E se o défice orçamental fosse menor do que aquilo que se diz? – por Arnaud Parienty e Júlio Mota II

 

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

europe4c

 

(continuação)

 

Nota

A expressão habitualmente utilizada para expressar o défice efectivo de um país, relativamente ao PIB, decompondo-o em défice primário (dp) e serviço da dívida [ bt-1( i-g ) ] em que bt-1 é o peso relativo da dívida em ordem ao PIB no período (t-1),  i é a taxa média de refinanciamento   da dívida pública e g é a taxa de crescimento. Por outras palavras, o défice efectivo em relação ao PIB é expresso por Def= dp+[ bt-1( i-g ) ]. Porém para falarmos de défice estrutural e conjuntural, o défice efectivo, o lado esquerdo da igualdade acima, Def, pode ser expresso da seguinte forma: Def = Ds + Dc.

Comecemos por definir com Def o défice público total que tem uma componente estrutural Ds ( o défice estrutural) e uma componente cíclica Dc, dita o efeito de conjuntura em termos de défice ou a componente da conjuntura no défice. Temos então:

Def = Ds+ Dc

Como assina Bill Mitchell, o saldo orçamental de pleno emprego ( Def) é uma construção hipotética do saldo orçamental que se pode verificar com a economia a funcionar ao nível do pleno emprego ou ao seu nível máximo possível, o PIB potencial, o nosso ye abaixo. Por outras palavras, confrontando a posição orçamental (e os parâmetros subjacentes do orçamento) face a um ponto fixo (o da utilização da capacidade total), elimina-se a componente cíclica, ou seja as oscilações na actividade relativamente à produção de pleno emprego e obtemos Def.

Todas as variáveis são expressas em proporção do PIB. A componente cíclica é composta pela variação do défice que intervém, graças principalmente graças à acção dos estabilizadores automáticos, quando a economia se afasta do seu PIB potencial. Uma estimativa razoável é que o défice aumentaria de 0,5 ponto por ponto de produto perdido. A componente cíclica pode ser escrita :

Dc = – 0,5 y

onde definimos y como o output gap , ou seja, a diferença entre o PIB efectivo e o seu nível potencial.

Neste caso Dc= -0,5 ((ye-yp),)/(yp )   onde ye representa o PIB efectivo e yp o PIB potencial. Ora o truque dos austerianos da Comissão Europeia é considerar a taxa NAIRU   muito alta, veja-se ainda agora para Portugal o valor assumido, e esta taxa é grosso modo considerada como equivalente à taxa de pleno emprego que não acelera a inflação! Quando mais alta for a taxa NAIRU considerada, menos elevado será o PIB potencial e quanto mais baixo for o PIB potencial face ao PIB efectivo, que é dado em cada momento do tempo, (ye) menor será em valor absoluto a relação – ((ye-yp). Consequentemente , para cada   valor do défice global Def então quanto menor for dc maior é então o défice estrutural Ds da expressão acima e mais elevadas são as exigências em termos de políticas de austeridade dos altos funcionários da senhora Merkel e do senhor Schauble, altos funcionários estes que têm as funções de Presidentes da Comissão Europeia, do Eurogrupo, do Conselho Europeu, talvez com exclusão de Mário Draghi que está lá para servir os interesses do sistema financeiro e nem sempre os interesses destes correspondem com os dos patrões de sediados em Berlim. Com Def   dado, o défice constatado no período, quanto mais elevado for Ds mais baixo é Dc e quanto mais baixo é Dc a mesma lógica leva então a dizer: quanto mais baixo é DC menor é o peso da conjuntura no défice, menos importância tem as políticas discricionárias do governo. De forma mais directa, quanto mais baixo é Dc menor é a necessidade de estímulos governamentais de reacção à crise e portanto a prioridade deve então ser dada às políticas de austeridade.

Central, portanto nesta lógica infernal da austeridade imposta está o conceito da NAIRU. Sobre ela diz-nos Bill Mitchell:

“A NAIRU tornou-se um elemento central na linha da frente no ataque contra a utilização da política orçamental discricionária pelos governos. Argumentou-se, erroneamente, que o pleno emprego não significaria a situação onde haja empregos suficientes para satisfazer as preferências da força de trabalho disponível. Em vez disso, o pleno emprego ocorre quando a taxa de desemprego se situa ao nível em que a inflação permanece estável.

Os teóricos da NAIRU inventaram então um número de razões espúrias (todas elas empiricamente sem nenhum fundamento) para justificar e acentuar de forma continuada a estimativa desta taxa de desemprego a subir com a inflação estável (não observável). Então, na década de 1980, os economistas defendiam que esta taxa rondava os 8%. Agora, os mesmos economistas consideram que esta é de cerca de 5%. Em Espanha as recentes estimativas da Comissão consideraram que a NAIRU subiu de um valor abaixo de 10% para 23 ou 24%. Um cenário semelhante (ridículo) é estimado para a Grécia.”

Para uma análise mais aprofundada vejam, por exemplo, o texto de Bill Mitchell sobre a NAIRU, The dreaded NAIRU is still about and Redefing full employment … again!. NAIRU ou ainda um recente trabalho seu com o título FMI – as regulações nos mercados de trabalho não afectam o crescimento potencial.

 

Um cálculo pessimista

Existe vários métodos que permitem calcular a diferença de produção. O problema essencial é o de medir precisamente a quantidade de trabalho disponível. Os economistas reconhecem que o desemprego não pode ser eliminado inteiramente, porque o funcionamento dos mercados do trabalho é imperfeito. É necessário por conseguinte distinguir um desemprego chamado “estrutural”, que os economistas chamam NAIRU (Non Accelerating Inflation Rate of Unemployment), e um desemprego “conjuntural”. A produção potencial então é calculada acrescentando ao emprego os desempregados “conjunturais” que poderiam vir participar à produção se as empresas quisessem produzir mais.

(continua)

 

E se o défice orçamental fosse menor do que aquilo que se diz? – por Arnaud Parienty e Júlio Mota I

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