CARTA DO RIO – 62 por rachel Gutiérrez

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Assim como no século XX Martin Heidegger publicou O Ser e o Tempo ( Sein und Zeit ), em 1927; Gabriel Marcel, o seu  Ser e  Ter ( Être et Avoir ), em 1935; e Jean-Paul Sartre o seu  O Ser e o Nada (L’Être et Le Néant ), em 1943, talvez estejamos precisando agora de algum filósofo que escreva sobre Ser e Parecer, para que se reflita sobre a obsessão de centenas de pessoas com a própria aparência, com a negação do tempo  e  com ser o que não são.

Deixa-nos perplexos e causa dó, por exemplo, uma notícia recente com este título: “Jovem morreu por embolia após aplicar hidrogel no pênis aponta Instituto Médico Legal” de Ribeirão Preto. O hidrogel, que é constituído por 98% de soro fisiológico e 2 % de poliamida, tem sido usado para aumentar alguns músculos do corpo, mas só deve ser aplicado, evidentemente, por médicos. O rapaz (de 18 anos!) da trágica notícia, ao injetar a substância no próprio pênis, na esperança estúpida de aumentar-lhe o volume, pode ter “atingido vários vasos causando trombos que caíram na circulação sanguínea” e provocaram a embolia pulmonar que o matou. Já escrevi aqui sobre moças que sofreram graves infecções após aplicação do mesmo produto nos glúteos e nas coxas. Além de grotescas, essas histórias que podem chegar a tragédias como a do rapaz de Ribeirão Preto, infelizmente se repetem e não têm servido de alerta a centenas de pessoas obcecadas com a aparência ou insatisfeitas com elas mesmas.

E a insatisfação mais comum é com a passagem do tempo, sua inexorabilidade e as marcas que isso deixa em qualquer ser vivo. Falta-nos a percepção da dialética do próprio viver que é, ao mesmo tempo, morrer, pois, é evidente que começamos a morrer no dia do nosso nascimento.  A gente morre é para provar que viveu, disse Guimarães Rosa, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras.

Sabemos, porém, que a nossa cultura tenta escamotear o envelhecimento e a morte e uma das formas mais comuns de fazê-lo é, por exemplo, negar a idade. Tentamos negar a idade pintando os cabelos (e alguns homens os pintam tão mal que ficam grotescos), submetendo-nos a liftings, (e algumas caras ficam tão esticadas que lembram mongóis ou símios), vestindo-nos de forma inadequada e excessivamente juvenil e ao invés de aparentarmos pouca idade tornamo-nos ridículos. Homens carecas fazem implantes e temos um Senador da República, aliás, o atual Presidente do Senado que, na noite de uma quarta-feira do mês de dezembro de 2013, não hesitou em utilizar uma aeronave da Força Aérea Brasileira para ir ao Recife, onde no dia seguinte submeteu-se a uma cirurgia para implantar dez mil fios de cabelo, como noticiou, na ocasião, o jornal Folha de São Paulo.

E o jornal O Globo, de um dia de julho de 2014, publicou uma matéria cujo título era “Brasil desbanca os Estados Unidos e é o país que faz mais cirurgias plásticas no mundo.” Outra notícia alarmante revelou que “com 52% dos partos feitos por cesarianas – enquanto o índice recomendado pela OMS é de 15% -, o Brasil é o país recordista desse tipo de parto no mundo.” Neste caso, talvez já não se trate tanto da vaidade das mulheres, mas da verdadeira “indústria da cesárea brasileira”, que contribui para a desinformação de muitas mulheres que poderiam ter partos normais e saudáveis se a ética médica fosse outra.

Quanto à vaidade, palavra que parece ter sido substituída pelo narcisismo bem aceito que aliena tanta gente, valeria a pena lermos ou relermos algumas passagens de um texto de dois mil e trezentos anos, o Eclesiastes:

Há um momento para tudo e um tempo para todo propósito debaixo do céu.

Tempo de nascer,

e tempo de morrer;

…………………………………………………

Tempo de chorar

 e tempo de rir

………………………………………….

Tempo de buscar

e tempo de perder…

 

Há alguns dias, num documentário da TV5, canal francês para a América Latina, ouvi o monge budista Mathieu Ricard contar que o Dalai Lama respondeu sorrindo, quando lhe perguntaram como se sentia ao pensar na morte: Tenho muita curiosidade!

Mas enquanto não chega “a indesejada das gentes”, como a chamou Manuel Bandeira, vivamos bem, de acordo com a nossa realidade e com a nossa idade de forma, digamos, sustentável.

 

 

1 Comment

  1. Olá Rachel,
    sua crônica me fez lembrar do querido Mario Quintana respondendo a um repórter sobre o que pensava do outro mundo: “- tenho até muita curiosidade mas nenhuma pressa. O que mais temo não é o sono eterno mas a possibilidade de uma insônia eterna”
    beijos, Afonnso Drumond

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