Selecção, tradução e introdução de Júlio Marques Mota
As três grandes questões acerca do que a seguir pode acontecer sobre a crise da dívida na Grécia
Matt O’Brien, The 3 big questions about what happens next in Greece’s debt crisis
Washington Post, 6 de Julho de 2015
(EPA/Yannis Kolesidis)
O povo grego votou Não face ao seu resgate, face à austeridade e, muito possivelmente, não também face ao próprio euro. Essa última parte, no entanto, depende do que o Banco Central Europeu irá fazer nos próximos dias.
Agora, no final, os Não tiveram uma vitória esmagadora de 61 por cento no referendo da Grécia sobre se devem ou não aceitar o resgate pela Europa. Mas dado o que estava em jogo, havia um pouco de farsa sobre tudo isto. Os gregos foram às urnas sobre uma escolha que a Europa tinha tecnicamente forçado e, em primeiro lugar, houve apenas um referendo, porque a Europa tinha rejeitado a proposta da Grécia para cortar no seu orçamento, e em muito como se lhe tinha sido pedido, mas de uma maneira diferente da que lhe estava a ser exigida. Por outras palavras, a Grécia e a Europa podem divorciar-se uma da outra mas não porque Atenas se recusou a fazer um dado volume de cortes no seu orçamento como politica de austeridade, mas sim porque a Grécia se recusou a fazer um certo tipo de austeridade. Não foi o montante de austeridade que esteve em jogo mas sim o tipo de austeridade. Especificamente, a Grécia queria cortar nas suas pensões um pouco mais lentamente e queria isentar de impostos os seus hotéis nas ilhas até um valor de receitas mais alto. Era pois apenas isto.
Parece uma piada de mau gosto, mas a Europa pode realmente levar a que se esfumem 60 anos de integração por causa do imposto que a Grécia deve aplicar nos seus hotéis. Seria como se a Convenção Constitucional dos Estados Unidos ficasse bloqueada quanto à possibilidade de reunir o Senado ou a Câmara dos Representantes. E não se enganem, isso é o que a Europa está agora a tentar fazer aqui: construir os Estados Unidos da Europa. Desde que terminou a Segunda Guerra Mundial, os países do continente têm tentado fazer com que não haja mais derramamento de sangue, não só tornando as suas economias cada vez mais interdependentes, mas também esperando que isso os iria forçar a forjar um futuro político em conjunto.
Mas agora, pela primeira vez, há uma possibilidade de que esse processo se torne cada vez mais apertado, de união tão imperfeita, possa começar a desfazer-se. O Não na Grécia deixa tanto o seu governo como os seus bancos sem as linhas de apoio financeiro de que necessitam para se manterem à tona, talvez até a empurra-los para fora do euro. Nem mesmo a demissão surpresa do ministro das Finanças da Grécia Yanis Varoufakis, que se tinha tornado a ovelha negra da União Europeia, pode ser suficiente para colmatar as diferenças entre os dois lados. Afinal, ele já tinha sido posto de lado desde há meses. Não, o verdadeiro problema é que, não importa quem é que está a negociar, nenhum dos lados confia no outro. É difícil ver a mudança em poucos dias, também.
Então onde é que isso leva a Grécia? Bem, talvez para fora da zona euro. Aqui estão as três grandes questões que vão decidir o destino da Grécia e a política económica da Europa nos próximos dias.
1. Será que o BCE vai deixar entrar em colapso os bancos da Grécia?
A resposta imediata é sim. Os bancos da Grécia estão a ficar sem dinheiro, e enquanto não está claro se isso vai acontecer na terça-feira ou quarta-feira ou quinta-feira, o que está claro é que isso vai acontecer em breve. Fechando os bancos, limitando os levantamentos de dinheiro até 60 euros por dia, e impedindo as pessoas de movimentarem dinheiro para o exterior apenas tem reduzido a corrida que poderia ultrapassar a da semana passada. Os depositantes estão a ficar cada vez mais preocupados e com razão, que o seu dinheiro venha a servir para socorrer os bancos, (diz-se neste caso que se trata de um bail in) ou que venha a ser transformado em dracmas de que com isso perderiam muito do seu valor, tanto assim que o governo deveria ter salvo os bancos.
Mas é importante lembrar em primeiro lugar o que é que os obriga a fechar. Isto é devido à decisão do BCE de não aprovar qualquer empréstimos de emergência adicional para os bancos da Grécia. O problema é que estes bancos têm uma grande quantidade de activos, como títulos garantidos pelo governo e activos expressos em impostos diferidos, que eles não podem facilmente transformar em dinheiro. Assim, o BCE realmente tinha estado a fazer o trabalho de refinanciador de última instância, ao aceitar estes activos como garantia e dando euros em troca aos bancos da Grécia, isto é, até à semana passada. É que, quando o BCE disse que não daria mais quaisquer empréstimos de emergência para lá dos 89 mil milhões que já tinham sido fornecidos, corresponde na verdade a colocar uma bomba relógio sob o sistema financeiro da Grécia.
E agora com esta nova posição só se encurtou o fio do fusível. Como? Bem, em vez de reduzir o montante total do crédito de emergência que se está a dar aos bancos da Grécia, o BCE está a reduzir a quantidade de crédito de emergência que os bancos da Grécia podem obter em troca de cada título individual, [porque “o BCE ajustou o valor do colateral, reduzindo-o!!!”]. A lógica é que a garantia do governo não vale agora, pois está em incumprimento para com o FMI, de modo que os títulos que se precisava para que esta garantia fosse uma garantia aceitável deixam de ser suficientes. Isso significa, por exemplo, que em vez de obter um empréstimo de € 50 em troca de uma obrigação de dívida pública de 100 €, dada como garantia, só poderia agora obter um empréstimo de € 40, [devido ao ajustamento à baixa estipulado pelo BCE do valor dos títulos dados como garantias].
Isso não iria atingir os bancos que têm mais garantias do que as que agora precisam de utilizar, o que acontece com a maioria deles, mas poderia forçar os bancos mais fracos à falência hoje mesmo, em vez de ser amanhã. Na verdade, houve rumores de que um dos grandes bancos da Grécia entraria em falência se o BCE fez isso. Bem, agora vamos esperar para ver.
Isto é mais do que simplesmente gratuito. O BCE está a colocar os bancos da Grécia mesmo à beira de um outro penhasco em que eles estavam prestes a cair de qualquer maneira. Por outras palavras, os bancos da Grécia teriam ido à falência, mesmo que o BCE não tivesse feito menos [do que o que fazia], mas simplesmente não fez mais, [o que seria preciso]. Assim, a promessa do BCE de fazer o que for preciso para salvar o euro aparentemente era uma promessa de fazer o que fosse preciso para salvar o euro, mas com excepção da Grécia. Deve ser chocante. O BCE não apenas assistiu passivamente a uma corrida bancária que ele poderia ter bloqueado – na verdade, tornou o pânico ainda maior, mas também forçou os bancos da Grécia em maiores dificuldades a ficarem a um passo de desaparecerem. Isso não é o que ninguém faria se estivesse interessado em dar ao governo grego o tempo para tentar um acordo de última hora.
(continua)
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