Omar Khayyām (غیاث الدین ابو الفتح عمر بن ابراهیم خیام نیشاپوری)nasceu no dia 18 de Maio de 1048, em Nishapur, no actual Irão), poeta, matemático e astrónomo iraniano. Não se pode pôr as mãos no fogo pela exactidão da data do aniversário, sabendo-se que a mudança de calendário ordenada pelo papa Gregório XIII em 1582 provocou algumas confusões. O calendário concebido por Khayyām tinha uma margem de erro de um dia em cada 3770 anos. Contribuiu em álgebra com o método para resolver equações cúbicas pela intersecção de uma parábola com um círculo, que viria a ser retomada séculos depois porDescartes. A filosofia de Omar Khayyām era bastante diferente dos dogmas islâmicos oficiais. Aceitou a existência de Deus mas recusou a noção de que cada acontecimento e fenómeno particular era o resultado de intervenção divina. Defendeu que as leis da natureza explicam todos fenómenos. Como poeta é conhecido pelos Rubaiyat (em português, “quadras” ou “quartetos”), que ficariam famosos no Ocidente a partir da tradução de Edward Fitzgerald, em 1839.
Vinho! O meu coração enfermo quer este remédio!
Vinho de perfume almiscarado!
Vinho cor de rosas!
Vinho, para extinguir o incêndio da minha tristeza!
Vinho e o teu alaúde de cordas de seda, ó minha bem-amada!
Foi Omar Khayyam quem disse. E também disse estas palavras que, hoje, lhe podiam valer uma fatwa:
Alcorão, o livro supremo, pode ser lido às vezes, mas ninguém se deleita sempre em suas páginas. No copo de vinho está gravado um texto de adorável sabedoria que a boca lê, a cada vez com mais delícia.
E disse ainda. Eu estava com sono e a Sabedoria me disse: A rosa da felicidade não se abre para quem dorme; por quê te entregares a esse irmão da morte? Bebe vinho; tens tantos séculos para dormir.
Entre dornas e jarros de tinto, passaremos pela Pérsia dos séculos XI e XII da era cristã e viremos depois até Lisboa, em Setembro de 1935. Agora vejam o que oito séculos depois, Fernando Pessoa escreveu:
Não digas que sepulto já não sente
O corpo, ou que a alma vive eternamente,
Que sabes tu do que não sabes?
Bebe!
Só tens por tudo o nada do presente.
Depois da noite, ergue-se do remoto
Oriente, com ar de ser ignoto,
Frio, o crepúsculo da madrugada…
Do nada do meu sono ignaro broto.
Deixa aos que buscam o buscar, e a quem
Busca buscar julga que busca bem.
Que temos nós com Deus e ele connosco?
Com qualquer coisa o que é que uma ou outra tem?
Sultão após sultão esta cidade
Passou, e hora após hora a vida, que há-de
Durar nela enquanto ela aqui durar,
Nem ao sultão ou a nós deu a verdade.
(30-5-1931)
Ainda hoje na poesia popular do Irão se usa uma forma arcaica de rima – os rubai e os rubayat – o rubai pode ter a rima a a a a ou a a b a ou a a b b, ou seja poemas de dois versos com dois hemistíquios, ou seja as metades ou partes de um verso, em particular de um alexandrino. O rubayat possui uma forma de métrica quantitativa inusual na poesia árabe, medindo-se a quarteta com a quantidade de sílabas e não com a quantidade de sílabas curtas e longas. Foi seguindo estes cânones que Omar Khayyam (1048-1132), mestre da chamada quadra persa, escreveu a sua sumptuosa poesia. Mais de oito séculos depois, um outro grande poeta utilizou a norma dos rubai e rubayat e escreveu algumas interessantes poesias – Fernando Pessoa. Além do gosto pela poesia, na incursão pelas pradarias da heresia e do grande talento com que a escreviam, Omar e Fernando compartilhavam outro interesse – o gosto pelo vinho. Omar Khayyam nasceu em Nichapur, no actual território do Irão. O seu nome completo era Gheyas ad-Din Abu ol-Fath Umar Ibrahim ol-Khayymi. O último nome significa «fabricante de tendas», que era o ofício de seu pai. Não foi a poesia que o celebrizou, mas sim a matemática, pois foi autor de um tratado sobre equações do 3º grau – as «Demonstrações de problemas de al-jahr e al-Muqabalah», – obra que integra uma classificação de equações. Para cada tipo de equação do 3º grau, Khayyam aponta uma construção geométrica de raízes. Procurando provar o 5º postulado de Euclides, reconheceu a relação entre este postulado e a soma dos ângulos do quadrilátero e, consequentemente, do triângulo. Além de matemático e poeta, Khayyam foi astrónomo e filósofo. Ouçam só este rubai, traduzido directamente do persa para o português por Halima Naimova, investigadora luso – russa da Biblioteca Nacional:
É madrugada.
