O Dia da marmota pode transformar-se no Dia do Juízo Final – por Matt O’Brien

Falareconomia1

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

O Dia da marmota pode transformar-se no Dia do Juízo Final [1]

Matt O’Brien

 

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O FMI poderia ter organizado um bem melhor plano de resgate da Grécia em 2010, considerou uma equipa que reviu o processo (AFP PHOTO / LOUISA GOULIAMAKILOUISA)

Ok, campistas, despertem e arranjem-se mas não se esqueçam das suas botas, porque está frio lá fora entre a Grécia e a Europa. Está frio lá fora todos os dias. A Grécia está

cansada de nos dizerem o que fazer, e a Europa está cansada de dar dinheiro para um país que não deseja fazer o que lhe mandam.

Se isso soa como sendo a mesma história que temos andado a ouvir desde há cinco anos, bem, isso é verdade. . É um dia financeiro da marmota ( de grande incerteza) que ameaça não só expulsar a Grécia da zona euro, mas também ameaça expulsar outros se se espalhar o pânico. O problema é que, apesar de ambos os lados quererem um acordo, nem um nem outro quer que cada um possa dizer do outro que obteve   dele o melhor. Especificamente, o novo partido do governo da Grécia, Syriza, quer ser capaz de mostrar que o confronto tem funcionado, mas a Europa não quer que outros países comecem a pensar que essa é a maneira de conseguirem o que querem.

E assim tem sido e assim está a ser — até agora, talvez. Não porque a Europa e a Grécia estejam mais próximas de chegar a acordo, mas porque não o estão. Depois de todos estes anos, a Grécia não pensa que a Europa estaria pronta a carregar no botão de ejecção, mas, neste ponto, a Europa não pensa em nada de preciso, se o faz ou não faz, mas a Grécia  poderá sair amachucada se a Europa o faz.

“O dia da marmota” da zona euro pode, por outras palavras, ser a via que vai dar origem ao Dia do Julgamento Final.

Até agora, tinha sido difícil para eles fazerem-no. A Grécia precisava do dinheiro da Europa e a Europa precisava de manter a Grécia na zona euro. Nenhum dos lados gostava da situação em que se encontravam mas não tinham muitas opções. Agora, a Grécia poderia ter optado por incumprimento e desvalorizado, mas isso não só significaria deixar o euro, o que a população grega não quer, mas também implicaria ainda uma pior austeridade a curto prazo do que aquela de que tem estado a sofrer . Isso é porque o défice da Grécia, não incluindo o pagamento dos juros, é tão grande que, mesmo se não tivesse quaisquer juros a pagar — ou seja, se deixasse de pagar sobre a sua dívida — então, porque ele teria que equilibrar o seu orçamento do dia para a noite, a Grécia teria que cortar mais despesa pública do que o que fez como parte do seu resgate . A Europa, entretanto, poderia ter deixado a Grécia falir, mas isto teria posto em causa os bancos franceses e alemães que tinham emprestado à Grécia — e quem sabe quantos outros mais — e faria com que os mercados se preocupassem quais seriam os outros países que se seguiriam à Grécia a abandonar a zona euro.

Então o que é que mudou? Bem, por um lado, a Grécia passou por uma grande depressão que fez com que a sua economia se reduzisse em 25 por cento e os seus cortes orçamentais tenham sido auto-destrutivos. Considere isto: desde 2008, o fardo da dívida da Grécia tem crescido mais não porque a sua dívida mais elevada signifique que tenha mais a pagar mas porque a sua economia tem ficado menor, o que significa que tem menor capacidade de pagar,. Isto faz com que o governo grego finalmente diga: BASTA. Basta de austeridade, o que tornou mais difícil o crescimento e tornou igualmente impossível pagar o que devemos. E é suficiente dizerem-nos como é que devemos fazer funcionar a nossa economia. É como estar a exigir querer recuperar o sentido da soberania, como qualquer outra coisa mais. A única vantagem de toda esta austeridade é que, antes desta crise mais recente, tinha-se forçado o orçamento da Grécia de tal forma que este tinha saído do negro, se ignorarmos os seus pagamentos da dívida. Isso significava que se houvesse incumprimento e saída do euro, a Grécia talvez não precisasse de aplicar mais austeridade do que a que já tinha feito (embora a coisa seja complicada, uma vez que tal posição poderia ferir suficientemente a sua economia a curto prazo e de tal modo que o seu excedente passaria a défice). Em todo o caso, a Grécia terá pensado que tudo isto tornou a ameaça de sair do euro mais credível — o que, assumindo que a Europa faria qualquer coisa para o evitar, isso iria dar mais poder à Grécia na mesa das negociações.

Esta posição pode não ser uma hipótese segura. Isto é, porque a falta de acordo e a entrada da Grécia em incumprimento pode agora  não significar o fim do mundo e esta situação até poderia mesmo não ser o fim da participação da Grécia no euro. Em vez disso, poderia colocar controles de capital em funcionamento — impedindo as pessoas de tentar levar o seu dinheiro para fora do país — e continuar ao mesmo tempo e no futuro como sendo parte da zona euro, tal como Chipre tem estado . Mas mesmo se assim não fosse, não seria tão catastrófico como teria sido há alguns anos atrás. Com o primeiro resgate da Grécia pagou-se à maioria dos seus credores privados, os bancos franceses e alemães, e assim poderia não haver o mesmo tipo de contágio financeiro agora que haveria antes. Pode mesmo não haver nenhum tipo de contágio, de todo . O Banco Central Europeu comprometeu-se a comprar títulos de um país em quantidades ilimitadas, se necessário for e já começou a comprar € 60 mil milhões por mês sobre toda a zona euro como um todo. Isso, em teoria, deve impedir os custos de empréstimos dos outros países de subiram em espiral   num ciclo de auto-realização da infelicidade se Grécia vai à falência.

