No deplorável espectáculo das touradas, em que os chamados aficcionados pagam para assistir ao martírio de um inocente animal, há uma fase da fiesta em que o touro, perdido muito sangue e confuso, pois a campina onde estava habituado a deambular foi substituída por este cerco de luzes, ruídos e odores que não compreende, fica imóvel*. Perturba-o, sobretudo, a dor crescente que o vai tomando e o enfraquecimento de um corpo que não responde como antes às ordens que o cérebro lhe dá. Há uma fase, dizíamos, em que o toureiro, sabendo que o animal está perturbado, quer demonstrar ao público a sua coragem. Na tonta linguagem tauromáquica, chama-se á ousadia do diestro dar un desplante – passa as mãos pelos cornos do touro, ajoelha em frente ao animal, exibe a a coragem inútil de quem põe a vida em risco por nada.
No mundo da politica, os diestros sentem, por vezes, que podem dar un desplante. O «animal» está debilitado, confuso, apanhado entre fogos cruzados … Nesta fase final do mandato, causticado o povo no seu conjunto, particularmente a classe média, com o poder de compra brutalmente reduzido, é submetido a uma informação que denuncia a corrupção que avassala o partido opositor e que tenta provar que os sacrifícios eram inevitáveis, exaltando a coragem que houve em assumir uma política impopular para bem de todos.
O eleitorado, na sua esmagadora maioria, só conhece três posições – não votar, votar no partido do governo ou no seu opositor. As alternativas que os partidos mais pequenos lhe apresentam, surgem como fantasias – votar na utopia é voto inútil. E este raciocínio leva à rotatividade, ao bipartidarismo, em que dois partidos, dois gémeos idênticos com roupas diferentes, se revezam na tarefa de manter os seus donos comuns na posse do poder.
Com desplante, a ministra das Finanças admite (ou anuncia?) novo corte nas pensões de reforma. O voto dos pensionistas deveria ser compatível com este novo anunciado roubo. Mas o animal, «embora continue vivo, já não existe, entrou num sonho que é só seu, entre a vida e a morte».
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Muito oportuna e perfeitamente adequada essa comparação entre o touro “que já não existe” e o povo imerso no sonho da perplexidade diante dos descalabros dos políticos. Entre nós, no Brasil, está acontecendo a mesma coisa.
Abraço solidário, Carlos Loures. .