A GALIZA COMO TAREFA – Cultura de Estado – Ernesto V. Souza

1997-2100-antonio-canovas-castilloO suíço, Jacob Burckhardt (1818-1897), professor de história, viajante, europeísta, historiador de arte, filósofo da história é considerado um dos iniciadores da História da cultura.

Burckhardt é autor do célebre “A Civilização do Renascimento na Itália publicado em 1860 que se tornou autoridade no seu tempo e um clássico na historiografia. O grande pesquisador da Renascença, mostrou pioneiro, que os períodos históricos devem ser tratados na integra e exaustivamente, tendo em conta não apenas os monumentos artísticos e literários, mas também as instituições sociais e da vida quotidiana.

O Renascimento, entendido como princípio da Idade Moderna, diríamos hoje que foi um reset total, em que o Humanismo estabelece uma ponte como fim dourado do período medieval e a certificação da destruição da cristandade como universal (Greengrass, 2014) com a consolidação das monarquias e em consequência dos estados como projetos independentes de referencia.

Nas póstumas “Reflexões sobre a História”, o erudito helvético, na altura da sua última idade e no seu conservadorismo, descarta a questão de se a cultura deve ser concebida como anterior historicamente ao Estado ou se haveria que considerar ambos nascidos simultaneamente. Nele parece predominar, quanto a culturas completas consideradas nos modelos clássicos, a noção do predomínio do Estado sobre a Cultura. Demonstrado no modo unilateral que o primeiro condiciona, preconceitua, ativa e paralisa a segunda.

O processo histórico do Renascimento a hoje pode considerar-se como o processo de construção dos Estados, em que as fases nacional, imperial, colonial, pós-colonial e neo-colonial, confirmam a subordinação da cultura e da cultura individual a uma questão de Estado.

Daí que se torne prioritário, o controlo da educação, a adscrição dos grandes média a grupos de poder, dos sistemas culturais e, em conjunto, das orientações e noções de referência à moda. Não é preciso mirar os efeitos das Revoluções Norte-Americana, Francesa, Soviética, ou às emergências dos fascismos (na Alemanha, na Itália, na Espanha ou Portugal), para se compreender como o Estado condiciona; as passagens de repúblicas a ditaduras totalitárias, os processos de independência, exemplificam em extremos o que as simples mudanças governativas já destacam.

Em 1997, José Maria Aznar (presidente do Governo espanhol, 1996-2004), contribuiu a celebrar com aquele entusiasmo das descobertas, o centenário do assassinato de Cánovas del Castillo, líder do Partido Conservador, escritor, historiador, um dos cérebro teóricos do golpe de estado de 1874 que liquidou a I República espanhola, inventor do “rotativismo de partidos” caciquil espanhol, teórico da II Restauração bourbónica e principal inventor da ideia de Espanha como nação ou do Nacionalismo espanhol como identidade (Fox, E.I., 1997).

A recuperação de Cánovas, pelo Estado e da sua ideologia e modelo, como uma “normalidade” dentro de um esquema de afortalamento do bipartidismo arrastou perigosamente não apenas ao principal partido opositor (PSOE) quanto a maior parte da cultura e da intelectualidade espanhola institucional a discursos e rearme, de um nacionalismo banal e chauvinista que se considerava já obsoleto e ultrapassado pela cultura emergente dos pactos constitucionalistas e civis de 1978.

Um nacionalismo que medrou em labaradas desde brasas franquistas ainda vivas, e que não foi capaz (como o próprio Estado) de redefinir-se em projeto novo nem de afastar-se de perigosos essencialismos autoritários, centralistas e saudosos de escuras associações.

É normal a gente protestar hinos. Dá para pensar se este nacionalismo espanhol bronco, excludente e fechado que foi perigosamente alimentando-se desde o Estado, e dá hoje canto de cisne, não desaparecerá, ou quando menos não será substituído por outro – esperemos que menos virulento ou mais achegado ao dos anos 80′ – com o desaparecimento anunciado a través das urnas, desta velha política.

Leave a Reply