KRUGMAN, CAMERON, MILIBAND, PASSOS COELHO E ANTÓNIO COSTA – ALGUMAS REFLEXÕES À VOLTA DO PROGRAMA UMA DÉCADA PARA PORTUGAL – por JÚLIO MARQUES MOTA – I

júlio marques mota

Krugman, Cameron, Miliband, Passos Coelho e António Costa – algumas reflexões à volta do programa Uma década para Portugal

Júlio Marques Mota

Um texto de Paul Krugman, é sempre de saudar. Um texto de Krugman escrito antes das eleições da semana passada, A desilusão da política de austeridade, e a explicar porque é que Cameron iria logicamente ganhar é então um texto para uma profunda reflexão em Portugal, até porque… dentro de meses iremos ter eleições.

Os homens do PS terão aqui boa matéria para reflexão e tanto mais quanto até aqui não se sentiu soprar pelos lados do Largo do Rato num mínimo de ar fresco de quem se quer distanciar de Bruxelas.

Possivelmente, com as manobras possíveis da Troika e de quem está por detrás de tudo isto, Merkel e Schäuble, até poderá voltar a ganhar Passos Coelho. As supostas gaffes monumentais cometidas nestes últimas semanas por este candidato de novo a Primeiro-ministro dão ar de quem está perfeitamente à vontade perante tudo e todos, porque tudo e todos nada significam agora perante o centro do poder, que claramente não reside em Lisboa. Democracia é coisa que esse senhor não conhece, como não a conhece também o bando dos quatro do Ocidente, Mário Draghi, BCE, Jean-Claude Juncker, Comissão Europeia, Jeoren Dijsselbloem, Presidente do Eurogrupo, Donald Tusk, Presidente do Conselho Europeu. Podíamos gastar páginas e páginas a descrever a concepção de democracia dos componentes deste bando dos quatro. Não vale a pena. Apenas de passagem, citemos esse verdadeiro bluff que é o plano Juncker, um plano “Marshall” para a Europa assente nos capitais privados que até aqui não se têm investido, citemos de memória o trabalho do Presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem, que destruiu Chipre com milhares de famílias a ficarem repentinamente sem acesso ao multibanco por decisão unilateral do Eurogrupo, citemos de memória o golpe dado pela Irlanda antecipando a quantitative easing com uma manobra gigantesca sobre o BCE passando dívida de curto prazo para dívida a longo prazo, e foram mutos milhares de milhões, e a taxa de juro muito mais baixa e depois a ser apresentado como o modelo de que a austeridade resulta, o que terá sido feito com o consentimento, pois claro, de Draghi. Relembro aqui uma colecção de textos que editámos logo que se soube da quantitative easing criada por Draghi, teoricamente nas costas da Alemanha, teoricamente apenas, uma vez que publicitada a três dias das eleições gregas, constituiu uma verdadeira arma de arremesso contra Atenas. Uma arma de arremesso, porque tanto poderia significar, portem-se bem, o rating da  dívida sobe depois um ponto ou outro, naturalmente,  e podem servir-se do maná que é a quantitative easing. Inversamente pode ser entendida como expressando o seguinte: se não se portarem bem, seremos insensíveis à vossa chantagem de saída do euro, pois temos euros quanto baste para aguentar um ataque especulativo contra a nossa moeda. Um economista italiano chamava à Bazuca de Draghi, a quantitative easing, o último prego que estaria a ser pregado no caixão da Europa. E concordámos. De Democracia, por estes lados nem o cheiro, como se vê. Portanto se os patrões de Passos Coelho nada respeitam, porque há-de ele respeitar aqueles que na escala do poder estão abaixo dele? Não vai ele continuar a política de austeridade? Claro que vai, se ganhar. E o argumento é de peso: não perder o que se ganhou até agora com as políticas de austeridade, ou seja, o respeito dos mercados e dos restantes Estados-membros. Mudar politicamente, significa então voltar ao princípio da austeridade, esta é a tese apresentada com que se assustam os ignorantes. Esta foi de resto a arma central de Cameron para ganhar as eleições. As sondagens bem ampliadas, o par a passo dos Tories com os Labour apresentado pelas sondagens, o medo bem orquestrado, como o sublinha Krugman, à volta do défice e da dívida e bem conduzido pelos media, a ameaça que a mudança significaria voltar à estaca zero da crise na Grã-Bretanha, depois de tanto sofrimento, a não discussão do que significam os sinais de retoma, confundidos vergonhosamente com a própria retoma como muito bem assinala The Economist, tudo isto terá levado os liberais de centro-direita ou de centro-esquerda, tanto faz, a protegerem-se atrás dos Tories e perderam-se ou ganharam-se, consoante o ponto de vista,  48 deputados para os Tories. Possivelmente poder-se-á dizer que se terá  passado eventualmente a mesma coisa com gente à direita dentro do próprio Labour. Adicionemos a isto o medo do vazio em tempo de crise que a União Europeia, principal parceiro comercial da Grã-Bretanha, vai instalando na população, e é emblemático deste ponto de vista a perda do lugar do UKIP, e temos então os condimentos de uma situação que se tornou explosiva para o Labour Party e para o UKIP. Em suma, assim temos a vitória de Cameron, a vitória do medo, portanto. E veja-se que a prática de Passos Coelho insere-se nesta mesma lógica.

