garantir que todos os trabalhadores que queriam trabalhar pudessem encontrar emprego.

O consenso político e económico que emergiu após a guerra levou a que se tenham alcançado níveis muito baixos de desemprego nas nações ocidentais, níveis estes que se mantiveram até meados de 1970, embora algumas nações europeias tenham sofrido acessos de crises de desemprego superiores em consequência de terem de defender as suas moedas mais fracas [de ataques especulativos, por exemplo].

Dentro deste amplo consenso político, as discussões sobre a integração foram condicionadas pela rivalidade franco-alemã. A França estava determinada a criar estruturas institucionais que impedissem, de uma vez por todas, a Alemanha de poder invadi-la novamente.

A integração europeia era assim vista como uma forma de consolidar um papel dominante nos assuntos europeus, mas sempre determinada a ceder tão pouco quanto possível da sua soberania nacional para alcançar estes objectivos.

A França estava também ressentida com a influência que os EUA estava a exercer na Europa, nomeadamente através do plano Marshall, que intrinsecamente ligava a Alemanha Ocidental aos Estados Unidos.

Os alemães, a sofrerem de uma enorme vergonha pelo seu militarismo anterior e pelo que lhe esteve associado, tinham apenas o seu sucesso económico, incluindo a ‘disciplina’ do Bundesbank, como base para sustentar o seu orgulho nacional.

Assim para além de ter necessidade de expandir seus mercados de exportação, a Alemanha queria também ser parte do projecto’ europeu’ até para demonstrar uma rejeição da sua recente e triste história.

Mas um medo obsessivo de inflação significava que essa participação tinha que ser conduzida em termos alemães, o que significou que a nova Europa tinha eventualmente de aceitar a cultura do Bundesbank. Isto tornou-se um processo de trituração do objectivo europeu.

Dentro do ambiente alemão de estabilidade económica, foi aparentemente esquecido que a Alemanha, aliás, que a sua prosperidade se baseou no forte crescimento das importações feitas pelas outras nações europeias. O facto de que nem todas as nações, num Bundesbank centrado num ‘ambiente de estabilidade’, poderiam ser levadas a terem excedentes da balança comercial, foi um dado ignorado.

A moeda comum tornou-se uma realidade no final da década de 1980 depois de várias tentativas fracassadas de se avançar com um plano coerente (relatório Werner, relatório McDougall) não através de uma diminuição na rivalidade nacional e cultural Franco-Alemã, mas sim e sobretudo através de uma crescente homogeneização do debate económico.

O salto no pensamento monetarista no quadro da macroeconomia na década de 1970, primeiramente nas Universidades e depois na elaboração de políticas e nos domínios dos bancos centrais, rapidamente levou a que este se tenha transformado num pensamento de grupo fechado, que capturou os decisores nas políticas sob o império da primazia ao indivíduo, sob o império da auto-regulação, do mito do mercado livre.

O “enviesamento da confirmação” que acompanhou esta tendência (a tendência das pessoas para juntar factos que apoiem o seu ponto de vista e de rejeitar ou ignorar os factos que funcionam em sentido contrário) dominou o debate sobre a integração monetária.

A presença dos monetaristas inspirou o plano Barre em 1976, apresentado pelo primeiro-ministro francês Raymond Barre, sob a Presidência de Valéry de Giscard d’Estaing, e em que se mostrava bem do muito que a França se tinha modificado e distanciado dos seus dias de gaullismo ‘Keynesiano’.

Em toda a Europa, o desemprego tornou-se uma ferramenta política em que se visa a estabilidade dos preços em vez de ser ele um objectivo da política económica, como o tinha sido durante a era keynesiana e até meados de 1970. O desemprego aumentou fortemente e tanto mais quanto os governos nacionais, infestados pelo pensamento monetarista, começaram o seu prolongado namoro com as políticas de austeridade.

É neste contexto que o relatório Delors foi publicado em 1989 e com ele se concebeu o projecto da União Monetária.

A zona euro agora está prisioneira dentro de uma camisa de forças da austeridade económica, impulsionada por uma ideologia económica que está cega para a evidência do seu próprio fracasso.

As políticas neoliberais de desregulamentação e a demonização da utilização dos défices orçamentais discricionários (a despesa pública maior que as receitas governamentais) foram elas que, em primeiro lugar, criaram a crise, e agora são as mesmas políticas que a estão a prolongar.

A abordagem política actual tem institucionalizada a estagnação económica, a contenção generalizada e a degradação das condições de trabalho e das pensões de reforma. Milhões de trabalhadores europeus estão agora desempregados, a desigualdade e as taxas de pobreza estão a subir e os seus cidadãos estão a sofrer de cada vez maiores perdas de rendimento nacional.

A juventude tem dramaticamente alta taxas de desemprego e o seu nível elevadíssimo mostra que estas irão garantir que os danos se irão prolongar bem para além de um futuro imediato e irão abranger várias as gerações e minar a prosperidade futura com uma coorte de jovens desempregados a chegarem à idade adulta sem nenhuma experiência de trabalho e com um sentimento crescente de marginação face às normas e práticas sociais tradicionais.

Ainda agora o Conselho Europeu continua a subscrever documentos em que se encara o problema como um problema de eficiência microeconómica (impedimentos estruturais) ao invés de o analisarem a partir da uma escassez macroeconómica da despesa.

(continua)

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Bill Mitchell – billy blog, Eurozone unemployment – little to do with international competitiveness, texto disponível em http://bilbo.economicoutlook.net/blog/?p=30490

 

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