Aqui é posto em marcha uma prova de força entre ambos os lados mas ambos pensam que podem vencer sobre o orçamento da Grécia, sobre a dívida da Grécia e sobre as leis do trabalho na Grécia . É muito simples. A Grécia não quer ter que fazer mais nenhuma outra austeridade — especialmente quando se trata das suas pensões — e pretende um perdão parcial da sua dívida e não quer mudar as suas leis do trabalho para tornar mais fácil despedir as pessoas. A Europa, na maior parte, quer o oposto. Agora, é verdade que a Europa se dispôs a oferecer a Grécia um pouco de espaço de manobra quanto às   suas metas orçamentais, mas isso é o mínimo que pode fazer. A Europa só está a reconhecer a realidade económica. Isso é assim porque cada 1 por cento do produto interno bruto em cortes nos custos da Grécia, como Paul Krugman sublinha, o PIB na Grécia   reduz-se mais do que duas vezes o valor desses mesmos cortes.

Para além disto, no entanto, a Europa tem estado a segurar a linha e com força. Não quer dar dinheiro à Grécia sem ter o sentimento de que está ficar com alguma coisa em troca e que essa alguma coisa seja que as   regras na Grécia começam a estar em consonância com as da Alemanha.. Mas isto significa então passar a cortar ainda mais nas pensões. Isto significa dizer que se vão desembaraçar das leis do trabalho que na Grécia protegem aqueles que já tem emprego em prejuízo daqueles que andam à procura de emprego. E isto significa vender activos que o Estado não precisa de manter ele próprio. A resposta da Grécia é que já cortou bastante nas suas pensões (mesmo se estas ainda são bastante generosas) e que é aos gregos que lhes cabe decidir quais são as regras de direito para os seus mercados de trabalho.

E a Grécia diz que sendo obrigada a vender os seus activos, como o porto de Pireu, só vai fazer com que os vendam a preços de saldo, transferindo riqueza pública para as mãos dos privados a preços abaixo dos do mercado. Mas mais do que isso, a Grécia está a dizer que politicamente não pode fazer isso. Talvez seja apenas uma táctica de negociação, mas talvez não seja. Os membros da ala esquerda do SYRIZA não querem ser o partido de menos austeridade. Eles querem ser o partido da NÃO-austeridade . E é por isso que Syriza tem recuado sobre as reformas que os governos gregos anteriores tinham feito como, por exemplo, reconduzindo presentemente milhares de trabalhadores na função pública .

Agora sempre que se leia uma notícia sobre a Grécia, devemo-nos lembrar que não vai haver nenhum acordo até ao último minuto. A questão, porém, é se haverá um acordo depois. As autoridades europeias, por sua vez, não parecem agora tão optimistas, mas, de novo, porque é que se há-de esperar que nos digam alguma coisa mais? E tudo isto , porque do que se trata é que se pretende colocar o máximo de pressão sobre o outro lado até à data limite, até ao último minuto do prazo, até ao final do mês de Junho. E a Europa fá-lo não só simplesmente com palavras, mas com cenouras e cassetetes . A Europa tem sido muito inteligente nisso, tem-no feito bem. O primeiro [instrumento de pressão] é o programa de compra de títulos do Banco Central Europeu. As regras estabelecidas impedem-no de comprar títulos da Grécia até/ou a menos que a Grécia pague primeiro ao BCE alguma coisa do que já lhe deve. E o segundo [instrumento de pressão] é o novo resgate que a Europa propõe. O dinheiro que pode ser concedido é o que já tinha sido posto de lado , mas que ainda não tinha sido utilizado, para recapitalizar  os bancos da Grécia. O resultado? Por cada dia que não há acordo, a Grécia caminha lentamente para uma corrida aos bancos, por cada dia que passa há aumento na pressão para a corrida aos bancos, e a Grécia fica um pouco pior — as pessoas não querem ver os seus euros serem transformados em dracmas, se a Grécia deixar o euro — e há menos dinheiro no fundo de resgate para resgatar seja o que for, à excepção dos bancos. A mensagem é clara: ou agarra o dinheiro agora, e pode-se pagar o que se deve , ou espere e irá ter menos dinheiro.

Será que isto vai funcionar? Provavelmente. Mas pela primeira vez desde há muito tempo, há uma chance que esta dança do resgate, onde cada lado ritualmente denuncia o outro antes de aceitar algum tipo de molho, chegue ao fim. Cada um de nós pode perder o dia da marmota, quando isto acabar.

Matt O’Brien, Greece’s Groundhog Day may be giving way to Judgment Day. Texto disponível : http://www.washingtonpost.com/blogs/wonkblog/wp/2015/06/10/greeces-groundhog-day-is-giving-way-to-judgement-day/

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Matt O’Brien is a reporter for Wonkblog covering economic affairs. He was previously a senior associate editor at The Atlantic.

 

[1] O dia da marmota ( Groundhog Day ) é uma   festa tradicional nos Estados Unidos que é celebrada anualmente no dia 2 de Fevereiro. Segundo a tradição, as pessoas devem observar uma toca de marmota, Marmota monax, e, se o animal sair da toca pelo facto do tempo estar nublado, então isso significa que o inverno vai acabar mais cedo. Se, ao contrário, o sol estiver a brilhar e o animal se assustar com a sua própria sombra e voltar para a toca, então o inverno durará mais seis semanas.

 

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