Encontramos aqui uma clara analogia com a situação inglesa. Depois de uma paragem de dois anos em não colocar o pé no acelerador da austeridade, Cameron promete agora mais austeridade para os próximos anos. Encarregado duma missão histórica, a de reduzir o papel do Estado, David Cameron segue assim as peugadas de Margaret Thatcher e de Tony Blair. Como nos diz Krugman:

o medo de falar da dívida e do défice é utilizado frequentemente como uma cobertura para uma agenda muito diferente, principalmente, uma tentativa de reduzir a dimensão global do governo (o volume das despesas públicas, o papel do Estado) e especialmente os gastos na Segurança Social. Isto tem sido transparentemente óbvio nos Estados Unidos, onde muitos planos supostamente de redução dos défices incluem fortes cortes em impostos ou na tributação de grandes empresas e dos mais ricos ao mesmo tempo que cortam nos cuidados de saúde, nos auxílios alimentares aos mais pobres. Mas há também uma motivação bastante óbvia no Reino Unido, se bem que não tão cruamente expressa. O “objectivo principal” de austeridade, o jornal The Telegraph admitiu-o em 2013, “é o de diminuir o volume das despesas públicas ” – ou, como Cameron o colocou num seu discurso mais tarde naquele mesmo ano, é o de tornar o Estado “mais magro… não agora, mas permanentemente”.

David Cameron, Passos Coelho, ambos na disputa de quem fará mais austeridade? Veremos se este último ganhar.

Mas poderá não ser assim, poderá então ganhar António Costa. E será que a esperança para o povo português aumentará? Não acredito. Também aqui e de novo as analogias são imediatas com a Inglaterra, neste caso, agora, entre Costa e Miliband o grande derrotado destas eleições. Este não soube ou não quis demarcar-se das políticas de austeridade. Com efeito e como assinala Krugman:

[A pergunta do porquê da apetência dos políticos actuais pelas políticas de austeridade] Krugman diz-nos :

Parte da resposta é que os políticos “cozinharam” para vender ao público, que não entende a lógica de défice, a ideia de que se deve tratar as questões do orçamento do governo da mesma forma com que se trata com o orçamento familiar. Quando John Boehner, líder republicano, se opôs aos planos de estímulo alegando que “as famílias americanas estão a apertar o cinto, mas não vêem o governo apertar o cinto,” os economistas estupidamente encolheram-se. Mas no espaço de alguns meses a mesma linha começou a aparecer nos discursos de Barack Obama, porque os autores dos seus discursos consideraram que isso era bem aceite pelas audiências. Da mesma forma, o Partido Trabalhista sentiu a necessidade de ocupar a primeira página do seu manifesto eleitoral para as eleições gerais de 2015 a falar de “um orçamento responsável para o futuro”, prometendo “reduzir, ano após ano, o défice público “.

Mas Miliband está então muito perto de António Costa ao lermos por exemplo o texto Uma década para Portugal, é pois a conclusão que se pode tirar. Diz-se aí:

As empresas reduziram de forma dramática a contratação de novos trabalhadores. Os salários e os lucros ajustaram com o objectivo de preservar empregos: empresas e trabalhadores fizeram um significativo esforço para permitir a retenção do emprego e da atividade, mas isto foi feito comprometendo o crescimento futuro porque resultou numa redução dos investimentos em capital físico e humano.

Um exemplo deste esforço comum é o facto de as separações entre empresas e trabalhadores durante a crise terem sido em número inferior ao período anterior à crise. Apesar disso, o desemprego disparou, fundamentalmente, porque o país não conseguiu encontrar novas alternativas para os seus recursos produtivos. Ou seja, não houve transformação estrutural da economia portuguesa.

Mas repare-se no cinismo de cada um dos parágrafos. No primeiro, que podemos considerar como um verdadeiro insulto ao trabalhadores portugueses, aos militantes do PS e à anterior direcção do PS, o resultado dramático de um país destruído é, afinal, o resultado de um esforço conjunto de patrões e empregados. A ser assim, será que é então um produto desejado pelo país como um todo? Só faltaria dizer isso. Um parágrafo que, lamento muito dizê-lo, cheira quase que à ideologia de outros tempos, ao cantando e rindo em conjunto. Um texto de quem parece não viver neste país, de quem não sabe o que é viver do salário mínimo, que não sabe, estando a trabalhar em média 10 hora por dia, o que é viver e não ganhar, por exemplo, para os medicamentos para curar uma gripe, tipo Vibrocil e Nasomet. Quanto ao segundo parágrafo, o desemprego não é um acto de violência do empregador ou da sociedade como um todo, porque o cidadão uma vez desempregado  é tratado depois como um perseguido nos seus direitos de trabalhador e de cidadão. Um acto de separação entre empregador e empregado, eis pois como é visto o desemprego massivo   a que temos estado sujeitos. E as despedidas podem ser amigáveis, entre gente de boa formação! Face a este neoliberalismo, que saudades eu tenho de Adam Smith…