Levanta-te, ó essência de deleite!
Bebe suavemente, tocando a harpa.
Deixa aqueles que estão adormecidos.
Eles não encontrarão a verdade.
Deixa aqueles que foram.
Eles nunca voltarão.
Foi, pois, com o rigor do matemático e com a visão ampla do astrónomo que construiu os seus rubai e rubayat. E a prodigiosa fantasia com que vestia a filosófica estrutura da sua poesia? Essa, talvez lhe fosse dada pelo vinho. Sim, pelo, vinho. Bom maometano, Khayyam gostava de beber. E não se trata de uma infracção, porque, segundo julgo saber, o profeta apenas proibiu o vinho de tâmara e foram os homens da estrutura clerical do Islão que tornaram a proibição extensiva a todas as bebidas alcoólicas. Perguntava, retoricamente, o poeta: «O que será preferível? Sentarmo-nos numa taberna e em seguida fazermos um exame de consciência, ou prosternarmo-nos numa mesquita com a alma fechada?». E disse também:
«Bebe vinho!
Receberás uma vida eterna.
O vinho é o único elixir que te pode devolver a juventude.
Divina estação das rosas – vinho e amigos sinceros!
Frui este fugitivo instante que a vida é.»
Fernando Pessoa estudou a fundo a obra de Omar Khayyam. E escreveu rubai e rubayat.
Foi a investigadora da Faculdade de Letras de Lisboa, Professora Maria Aliete Galhoz quem recuperou esses rubai e rubayat, quase todos inéditos 44 (entre éditos e inéditos), e os reuniu num livro (ilustrado por Eurico Gonçalves) que publicou em 1997 , «Canções de Beber na Obra de Fernando Pessoa». Ouçamos um rubai de Pessoa. Tem um verso incompleto, pois é um manuscrito datado de 12 de Setembro de 1935 e o poeta morreu em 30 de Novembro desse ano. Escolhi-o por ser belo e por, incompleto, nos lembrar a transitoriedade da vida:
Não me digas mais nada.
O resto é vida.
Sob onde a uva está amadurecida
moram os meus sonos, que não querem nada.
Que é o mundo? Uma ilusão vista e sentida.
Sob os ramos que falam com o vento,
inerte, abdico do meu pensamento.
Tenho esta hora e o ócio que está nela.
Levem o mundo: deixem-me o momento!
Se vens, esguia e bela, deitar vinho em meu copo vazio,
eu, mesquinho ante o que sonho,
morto te agradeço que não sou para mim mais que um vizinho.
Quando a jarra que trazes aparece sobre o meu ombro e
a sua curva desce a deitar vinho, sonho-te, e,
sem ver-te, por teu braço teu corpo me apetece.
Não digas nada que tu creias.
Fala como a cigarra canta.
Nada iguala o ser um som pequeno
entre os rumores com que este mundo (verso incompleto)
A vida é terra e o vivê-la é lodo.
Tudo é maneira, diferença ou modo.
Em tudo quanto faças sê só tu,
em tudo quanto faças sê tu todo.