“NUNCA DEVERIAS TER NASCIDO…” por Luísa Lobão Moniz

olhem para  mim

Em Portugal, desde o referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez, em 2007, que as Mulheres, de qualquer condição social, viram adquirido um Direito que as deveria ter assistido sempre, o Direito a decidir sobre o seu próprio corpo, sobre ter ou não ter filhos.

Mas como quase tudo na História da Mulher, também este Direito foi conquistado quando o Homem interiorizou que o corpo da Mulher a ela pertencia e que ninguém é dono de ninguém.

Por vezes alguns casos de violência familiar são devidos ao facto de A Mulher não querer ter aquele filho porque não tem condições sociais, económicas e porque vai ser mais uma criança, como os outros filhos, maltratada.

Não conheço, nunca ouvi nenhum testemunho, que transmitisse a ideia de que a Mulher vai “abortar” sem ter pensado nos prós e nos contras. O ficar sem o filho que começa a crescer dentro da sua barriga nunca mais lhe vai sair de dentro da cabeça.

Esta legislatura da coligação PSD/CDS quer dar um atestado de menoridade à Mulher, no sentido de que Ela não sabe o que quer e por isso precisa obrigatoriamente de ter vários conselheiros cuja finalidade é fazê-la desistir do aborto.

Em 2015, o Homem amante do Poder e de Pequenos Poderes, não podia deixar de querer recuperar um “direito” por Ele adquirido: Dizer quando é que a Mulher deve interromper a Gravidez.

Os objectores de consciência, que vão julgar a decisão de uma Mulher…, de uma Mulher da qual nada sabem, estão em incumprimento profissional, não podem nem devem desempenhar este papel, pois a objecção de consciência não os deixa ser imparciais.

Na consulta do Hospital vão ser confrontadas com as imagens das ecografias para as fazerem sentir culpabilizadas…

Governar pelo medo, pela culpa não é próprio de uma sociedade democrática.

Os senhores deputados da coligação PSD/CDS por acaso já acompanharam alguma mulher que vai  voluntariamente  interromper a gravidez?

Os senhores deputados já estiveram ao pé de uma mulher pobre, com o marido doente e incapacitado para trabalhar, sem dinheiro para os medicamentos, ter que justificar, na escola, o mau comportamento do filho mais novo?

Sabem o que ouviriam ?

o teu pai é que tinha razão, nunca deverias ter nascido, se eu soubesse…”.

Até arrepia, mas é uma realidade.

Não se trata de julgar estas palavras nem quem as disse, mas trata-se de julgar quem disponibiliza técnicos de saúde para dissuadir a Mulher a interromper a gravidez em vez de disponibilizar técnicos sociais para colmatarem a pobreza, para acompanharem as Mulheres, os Homens e as Crianças…

A educação social é crucial em muitos aspectos da vida e este é mais um.

Desde 2007 que o número de interrupções voluntárias de gravidez tem vindo a baixar…

Haverá alguém que pense que se interrompe uma gravidez para a sua própria felicidade?

Se há quem assim pense é porque nas suas veias percorre a maldade e a ignorância.

As deputadas que votaram esta nova lei vão dormir hoje satisfeitas com as suas opções? Vão dormir descansadas?

 

1 Comment

  1. “Homem amante do Poder…”
    Não é que discorde desta formulação. Não tenho qualquer dúvida de que a barbaridade foi cometida em nome da ancestral ideologia religioso-machista, historicamente imposta à sociedade, durante séculos, pela ICAR e seus agentes – eclesiásticos, nobres e reis, burgueses -, guiados pela boçalidade teológica e nulidade científica longamente predominante.
    Mas…
    Quem eu vi e ouvi a defender esta abominação, na TVI, em confronto com duas deputadas da oposição, usando todos os recursos de que um bom trafulha dispõe, foram duas mulheres – uma deputada do PSD, outra do CDS, ambas apoiantes das modificações impostas a espíritos fracos ou, simplesmente, oportunistas, por uma chusma de fanáticos católicos (decerto a maioria das assinaturas do famigerado documento apresentado na AR foi recolhida em conventos e à porta das igrejas, como é hábito destes fascistóides). Os argumentos das duas tiazecas foram devidamente classificados pelas deputadas da oposição presentes. Sem rodeios, mais clara e ao meu gosto – mas bem apoiada pela deputada do PS, cuja qualidades, culturais e cívicas, bem conheço – a deputada do PCP não hesitou em classificar as patacoadas produzidas pelas duas “santinhas” como mentiras e expressão de uma clamorosa desonestidade intelectual. Com inteira razão: os argumentos utilizados foram abaixo de qualquer classificação que os tentasse assimilar à racionalidade e à decência. Ambas as beatas contaram, naturalmente, com a pressa, que contamina estes debates e permite deixar muitas alarvidades sem resposta, para alimentarem a esperança de que a deliberada confusão por elas lançada nas ondas hertzianas tenha algumas possibilidades de êxito entre a audiência.
    Ora, acontece que ambas são juristas. Não sendo nenhum curso superior, por si só, garantia de inteligência ou cultura (e talvez o de Direito menos que outros), supõe, pelo menos, alguma informação acumulada. Pelo que a desonestidade intelectual, o uso da mentira, a deturpação de dados estatísticos e estudos sociológicos, a confusão de conceitos a que deitaram mão, nada decorre de uma deficiência de conhecimentos, antes haverão de ser assumidos com plena consciência dos seus pecados originais.
    Ambas as beatas pertencem também a uma certa elite, infelizmente não cultural, mas decerto económica e social.
    Como se podem, pois, classificar estas criaturas ávidas tão agarradas à canga milenar que transportam (mas também, quiçá, ansiosas por transcendentes salvações ou bem terrenas e contemporâneas carreiras) e o papel que desempenham nesta vigarice legislante, neste apoio à institucionalização da sua própria menoridade, da sua subalternidade face a objectores de consciência e outros conselheiros, cujo “apoio” as mulheres, nas circunstâncias que a lei aborda, passam a ser obrigadas a aturar?
    Em todo o caso, é minha convicção que as evidentes desigualdades de tratamento de situações idênticas, a invasão do espaço privado e do direito de livre escolha individual e outros atentados à plena cidadania das mulheres serão razões mais do que suficientes para um rotundo chumbo do Tribunal Constitucional, quando este atentado aos direitos humanos, mas também à laicidade do Estado Republicano, for submetida à sua fiscalização.
    Alguém há-de fazê-lo, antes ou depois da promulgação pelo PR – outra pia e não particularmente clarividente criatura, que só muito a contragosto suscitará a apreciação prévia do “sacro texto” pelo TC -, pois não basta arrolar argumentos, é preciso tomar as adequadas providências. Ou não?!

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