Um texto, portanto,  que qualquer cidadão de direita, mesmo da pura e dura, assinaria. Mas continuemos:

A sustentabilidade das contas públicas e a estabilização do endividamento são princípios basilares da governação. É necessário um compromisso claro com uma trajectória de sustentabilidade das contas públicas que garanta a redução do défice estrutural e permita iniciar uma trajectória descendente do rácio de endividamento. O quase equilíbrio estrutural das contas públicas e a redução do endividamento são objectivos assumidos como uma prioridade, independentemente dos condicionalismos externos.

E aqui encontramos Miliband e a sua linha de orçamento responsável, que acaba por ser apenas uma versão soft do que pretende Bruxelas, não se questionando, mesmo em nada, toda a política que afoga a Europa. Passa-se ao lado. Como nos diz Krugman:

Tem sido surpreendente, do ponto de vista dos EUA, testemunhar a ausência de firmeza na resposta do Partido Trabalhista inglês à política de austeridade imposta pela coligação. A oposição na Grã-Bretanha tem-se mostrado incrivelmente disposta a aceitar as ideias austerianas de que os défices orçamentais são o maior problema económico que enfrenta a nação e mais, não têm feito praticamente nenhum esforço para contradizer a proposição extremamente duvidosa de que a política orçamental seguida sob Blair e Brown foi profundamente irresponsável – ou mesmo a afirmação absurda de que foi esta suposta irresponsabilidade orçamental que provocou a crise de 2008-2009.

Porque esta fraqueza, esta incapacidade da oposição? Em parte, esta fragilidade na crítica pode reflectir o facto de que a crise ocorreu com os trabalhistas no poder; os democratas americanos devem considerar-se com sorte pelo facto do Lehman Brothers não ter caído um ano mais tarde, com os democratas já na Casa Branca. Em teremos mais gerais, o centro-esquerda europeu parece preso numa espécie de repugnância à reflexão, incapaz de defender as suas próprias ideias. A este respeito, a Grã-Bretanha parece-se muito mais com a Europa do que com a América.

(…) Se a oposição política não questionar, não criticar, a economia nefasta da coligação, quem o fará?

(continua)

1 Comment

  1. Tendo tido a oportunidade de acompanhar as duas semanas finais da campanha eleitoral e o próprio dias das eleições, não posso deixar e concordar com a perspectiva de Paulo Krugman e com aprópria análise do professor Júlio Marques Mota.O medo é o factor que determina o grande vencedor das eleições no Reino Unido, mas é aqui, exactamente, na verdade desta afirmação,que reside a abissal diferença, entre a situação britânica e as próximas eleições em Portugal.A vitória expressiva, substancial e esmagadora do SNP, que conquista 56, dos 59 lugares nos Comuns, atribuidos à representação escocesa, condiciona todo o resultado eleitoral, elimina qualquer hipótese que, realmente existia , nas semanas anteriores e revelada pelas sondagens, da possível vitória , reduzida, é certo, do partido trabalhista e é o primeiro dos três grandes factores em que assenta o medo do eleitorado a que se refere Krugman.Podemos , sem dificuldade, classificar como o medo de tipo interno.Mas existe um segundo medo, que tem vindo a ser explorado de diversas formas, pelo governo e maioria conservadoras e este, directamente esgrimido pela maioria, que é o medo da “invasão” europeia, permitido pelas regras de livre circulação de pessoas e bens , consubstanciado nos tratados que o governo de sua majestade subscreveu, mas que o governo conservador actual, tenciona denunciar.O terceiro medo, tem horizontes muito mais extensos que o dos simples limites dos países que constituem a União europeia e estende-se muito para lá do Mediterrâneo, ou do próximo Oriente e representa , acima de tudo, a falência de uma política de alinhamentos politícos em aventuras bélicas fracassadas e as consequências da desestabilização a que conduziram, quase reduzindo a política externa dos conservadores à rotina do relacionamento com alguns dos alinhados incondicionais da Commonwealth e à parceria preferencial que se irá acentuar com os EE.UU, de preferência com um governo republicano, que poasa resultar de próximas eleições.
    A distância entre estas eleições e os medos que vieram a determinar o resultado em Inglaterra e as próximas eleições em Portugal é, muito superior ao da distância entre as ambições do senhor Cameron e do doméstico Passos Coelho.O primeiro ,quer influenciar com a sua maioria o rumo da Europa, moldando-a aos interesses britânicos, o segundo quer impôr a canga das políticas europeias a um povo descrente e exausto.Como na fábula, o primeiro é como um boi, manso, por certo, mas ainda assim um boi, enquanto o segundo, não se regateia a esforços como fazia a rã, ou como poderia fazer qualquer outro coelho.

    Os meus cumprimentos
    José António Cruz Magalhães

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